Inimigos, inimigos. Lava Jato à parte

Flerte de Lula com Michel Temer visa colocar a Lava Jato como processo político – contra todos os políticos

Viés
Viés
3 min readMar 3, 2018

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“Renan sempre foi, como presidente do Senado, uma pessoa que nos ajudou a votar tudo para melhorar a vida do povo brasileiro”, disparou Lula, em agosto passado, no palanque ao lado do senador emedebista Renan Calheiros, em comício em Alagoas. O senador, alvo de dezenas de inquéritos no Supremo Tribunal Federal – que votou favoravelmente ao afastamento de Dilma Rousseff e foi um dos aliados de Michel Temer no começo de seu mandato – viu em Lula a única possibilidade de reeleger-se a cargo público e sair vencedor. O petista, mesmo condenado, continua conseguindo mobilizar sua militância. Renan, do mesmo partido de Temer, ataca publicamente as reformas e medidas propostas pelo governo, com o mesmo timbre rouco cantado pelo líder do PT.

Para Lula, o jogo é diferente. Renan e setores do MDB, sabe o ex-presidente, tornaram-se coronéis de nichos do país e figuras cujo apoio é primordial para se governar e ter votos. Sendo o que é, Renan conseguiu emplacar até seu filho no governo de seu estado.

PT e MDB, com a relação estremecida desde o impeachment, quando Eduardo Cunha mandava e desmandava na Câmara dos Deputados, reiniciaram seu flerte numa relação simbiótica de autosobrevivência. A imagem de Lula angaria votos; o MDB é o MDB.

Numa tentativa de aproximação com o partido, em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo, Lula causou estranheza ao opor-se ao que grita seu eleitorado ao declarar que Temer foi vítima de uma “tentativa de golpe” por parte da Globo, aliada ao ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e o carniceiro Joesley Batista, no episódio que presenteou os ouvidos brasileiros com a célebre “tem que manter isso aí” e os olhos a corridinha de Rodrigo Rocha Loures com a maleta recheada de dinheiro sujo.

Além da aproximação com os emedebistas e Temer, com a declaração, o ex-presidente tenta rebaixar a Lava Jato a um processo político e desmoralizar as tentativas de se investigar e condenar os companheiros de profissão.

A aproximação é perigosa. Apoiados à inacreditável aprovação do petista, os deputados e senadores da dita oposição podem dar as mãos e contra-atacar as ofensivas da Justiça contra os pares. Não se trata mais de alianças eleitorais ou políticas em prol de medidas, mas, sim, de salvação da própria pele – e do delicioso foro privilegiado.

Ao desmoralizar a Operação, Lula coloca procuradores e juízes contra a atividade política como um todo, e tenta agradar às nuances todas de um país ideologicamente estranho.

A aproximação com os setores do MDB, porém, pode ser um tiro que sai pela culatra da garrucha de Lula. Aos incautos que creem piamente no discurso de perseguição política contra o pai dos pobres acreditará – ou fingirá – que não ouviram de Temer o que ouviram no áudio de Joesley? Assumirão que Renan Calheiros, Eduardo Cunha e Aécio Neves também são alvo de processos que visam o ocaso da República? Infelizmente, mais uma vez, ignorarão os desvios de caráter do petista, louco para fugir das grades, e fecharão os olhos.

Lula, atirando para todos os lados, acerta a própria testa – e, para desespero dos que sonham com uma classe política distinta da que assombra os palácios, ganha força em todos os sentidos. Não interessa mais o que Lula fez ou deixa de fazer. Nem se fosse gravado falando de forma mais literal possível qualquer imoralidade – como já foi –, seria achincalhado por seus pares.

A esquerda brasileira precisa afastar-se da imagem de ídolos que já morreram. Apoiar sujeitos como Lula, Maduro (e calar-se em relação ao louco norte-coreano) não representa o futuro que, um dia, sonhou-se para o país.

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