Quando Calabar assume o volante

São justas as pautas reivindicadas pelos caminhoneiros, mas a quem interessam?

Viés
Viés
3 min readMay 27, 2018

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A nova política de preços do petróleo, desenhada por Pedro Parente e a equipe emaranhada no comando da Petrobras, calcada na cotação internacional do barril da commodity e do dólar, foi um fiasco para a empresa e para os consumidores. Visando aterrar os buracos cavados pela ninhada de roedores que assaltaram a estatal, basear os preços no mercado internacional, de um bem cuja reserva brasileira conta com mais de 12.800 bilhões de barris, é uma afronta à inteligência do povo. A reação contra a disparada do preço do combustível por conta das medidas adotadas por Parente e as chefias da estatal era uma questão de tempo – e, disso, governo e Petrobras estavam cientes.

Influenciado pela escalada galopante do dólar no último mês e pela valorização do preço do barril do petróleo, o preço da gasolina e do diesel – repassado aos postos – foi reajustado 11 vezes em 17 dias pela Petrobras. Isso aliado às cobranças de PIS/Cofins e da Cide, impostos que incidem sobre os combustíveis, que representam 16% do preço final dos combustíveis.

A reivindicação dos caminhoneiros protestantes tem prerrogativas dignas. Não precisa ser nenhum analista para constatar que a alta do preço dos combustíveis influencia no preço final dos bens produzidos nas fábricas e transportados pelas carretas. Mas até onde vai a benevolência dos heróis do povo brasileiro que ocupam estradas e provocam a pior crise de abastecimento dos últimos tempos?

São justas as reivindicações que, se atendidas prontamente pelo governo, influenciariam positivamente no preço que nós, consumidores, encontramos nos mercados e postos de gasolina. A trupe de notáveis ministros Carlos Marun, Raul Jungmann, Eliseu Padilha, Sérgio Etchegoyen e o general Silva e Luna, capitaneados por Michel Temer, mostra a fraqueza de um governo sem tato. Os protagonistas do descalabro governista chegaram a anunciar um acordo com os grevistas – sem que, ironicamente, exista uma liderança conhecida entre os caminhoneiros. Temer e sua trupe acharam que a discussão se dava nos moldes com os quais se dialoga com o Congresso Nacional. A greve não acabou e chega ao sétimo dia neste domingo. Depois, num discurso desalinhado aos fatos, Temer foi para o front contra os manifestantes. “Minoria radical”, presidente? Pegue o carro oficial e dê uma volta pelas estradas de Goiás – se o senhor tiver gasolina para isso.

Supostamente sem lideranças institucionais, o movimento dos caminhoneiros não arreda o pé mesmo depois de serem atendidas algumas demandas supostamente exigidas pelos motoristas. Os impactos econômicos do caos gerado pela paralisação são muito mais significativos do que os ganhos se o fraco governo abrir as pernas e entregar respostas às pautas dos caminhoneiros. Perda de produtos, escassez, mortos em hospitais. Os impactos, avaliam economistas, representariam redução até mesmo no PIB do ano que vem. E os interessados nos descaminhos do Brasil ainda não têm rosto. A mensagem foi passada e as demandas atingidas. Há uma linha tênue entre protestos e instituição do caos.

O governo trabalha com a hipótese de locaute e já estipula multas para empresários que, segundo o dançarino Marun, estão por trás da paralisação por interesses puramente de mercado – o que, pela legislação, é proibido. Instituições políticas, assim como nos movimentos de rua de 2013, encampam reivindicações dignas para crescer politicamente.

A mesma mão que empunha a faca afaga o rosto. Os impactos da paralisação, iniciada com prerrogativas sólidas, podem ser muito mais negativos do que positivos para o país, que já sofre. Resta a estrada longa que, bloqueada, nos afasta do progresso.

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