O Igor de Michel Temer

Temer conseguiu emplacar "aliados" nas instituições que o investigam

Viés
Viés
4 min readFeb 20, 2018

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Imagino Tocata e Fuga em Ré Menor, de Johann Sebastian Bach, entoada num órgão desafinado enquanto as portas do Jaburu se abrem. Gilmar Mendes ou Fernando Segovia fazem as vezes de Igor, o mordomo de Drácula na magistral obra escrita pelo inglês Bram Stoker. O vampirão desce vestindo túnicas negras de seda e sorriria dentes pontudos. Não veste mais a faixa presidencial, não se sabe por quê.

Michel Temer mostra-se um estadista à mesa de jantar ou discursos oficialescos. Esvoaça as mãos pequenas e as acaricia ao escolher cada palavra dita em tons sórdidos e roucos. Ouve-se, a cada fim de frase, um afinamento. Mesóclises, ele abandonou — sacou que Mina Harker jamais se atrairia pelo falar arcaico, assim como Marcela se atraiu quando, antes de mandar na Transilvânia tupiniquim, desfilava cordial, como presidente da Câmara, na pequena cidade de Paulínia, no interior de São Paulo, onde nasceu e viveu a atual primeira-dama.

Como escreveu o inglês e interpretou com maestria Gary Oldman no filme de 1992 de Francis Ford Coppola, enquanto ostenta delicadeza, a sombra de Drácula torna vitimas suas visitas. Bebe-lhes o sangue e tira-lhes a vida, com a cordialidade de um conde.

Encontra refúgio e articula-se nas escuridões que abrigam os palacetes de Niemeyer, tetos da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal.

Sobre Gilmar Mendes, já escrevi o suficiente. É sabida sua parcialidade e interpretação própria do Direito – é da mesma laia vampiresca do presidente, mostram os encontros entre os dois no escuro do Jaburu, frequentado por figuras assustadoras como Joesley Batista – e seu português. Fernando Segovia, por sua vez, também mostra que dorme de cabeça para baixo.

Em entrevista à agência de notícias Reuters, o diretor-geral da PF deu a entender que o inquérito que investiga Michel Temer por, supostamente, beneficiar a Rodrimar ao editar um decreto, em maio passado, que prorroga os contratos das empresas contratadas para a administração do setor portuário, será arquivado.

A substituição de Leandro Daiello do comando da PF em novembro passado já alertou os Van Helsins de plantão. Assumindo o comando da polícia no lugar do homem que acompanhou e participou do início da Operação Lava Jato, Segovia foi indicado pelo senador José Sarney – investigado na operação. Daiello estava há sete anos no comando da instituição.

Segovia começou a mostrar que seus caninos eram tão afiados quanto os do homem que manda na República ao mensurar quantas malas são suficientes para se constatar um crime do presidente. Rodrigo Rocha Loures, talvez, precisasse de mais de uma, recheada com 500 mil reais, para ser minimamente suspeito. Depois de arquivada a questão, graças às benesses concedidas por Temer aos companheiros congressistas, Luís Roberto Barroso autorizou que o presidente fosse investigado pelo decreto editado. Foi o estopim para que, fora da agenda, como gosta Temer, Segovia comparecesse ao Jaburu para bater papo.

Antecipando aquilo que os mais atentos esperavam, Segovia sugeriu que recomendará o arquivamento do inquérito contra o presidente.

Não bastasse a trupe da Esplanada dos Ministérios, Temer conseguiu movimentar as forças que investigam e julgam. No começo do ano passado, emplacou Alexandre de Moraes, seu ministro da Justiça, como ministro do STF; depois, deu de ombros à sucessão natural de seu algoz, Rodrigo Janot, no comando do Ministério Público Federal – Nicolao Dino foi o nome escolhido pelos procuradores em votação; ignorando a praxe de se nomear o mais votado, Temer escolheu alguém crítica ao então procurador-geral da República, Raquel Dodge –; e conseguiu colocar um aliado no comando da PF. Assim, blindou-se em todas as frentes, já que Gilmar Mendes continua mandando soltar (prender, jamais) na Corte maior do país.

A panela institucional, aliada às corruptas casas legislativas, garante a Temer a proteção que um presidente altamente suspeito precisa. E, com um time desses, como ousar colocar uma figura presidencial trajada de vampiro sobre um carro alegórico? As forças maiores, em vez de arrancar a faixa de um humorista que, de forma saudável, democrática e crítica, desafia e ridiculariza Michel Temer, deveria preocupar-se em tirar a faixa verde e amarela do sujeito que, de fato, faz mal ao país.

Em tempo: por mais que Jonathan Harker tente derrubar o presidente – mesmo que apoie seus empalamentos –, o sujeito continua lá.

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