Tangará faz um trabalho de formiguinha

Victória Silva
vicctoriasilva
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3 min readOct 11, 2019

Aos 81 anos, Tangará decidiu que iria ajudar a salvar do mundo.

Sem superpoderes, o dono de cabelos brancos escolheu um gesto pequeno e, de certo modo, invisível. Todos os finais de semana, Tangará acorda antes mesmo do sol nascer, passa um café no coador de pano e vai limpar seu lugar preferido no mundo: a praia.

Nascido no interior de Pernambuco, o senhor de pele dourada cresceu na roça e demorou para ver a praia pela primeira vez. Antes de sentir os grãos de areia em seus pés, Tangará era Cleanto Martins — o apelido surgiu após o projeto ‘Patrulha Praia Limpa — Tangará’ ganhar forma. Dizem que a persistência está no sangue de quem tem o nome de origem grega. Nesse caso é fácil saber que é verdade: Tangará mora em São Paulo, cidade que adotou aos 20 anos, e desce a serra semanalmente para recolher o lixo deixado no mar.

A praia é a coisa mais linda do mundo

Com os chinelos embaixo do braço, chapéu combinando com a bermuda e uma sacola plástica na mão Tangará caminha inúmeras vezes em um trecho de cerca 1km. É sempre assim, ele chega cedo e não tem hora para voltar para casa.

“Ver a praia toda suja dói, sabe? Eu sempre reclamava da falta de consciência das pessoas, mas reclamar não adianta nada… então decidi fazer alguma coisa”.

Imagem: Diego Barbosa

Foi assim que ele passou a, lentamente, recolher pontas de cigarro, canudos, palitos de sorvete e outros itens.

Sempre que se aproxima de um guarda sol, o caminhar ganha um sorriso nos olhos que convida para uma conversa. Quando os olhares estão todos voltados para si, Tangará se apresenta e educadamente pede que os banhistas o ajudem a deixar a praia limpa.

Ele fala o tempo de decomposição dos itens próximos ao local e aponta a lixeira mais próxima. Não há quem não se comprometa a ajudar. Quando Tangará vai embora, sorrisos o observam caminhar até o próximo guarda-sol.

E então abordagem se repete de novo, de novo e de novo…

Quando a sacola fica cheia, ele vai até a lixeira e despeja o material. Volta com a mesma sacola, que é para evitar o descarte de mais esse plástico.

81 saradão

O trabalho de formiguinha tem dado resultados. Além de conscientizar os banhistas, o grupo tem outros 20 integrantes. Todos vestem a camisa, literalmente, que divulga o trabalho e convida mais pessoas a fazerem o mesmo.

“Quando eu cheguei em São Paulo, com 20 anos, estava em busca de oportunidades de trabalho. Encontrei espaço para trabalhar como pintor e fiz isso minha vida toda. Só aos 40 anos comecei a frequentar a praia quando dava. Hoje eu venho sempre e não canso de admirar essa beleza. Isso aqui é lindo demais. A coisa mais linda do mundo. Enquanto eu puder, vou limpar e tentar abrir os olhos dos jovens”.

Há quem veja a disposição de Tangará e questione sua idade. A tatuagem de hena tem a resposta: são 81 anos, saradão e preparado para as longas caminhadas. Já quem pergunta como entrar para o grupo recebe duas opções: a primeira é adquirir a camiseta, que é repassada a preço de custo ou então simplesmente se juntar ao trabalho de formiguinha sempre que possível.

Obrigada por ler até o final :)

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Victória Silva
vicctoriasilva

Conto histórias na internet e falo sobre as coisas mais legais que acontecem em Santos (SP).