Vítima da Hinode

Victória Silva
vicctoriasilva
Published in
4 min readOct 22, 2019

Estou presa na sala de eventos de um hotel ‘chique’, o ar condicionado está numa temperatura agradável e a música eletrônica é alta. Provavelmente uma tentativa de deixar a tortura mais confortável e alegre.

Não estou alegre. E apostaria os trocados que tenho na carteira que o rapaz ao meu lado também não está. Acredite em mim, você provavelmente seria um membro do clube dos não alegres nessa situação: nós saímos de casa para uma oportunidade de freelancer perfeita para o nosso perfil profissional. Encontramos uma reunião da Hinode.

Passando os olhos rapidamente, contei 50 pessoas na sala. Algo entre 15 e 20 eram vítimas assim como eu, o que não significa que fazem parte do clubinho que fundei quando percebi onde estava. O restante se divide entre representantes da marca — a maioria é aspirante aos cargos da alta patente, alguns já chegaram lá e são suas inspirações. Todos são educados, sorridentes e simpáticos em excesso. Talvez para combinar com o aroma dos perfumes que vendem, não sei.

Vinte três minutos depois do horário combinado, o evento começa. A música eletrônica continua, agora como plano de fundo para a introdução da tortura. Antes do “diamante elite mais bonito da Baixada Santista” entrar em cena, a plateia é orientada a não trocar qualquer palavra com a pessoa ao lado (spoiler: a obediência é assustadora) e, em seguida, a aplaudir o palestrante de pé.

A música eletrônica sai do plano de fundo. Começou o assunto sério.

Eis aqui a oportunidade de suas vidas

Vestido sapatênis, calça jeans, camisa polo e blazer — de cores sóbrias dos pés à cabeça — o “diamante elite mais bonito da Baixada Santista” entra em cena fazendo piada com o apelido e o fato de ser aplaudido de pé. O texto é decorado, mas ele tem o talento de um ator coadjuvante da Malhação e engana os não membros do meu clube. Com parte do público mais à vontade, o primeiro slide de uma lista incontável é apresentado.

Essa é a oportunidade de mudar as nossas vidas, assim como aconteceu com ele quando conheceu a Hinode.

São várias coincidências. O “diamante elite mais bonito da Baixada Santista” também não sabia que estava indo para uma reunião da Hinode, até achou que sua amiga queria o convidar para abrir uma construtora. Ele não conhecia os produtos da marca e achava que o marketing multinível (pirâmide, em português) era uma furada.

Ainda assim, acreditou na proposta e pouco mais de três anos foram necessários para estar ali na nossa frente. A imagem do jovem bem sucedido. Uma rende de R$ 15 mil por mês.

Eu virei os olhos. O senhor à minha esquerda anotou em seu caderninho, os olhos brilhando.

“Dizem que a Coca-Cola é a marca mais consumida no mundo. Quem aqui tomou Coca-Cola hoje? Poucos… mas certamente todo mundo tomou banho e passou perfume antes de sair de casa”.

Argumentos como esse, somados a uma possível economia e uma renda extra que vai salvar os estudantes e aposentados ali presentes são apresentados durante o evento. Viagens de navio, resorts em Cancún e idas à Disney também entram na lista de benefícios da Hinode. Vender os produtos não é uma questão abordada pelo “diamante elite mais bonito da Baixada Santista”, o mais interessante é trazer mais vendedores para a rede. Aliás, em alguns momentos ele dá a entender que os vendedores são, na verdade, os maiores consumidores da marca.

Salário de deputado e sapato de defunto

Outras contradições fazem parte do diálogo, mas até mesmo os membros do clube dos não felizes estão entregues à possibilidade de largar a faculdade para empreender ou multiplicar a aposentadoria em várias vezes. Ninguém percebe. O roteiro foi pensando para fazer sonhos antigos e aparentemente inalcançáveis serem palpáveis.

É só indicar três amigos, que vão indicar três amigos…

Esse é o momento de assinar o pacto. A informação de que o aporte inicial é de R$ 2 mil não é importante. Mas, a resposta desse questionamento é simples: qual negócio você abriria com esse valor? Nenhum, vender Hinode não é abrir uma empresa (penso). Mas isso não importa, só há tempo para uma ação: assinar o papel o quanto antes, pois quem entra no sistema primeiro ganha comissão de quem vier depois. Tempo é dinheiro.

A música eletrônica volta e acelera ainda mais os batimentos cardíacos.

A tortura é real. E a alta patente, que recebe em média R$ 30 mil por mês, usa sapatos com o salto roído e um número maior que o pé. Vai embora de Uber, mas antes precisa voltar ao saguão do hotel para o usar o Wi-fi e responder à mensagem do motorista. Talvez seja tão vítima da Hinode quanto eu e os membros do meu clube fomos.

Obrigada por ler até o final :)

As terças-feiras por aqui sempre temos crônicas de fatos que aconteceram no ônibus. Mas na semana passada eu fui parar numa reunião da Hinode e decidi mudar o tema — acho que muita gente imagina como é uma reunião da Hinode, né? A resposta está ai!

Se você gostou de saber como é ser uma vítima da Hinode, aperte a palminha e segure. Além disso, você pode deixar um comentário ou então me encontrar no LinkedIn, no Instagram e no Twitter. Compartilhe com os seus amigos, assim eles não vão cair nesse golpe também.

Até o próximo texto!

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Victória Silva
vicctoriasilva

Conto histórias na internet e falo sobre as coisas mais legais que acontecem em Santos (SP).