Entre o moral e o legal

Não é ilegal embolsar auxílio-moradia, mas é moral?

Viés
Viés
4 min readFeb 6, 2018

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Marcelo Serrado faz caras e bocas na telona interpretando o engravatado. Ao lado do também juiz Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava Jato no Rio de Janeiro, Sergio Moro comia pipoca e assistia a si próprio com caras e ares divinos.

O juiz estampa os pôsteres na Avenida Paulista e virou uma espécie de paladino contra a corrupção do Brasil. A imagem de Moro ganhou projeções nacionais com os casos da Lava Jato. O juiz faz, sem dúvida, um trabalho excepcional à frente das investigações do Ministério Público Federal, mas peca ao achar que está acima do bem e do mal.

A notícia de que Moro recebe a quantia de 4.378 reais como auxílio-moradia abalou a imagem de um juiz que é tido como modelo moral do Brasil pós-Lava Jato. O magistrado, como mostraram as coberturas do depoimento do ex-presidente Lula ao juiz – onde até as gravatas dois dois, colocados como adversários dicotômicos do bem contra o mal, independentemente da configuração que se tem de cada personagem –, quando Moro deixou sua casa levando a marmita para o tribunal, mora a menos de três quilômetros da 13ª Vara Federal da capital paranaense.

Moro faz, de fato, o que poucos juízes tiveram a chance ou a coragem de fazer. A descoberta e o julgamento do esquema, desbaratinado a partir de um doleiro num posto de gasolina qualquer, transformou-se na maior operação contra a corrupção da História do Brasil. Moro, sustentado pela opinião pública, fez o que fez. Tem ex-governadores e deputados, os grandes e mais poderosos empreiteiros encarcerados e um ex-presidente da República condenado por corrupção e lavagem de dinheiro no currículo – graças, também, ao trabalho do MPF. Os brasileiros, porém, não cansam-se de elencar pessoas – passíveis de erros e imoralidades – como deuses idôneos e intactos.

“Golpista, partidário”, entre outras asneiras, gritam aqueles crentes de que Lula é um perseguido político pelas elites porque os pobres andam de avião desde seu governo. Do outro lado, enxertam as caixas de comentários da “Folha comunista, petista”, jornal que veiculou os benefícios do juiz, os defensores do juiz. “Merece ganhar mais pelo o que fez pelo Brasil”, escreveu um. Mas a questão não é essa.

Os altos salários do Judiciário, explicou-me, certa vez, uma jurista, seria exatamente uma recompensação pela responsabilidade que demandam decisões judiciais que podem colocar em risco a vida de um cidadão. É garantido um alto salário, cujo teto ultrapassa os 33 mil reais, aos magistrados para coibir compras de decisões ou corrupção à classe – como se altos salários coibissem Eduardo Cunha, Sérgio Cabral ou o próprio ex-presidente a cometer crimes. O homem, ganancioso por natureza, vê-se sempre preterido à própria sorte e injustiçado pelo próprio destino. Deve, porém, sempre ganhar mais.

Desde 2014 no comando da operação, Moro cometeu erros – alguns, aclamados pela opinião pública. Foi um erro, apesar de interessante para o país, divulgar áudios que colocassem à prova a idoneidade da então presidente da República, Dilma Rousseff, mesmo que não fosse a petista a investigada no processo. Neste caso, diferentemente do que envolve o auxílio recebido, a decisão, que pode até ser moral, não é legal.

Por conta de uma legislação arcaica, corporativista e elitista, Dilma era resguardada pela Constituição para ser julgada por seus pares parlamentares e pelo Supremo Tribunal Federal. Discutam a lei, mas dura lex sed lex. Moro excedeu suas atribuições, como em outras ocasiões. A crítica não parte de um pressuposto moral, já que tínhamos, claramente, uma presidente da República articulando para que seu antecessor fugisse das garras que o condenaram a 12 anos e um mês de cadeia. É apenas a lei.

Entre outras decisões equivocadas, Moro deve, sem dúvida, ser lembrado pelas decisões que colocaram poderosos ao mesmo nível dos cidadãos comuns que estão passíveis de Justiça. Não deve, como querem alguns, ter erros ignorados por cumprir, e simplesmente cumprir, o que pede seu cargo.

Não há nada de ilegal em receber o benefício, que nem tributado é. Mas tornar, tratando o caso como algo maior do que o caso isolado, mais oneroso o orçamento do Estado em prol do próprio bem-estar deve, sim, ser discutido. E execrado a favor de um Brasil mais justo.

Moro não é herói, não é vilão. Apenas, como os políticos e empresários que julga, deve ser igual perante a opinião pública para seus direitos e deveres.

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