Meirelles não é FHC; Temer não é Itamar

Ambos, fracos eleitoralmente, não entendem que os avanços econômicos não são sentidos no bolso e que reforma da Previdência, bandeira de Temer, não tem aprovação popular

Viés
Viés
4 min readMar 2, 2018

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O cenário é parecido. Presidente impopular, descalabro econômico. Déficits, inflação, desemprego em alta. Um pressuposto legal – facílimo de conseguir entre os meandros politiqueiros, mas só quando interessante – e nosso Congresso Nacional, trajando as cores do país, derrubam o mandatário da República. Com as devidas proporções tomadas, ós impedimentos de Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff são semelhantes, e acarretaram no mesmíssimo discurso e até políticas semelhantes.

Depois de tomar posse, tanto Itamar Franco quanto Michel Temer procuraram o discurso da estabilidade econômica. Itamar, preciso na escalação de sua equipe econômica, encabeçada por Fernando Henrique Cardoso, conseguiu resultados importantíssimos com a implementação do Plano Real – inclusive emplacar FHC como o próximo presidente, levantando as bandeiras e prometendo a continuidade da agenda de Itamar.

É o que vislumbra Henrique Meirelles, escolhido ministro da Fazenda do governo do emedebista e ancorado no discurso que levou FHC ao Planalto. O chefe da pasta econômica estuda a candidatura ao comando do país, avaliando os números timidamente positivos que o governo vem conquistando durante a gestão. O que separa o tucano e o peessebista envolve, porém, muito mais que os números.

Grande trunfo de Itamar e FHC, o Plano Real teve resultados significativos, alavancando o crescimento econômico de forma corajosa e coerente. Avaliando a distância temporal, os números, de fato são positivos.

Na ocasião, a bancada da esquerda não ditava os rumos ideológicos e das ruas com tanta força, como hoje. Pode-se argumentar que os partidos hoje na oposição não têm a mesma infiltração de outrora, durante a abertura política e o início dos anos 2000, mas, neste entreperíodos, não aglutinava as massas em prol de suas agendas. Muito se temia a Lula, tanto o mercado quanto a sociedade civil, visto como “radical demais” em contextos onde ianques e soviéticos disputavam territórios. Hoje, depois de um governo proveitoso do plano que estipulou nossa atual moeda como a corrente, Lula aglutina seu eleitorado, baseado no discurso de distribuição de renda e justiça social, calcado nos programas ─ como o Bolsa Família, o Fome Zero, entre outros ─ que implementou.

Nas costas do petista, condenado a mais de 12 anos de prisão, deitaram-se os pequenos partidos avermelhados, que usam o impeachment de Dilma, alcunhado de golpe, como razão para vestir fardas opositoras e atacar quaisquer medidas propostas pelo atual governo, mesmo que importantes. É esperável que uma medida, como a reforma previdenciária, que atinge diretamente o trabalhador não tenha aprovação popular. De uma perspectiva coletivista, até, no plano ideal, se esperava da esquerda o sacrifício particular em prol do bem comum. Aliás, até Lula e Dilma, em seus governos, defenderam a importância da reforma.

Sem perspectivas eleitoreiras, Temer assumiu a carga. Os motivos, não se sabe. Por lobby empresarial, pressão do mercado, das bancadas que vislumbram seus próprios interesses ─ ou até um certo nacionalismo e egocentrismo, para que, quando as contas, de fato, fechassem, Temer pudesse bater no peito e dizer: “Fui eu” ─ Temer tentava, sem êxito, a aprovação da Reforma da Previdência, grande mote de seu governo. Frequentou programas de alta audiência entre as classes mais baixas e tentou sorrir os nosferásticos dentes ao brincar com Sílvio Santos e Ratinho. Temer, rezam os aliados, pensa em candidatar-se à reeleição, baseado no avanço econômico que conquista ─ e por isso provoca aliados como os pré-presidenciáveis Rodrigo Maia e o próprio Meirelles, do chamado, erroneamente, “centro”.

O que Michel Temer demorou a entender e Henrique Meirelles ainda não entendeu é que não adiantam aparições públicas, mangas levantadas ou nada que o valha. Números até significam algo perante à opinião pública, mas não sente-se no dia a dia o vasto numeral que economistas, acionistas, investidores e comentaristas cantarolam nas tevês e jornais. Meirelles perdeu a bandeira-Previdência; Temer, vendo que a reforma que torna o mais impopular presidente da história mais impopular não passaria, resolveu apelar para aquilo que dá votos: segurança pública, ao decretar a espalhafatosa intervenção federal no Rio de Janeiro, que constitucionalmente impede a tramitação de Propostas de Emenda à Constituição e, por consequência disso, a reforma da Previdência.

Em todos as oportunidades em que são ouvidos, os eleitores classificam melhoras nas áreas de saúde, educação e segurança pública como seus grandes anseios por parte dos políticos ─ básico, meio frívolo, mas aquilo que sente-se na pele no dia a dia. Não interessa à massa entender déficit previdenciário, inflação ou taxa de juros. Interessa saber se seu dinheiro vale mais ou menos, de forma simples e, isso, dá para classificar numa ida ao mercado ─ o que, durante o governo Temer, apesar dos bons números, não se vê. E Temer entendeu isso.

Como candidato, o presidente mune-se do discurso militaresco. Perto de 50% da população, número assustador, é favorável a uma intervenção militar no país. Bolsonaro, de acordo com a última pesquisa de opinião realizada pelo instituto Paraná Pesquisas em São Paulo. E ao nomear milicos para ministérios e aliar sua imagem, marcada pela promiscuidade com concessionárias em portos, açougueiros, figuras estranhas do Supremo Tribunal Federal e empreiteiros afogados, ao Exército, tenta subir nas pesquisas de opinião, defender seu legado de governo e, claro, fugir da primeira instância.

Meirelles, por sua vez, não tem poderio político algum ─ se Temer não o tem, imagine o ministro. Nem em seu partido é consenso.

“Um político pensa na próxima eleição; um estadista, na próxima geração”.

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