O judiciário de Lula, da Brasil e do Brasil

Como agirá o STF nos casos que prometem chamar atenção à Corte?

Viés
Viés
4 min readFeb 2, 2018

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“Política é esperar o cavalo passar”, disse, certa vez, Getúlio Vargas. O líder histórico do PTB, famoso pela retórica, se mostrava sábio.

Os cavalos do PTB passaram. Em 2012, o presidente do partido de Getúlio, Roberto Jefferson, era condenado pelo Supremo Tribunal Federal a mais de sete anos de cadeia no caso do Mensalão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, depois de firmar acordo de delação premiada e alcaguetar o esquema que tinha o PT como cabeça.

Os cavalos mensaleiros passaram. Os tempos são outros, mas Jefferson continuou apitando na política brasileira.

Em novembro de 1942, Vargas apresentava ao Brasil o texto de Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que inseria mais direito aos trabalhadores de então. A CLT garante aos brasileiros pagamentos extras por horas trabalhadas fora do expediente; 13º salário; o pagamento de FGTS; entre outras benesses – tudo aquilo que a filha de Roberto Jefferson não pagou a dois motoristas que trabalhavam para ela.

Cristiane Brasil é, ao lado da trupe de maruns, geddéis, moreiras e afins, a cara do governo Temer. O presidente parece escolher a dedo os ministros que comporão sua equipe de notáveis. Entre pagamentos milionários de empreiteiras, gravações criminosas, apartamentos lotados de dinheiro, uma condenação trabalhista, de fato, nada tem de grave. Porém, como zelaria pela pasta do Trabalho se estas leis não cumpre?

Não é assim que funciona em Pindorama. As decisões que protelam a posse de Cristiane Brasil – acertadas, reitero – mostram que o Judiciário sofre de esquizofrenia moral.

“Tchau, querida”, encerrou a ligação o ex-presidente Lula. Dilma era a interlocutora que afirmava que o ‘Bessias’ levaria o termo de posse para que Lula assinasse em “caso de necessidade”. O ministro Gilmar Mendes, que só é implacável com inimigos políticos – sim, Gilmar é um político, do nível do Congresso –, proibiu a posse do petista que temia ser preso, logo depois de ser conduzido coercitivamente para prestar esclarecimentos à Polícia Federal.

Celso de Mello foi mais comprensivo do que Gilmar – e é difícil ser mais conivente com o fisiologismo e a corrupção do que Gilmar. Meses depois da decisão de Gilmar Mendes, o decano da Corte Suprema liberou Moreira Franco, atolado na Lava Jato, para ser ministro de Michel Temer e garantisse a prerrogativa de ser julgado pelos 12 sujeitos que não julgam ninguém. E Cristiane Brasil?

A paladina da moral, que fez um inflamado discurso usando a camisa da CBF na sessão que confirmou a aprovação, na Câmara, do processo de impeachment de Dilma, ainda terá seu recurso julgado pelos juristas da mais alta corte do país. Resta saber se serão coniventes com a politicada com a água no pescoço, como têm mostrado ser, ou adotarão algum tipo de valor idôneo e manter a filha de Roberto Jefferson fora da Esplanada.

Numa lancha, envolta de sarados sem camisa que falam sandices, a deputada defendeu-se, criticou a Justiça e fez birra de filha mimada para assumir a pasta do Trabalho. Dias depois, na abertura do ano para o STF, ao lado de Temer e seus asseclas que presidem as duas casas legislativas, Cármen Lúcia fez um discurso bonito em bom português – diferente do juridiquês adotado pelos prolixos juízes. Será só discurso?

A presidente deixou claro seu voto quando pintar por lá o recurso de Lula contra a condenação no processo do triplex. E, acertadamente, criticou o petista por achincalhar sobre carros de som decisões de tribunais e magistrados.

Logo depois de assumir, com as costas pesadas pela responsabilidade de agir com mais carinho ao Estado de Direito do que seu antecessor, Ricardo Lewandowski, foi protagonista na decisão de manter Renan Calheiros na presidência do Senado, mesmo sendo réu no tribunal que comanda. Foi a primeira patacoada de Cármen na chefia – foi dela o voto decisivo.

A procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, também fez um discurso lotado de ênfase contra a impunidade. Claramente contra a rediscussão sobre o início cumprimento das penas de condenados em tribunais colegiados, surpreendeu em outro episódio que afasta, cada vez mais, a suspeição de ter sido preferida ao sucessor natural de Rodrigo Janot quando Temer a nomeou chefe do Ministério Público Federal. Que continue assim.

Resta ficar atento aos casos de Lula e de Cristiane Brasil para ver se é só balela o que disseram a presidente e a procuradora ou se, por fim, as decisões serão calçadas na Constituição. Vamos ver como trotam os cavalos que passam levantando poeira.

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