Por que precisamos falar de emoções no trabalho e o papel das lideranças
Com cada vez mais pessoas estressadas e em burnout, as empresas precisam aprender a lidar com isso no dia a dia
Texto original: Blog da Resultados Digitais
O coração bate mais rápido que o normal repentinamente, medo de não dar conta, o ar falta nos pulmões, o cansaço toma conta. Essas sensações são comuns a você ou alguém que você conhece?
Vivemos tempos de muitas mudanças, em que tudo acontece muito rápido e recebemos muitos estímulos de comunicação. O termo VUCA ficou mais comum nos últimos anos e tem sido utilizado para descrever o ambiente “incontrolável” que vivemos hoje: volátil (volatility), incerto (uncertainty), complexo (complexity) e ambíguo (ambiguity).
Governos e empresas estão aprendendo a lidar com esse ambiente e, da mesma forma, nós estamos sentindo os impactos de viver e trabalhar nesse contexto. A incerteza e a insegurança que pode surgir a partir dela torna cada vez mais comuns os casos de crise de ansiedade e burnout nas empresas.
No Brasil, 72% das pessoas sofrem com estresse no trabalho, entre as quais 32% estão em burnout, síndrome caracterizada por sensação de não dar conta de tarefas, indiferença ao trabalho e baixa satisfação profissional. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil tem o maior número de pessoas ansiosas do mundo: 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população).
Frente a esse contexto, precisamos aceitar que sim, essa é uma realidade do mundo atual e trazer essa pauta para nossas organizações. Por isso, esse assunto tem sido parte do nosso dia a dia na RD.
Em seu livro Agilidade Emocional, Susan David explica que dificuldades psicológicas como depressão e ansiedade estão associados à rigidez emocional, ou seja, ficarmos presos a pensamentos, sentimentos e comportamentos que não são úteis. E desde aí, inicia a responsabilidade do líder com a saúde emocional do seu time.
Precisamos falar mais de emoções, pensamentos, sentimentos e comportamentos, apoiando cada pessoa — inclusive os líderes — em sua jornada de desenvolvimento não só de performance, mas emocional.
Pesquisas científicas já evidenciam que “well being” é uma skill que podemos desenvolver ao longo da vida. Ou seja, assim como outras skills que aperfeiçoamos, podemos trabalhar ativamente em nosso bem estar. Como líderes, devemos apoiar nossos times nessa jornada.
O que venho trazer aqui não é um olhar de Psicologia mas, sim, de como os líderes podem cuidar de seus times para oferecê-los um ambiente mais saudável e caminhos para o desenvolvimento do seu bem estar emocional, com base na minha experiência na RD como líder, colega e liderada e em meus estudos sobre o assunto.
Cuide de si mesmo
“Porque vendo a você mesmo, você também será capaz de ver outras pessoas” — Susan David
Pouco podemos fazer pelos outros se nós mesmos não estamos bem. O primeiro passo, para o líder, é olhar para si mesmo e refletir sobre suas próprias emoções. Precisamos praticar o autoconhecimento, entender onde estão nossas dores e fortalezas. Para mim, o ponto chave nesse processo foi, principalmente, fazer terapia, mas também contei com ferramentas como Eneagrama e DISC, além de muitos feedbacks de pessoas próximas e importantes para mim.
Ao olhar para nós mesmos, nos deparamos com diversas emoções, nem sempre fáceis de lidar. Encará-las é fundamental para o desenvolvimento da agilidade emocional, um processo que envolve encarar as emoções e pensamentos incômodos de maneira relaxada, enfrentá-los com coragem e compaixão, e depois deixá-los para trás para dar espaço a que coisas importantes aconteçam na sua vida.
Essa consciência de si mesmo é fundamental para o líder saber avaliar, em situações com seu time, o que é seu e o que é do outro. Às vezes, podemos nos projetar e julgar situações com base nas nossas próprias emoções. Saber disso e discernir fatos e emoções envolvidas é fundamental para uma postura de liderança imparcial e coerente.
Ao nos conhecermos profundamente, podemos trabalhar em nosso desenvolvimento. Carol Dweck aborda a importância do mindset de crescimento, ou seja, a crença de que somos capazes de cultivar nossas qualidades pelos nossos próprios esforços. Pessoas que desenvolvem o mindset de crescimento também enfrentam dificuldades e fracassos, mas isso não as define. Elas vêm as dificuldades emocionais, por exemplo, como um problema a ser enfrentado e tratado, mas possível de ser superado.
Por exemplo, uma pessoa com mindset de crescimento, que esteja passando por um quadro de ansiedade, entende que pode superar esse momento se quiser e buscar apoio, não necessariamente será assim sempre. Já uma pessoa no mesmo quadro, mas com mindset fixo, se autodenomina ansiosa e leva esse “selo” por toda a sua vida. O mindset de crescimento é fundamental para a busca pelo desenvolvimento.
Outra ferramenta que pode nos apoiar nesse processo de bem estar emocional é a meditação. Daniel Goleman, um dos pais da Inteligência Emocional, apresenta os benefícios comprovados cientificamente da meditação: desenvolvimento da resiliência, foco e conexão. É uma prática que ajuda no autoconhecimento e na gestão das emoções.
Crie relações de confiança
“Only when you actually care about the role person with your whole self can you build a relationship” — Kim Scott
Acredito que dificuldades de comunicação são a principal fonte de problemas de relacionamento e desalinhamentos. Como líderes, devemos buscar desenvolvimento nessa área e a criação de uma relação de confiança com cada pessoa do time. Precisamos ir além do “apenas profissional”, precisamos ser inteiros e nos preocupar com as pessoas como seres humanos. Um passo importante para isso é desenvolver nossa vulnerabilidade, nos mostrarmos por completo e incentivarmos o time para que faça o mesmo. Essa é a única forma de criar conexões genuínas.
Aqui na RD, temos a prática de 1–1s, que são reuniões individuais entre líder e liderado, de forma periódica. Esse é um momento muito rico para compartilhar sentimentos e apoiar no desenvolvimento. Quando se trata de emoções, é importante que o líder acolha o que o liderado traz e que oriente da forma adequada. Alguns pontos serão voltados a desenvolvimento e, para isso, o framework Radical Candor, da Kim Scott, é muito interessante. Feedbacks amorosos e, ao mesmo tempo, desafiadores são fundamentais.
Quando surgem situações emocionais mais delicadas, é importante saber como direcionar. Na RD, podemos direcionar os casos para uma psicóloga, que fica à disposição na empresa, para conversas de acolhimento. De acordo com a situação de cada pessoa, ela orienta para vários caminhos, desde treinamentos de gestão de tempo, técnicas de priorização, empoderamento para conversas corajosas (inclusive com as lideranças), planejamento e também, quando necessário, encaminhamento para psicoterapia. Também passamos a oferecer psicoterapia como benefício.
Porém, ao fazer tudo isso, não esqueça que muito dependerá de cada pessoa. Como líder, você pode criar espaços positivos emocionalmente, mas o desenvolvimento de well being depende de cada indivíduo. Tenha tranquilidade de saber que você está fazendo sua parte nesse processo.
Alinhe expectativas
“A boss’s Radically Candid guidance helps the people working for them do the best work of their lives.” — Kim Scoot
As pessoas tendem a sofrer em ambientes de incerteza, ao não saberem o que esperar de seus líderes ou qual caminho devem seguir. Por isso, é importante alinhar com o time: expectativas, modelo de acompanhamento, valores e comportamentos esperados.
Procuro fazer essas conversas com pessoas novas no time e sempre que passamos por mudanças significativas.
É importante também alinhar expectativas voltadas ao bem estar e abertura para tratar de emoções. Em nosso time, já tivemos momentos difíceis de sobrecarga de trabalho. Nessas horas, procuramos deixar claro, para o time, a importância de dar limite às horas de trabalho por dia, de que finais de semana são para descanso e, que se não estamos conseguindo fazer nossas entregas em horários normais de trabalho precisamos rever nossa operação.
Também reforçamos a abertura para a transparência, para que o time possa trazer sentimentos e pedidos de ajuda para a liderança, que temos um ambiente seguro para isso. Mas cuidado!
Todas essa crenças e alinhamentos devem ser genuínas e não apenas um discurso bonito. Além de comunicar, a liderança deve dar exemplo, agir e cobrar com base nesse alinhamento. O pior que pode acontecer, para uma relação de confiança, é falar uma coisa e agir diferente.
Outra prática que implantamos na RD e que propicia alinhamento é o modelo de gestão de performance. Todos na empresa tem objetivos de entrega e de desenvolvimento bem definidos e alinhados com sua liderança.
Conte com o time
“As the people who report to you become more Radically Candid with each other, you spend less time mediating. When Radical Candor is encouraged and supported by the boss, communication flows, resentments that have festered come to the surface and get resolved, and people begin to love not just the work but whom they work with and where they work.” — Kim Scott
Um time bem alinhado e unido é uma força poderosa. Ao termos claro o que acreditamos e buscamos como grupo, todos se tornam responsáveis por manter esses valores e praticá-los no dia a dia. Quando alguém sai desse rumo, o próprio time tem a iniciativa de dar o feedback e ajudar essa pessoa.
Para isso, é importante ter claros os valores do time, o que é valorizado em termos de comportamento. Uma ferramenta útil para esse alinhamento e criação da identidade do time é o team canvas.
No time de Talent Management, fortalecemos, nos últimos meses, o cuidado com o bem estar físico e emocional. Recentemente, fizemos um team building focado em meditação e técnicas de respiração. Nosso diretor, Anderson Nielson, semanalmente compartilha materiais sobre meditação e bem estar emocional, reforçando o pilar do “well being”.
Em nosso time de Talent Acquisition, temos alguns pilares que nos orientam. Um deles é a frase “We care for each other and we have fun”, que mostra uma característica marcante nossa: que cuidarmos uns dos outros e nos divertimos é tão importante quanto qualquer outro objetivo que perseguimos.
Ainda existe um tabu nas empresas de que mostramos nosso lado profissional sem envolver o lado pessoal, de que se mostrar vulnerável e falar de emoções é mostrar fraqueza. Mas acredito no contrário. Somos pessoas completas em todos os ambientes em que estamos, inclusive no trabalho, e que não há maior coragem do que encarar seus sentimentos e pedir ajuda para se desenvolver.
Nós, líderes, temos um papel muito importante nessa mudança de paradigma. Temos grande responsabilidade no desenvolvimento dos nossos times e impactamos muitas vidas com nossas decisões e ações.
Por isso, está em nossas mãos apresentarmos ferramentas, oferecermos suporte e sermos exemplares para propiciar ambientes mais saudáveis emocionalmente. Pessoas inteligentes, talentosas e emocionalmente saudáveis têm o potencial de fazer grandes mudanças e gerar muito impacto onde estiverem atuando.