O desafio por oportunidades no mercado de trabalho

maicon parizotto
Vidas negras no RS
Published in
10 min readJul 16, 2020

Disparidade salarial, menos oportunidades, inserção precária e desemprego são apenas algumas das dificuldades que os negros enfrentam no mercado de trabalho.

Produção: Maicon Parizotto

O Brasil possui uma população estimada em 209,2 milhões de habitantes. Segundo o novo estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), realizado em 2018, mais da metade da população é composta por negros (55,8%). Números da pesquisa apontam que 19,2 milhões se assumem como pretos, enquanto 89,7 milhões se declaram como pardos. A população branca responde por 43,1% do total.

A superioridade nos números mascara a desigualdade social, que é mais sutil do que atitudes racistas. Os negros estão mais escolarizados, em comparação há alguns anos, mas a desigualdade em relação aos brancos permanece, principalmente no mercado de trabalho. Além da taxa de desemprego ser muito maior entre negros do que entre brancos, a diferença de rendimento é ainda mais gritante. Em 2018, os negros representavam 54,9% da força de trabalho no país (57,7 milhões de pessoas) e os brancos, 43,9% (46,1 milhões). Porém, a proporção de negros entre as pessoas desocupadas e subutilizadas era de 64,2%.

  • Desocupados - Que são os desempregados; pelos critérios do IBGE.
  • Subutilizados - que são os que trabalham menos que 40 horas semanais; pelos critérios do IBGE.

Nadir Jesus, chefe do departamento de igualdade racial da Secretaria de Direitos Humanos de São Leopoldo , diz que a discrepância dos números é consequência dos mais de 300 anos de escravidão.

“A maneira que se deu a abolição, sem assistência nenhuma, gerou essas faltas de oportunidades. Faz com que até hoje o povo negro lute pela sobrevivência, deixando (sem querer) a questão da escolaridade em segundo plano, sendo assim, não se qualificando para vagas de trabalho.”

Segundo Carlos Alexandre Pereira, coordenador do Núcleo de Educação das Relações Étnico-raciais da SMED, para discutir o cenário do mercado de trabalho é necessário considerar o racismo institucional e, ainda mais, o racismo estrutural, pois toda a diferença de negros e brancos está pautada no racismo.

“Em muitas empresas a declaração de que um dos critérios para a seleção é boa aparência já deixa marcas do racismo que assola nossa sociedade, uma vez que o padrão de beleza no Brasil é branco. Os dados levantados pelo IBGE, em relação ao número de desocupados negros, em comparação com os de não negros não são números isolados. Basta olhar para o número de jovens assassinados no Brasil (a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado), para entendermos que o racismo estrutura nossa sociedade.”

Os números do IBGE mostram que o rendimento médio mensal das pessoas brancas foi 73,9% superior ao da população negra. Os brancos com nível superior completo ganhavam por hora 45% a mais do que os pretos com o mesmo nível de instrução.

Na região sul do país, a desigualdade permanece para homens e, principalmente, para as mulheres.

  • Homens brancos R$ 17,23 Mulheres não negras: R$ 15,26
  • Homens negros: R$ 11,50 Mulheres negras: R$ 10,30

Camila Botelho, pesquisadora e doutoranda em Ciências Sociais da Unisinos, diz que a situação é explicada não só pelo racismo, mas pelo machismo e por uma conjuntura de diversos outros fatores aos quais algumas teóricas têm chamado de interseccionalidade.

A interseccionalidade de raça, classe, gênero e outros elementos explicam a exclusão social na qual homens e, principalmente, mulheres negras são colocadas.

Para Carlos, normalmente as oportunidades de trabalho para pessoas negras estão mais presentes naqueles considerados como subempregos. Ele entende que na sociedade o problema não é ser negro, ou mulher. O problema é quando um negro, ou uma mulher, ou – ainda – uma mulher negra, não quer “se colocar no seu lugar”: “Isso aplica-se a negras e negros ocupando cargos de destaque, sendo chefes e liderando pessoas brancas. Isso causa desconforto, incomoda, constrange numa sociedade que tem como premissa que os lugares de poder devem ser ocupados por homens, brancos, heterossexuais”.

Uma pesquisa do Instituto Ethos, realizada em 2017, com as 500 empresas de maior faturamento do Brasil mostra que a presença de negros entre os grupos de aprendizes, estagiários e trainees nas empresas é expressiva, de 57% a 58%, porém, sua participação cai, drasticamente, nos níveis seguintes. Índice que chega a 4,7% no quadro executivo.

Dados do IBGE publicados em 2018 reafirmam a superioridade dos brancos ocupando cargos gerenciais, porém nos estados do Norte e Nordeste o número de negros ocupando cargos de gerência supera o de brancos. Entretanto, levando em consideração a população negra que vive nas regiões, o índice apresentado na pesquisa é baixo.

Carlos Alexandre aponta dois aspectos decisivos para essa disparidade: o racismo institucional e estrutural e a falta de acesso a boas instituições de ensino para a população negra.

Para Nadir Jesus, o fato dos negros não terem o devido reconhecimento e respeito, além da falta de oportunidade e equidade, faz com que os empresários muitas vezes se negam a negociar com negros: “Vivemos num país racista, num estado racista. Raro ver um negro empresário. Essa posição como mostra a pesquisa é privilégio dos brancos. Portanto, um povo que não tem reconhecimento, dificilmente terá oportunidade de estar a frente, em tomar decisões, em chefiar uma equipe”, lamenta.

Segundo Camila, o racismo estrutural explica essa diferença em posições gerenciais: “O que acontece é que se trata de um controle de poder na mão de indivíduos brancos, um resquício do processo colonial no qual nosso país atribuiu aos negros e indígenas um local de subalternidade”, explica. Ela afirma que essa questão está enraizada nas organizações, e que tem sido uma luta provar não só a humanidade, mas a capacidade intelectual da comunidade negra.

Jeferson Luis da Silva, Líder Brasileiro do programa UL Inclusion Ambassadors, explica que a qualificação não vem acontecendo e a evasão escolar é muito grande: “A educação da população periférica é uma educação de exclusão. Por culpa de um sistema social que acaba excluindo essas pessoas ao longo do processo, fazendo com que elas não enxerguem a necessidade de se qualificar”.

Desigualdade presente no RS

Segundo a última Pesquisa de Emprego e Desemprego na Região Metropolitana de Porto Alegre, realizada pela extinta Fundação de Economia e Estatística (FEE), em parceria com o Dieese e a Fundação Gaúcha do trabalho e ação social (FGTAS) e, em 2017, analisou a inserção e indicadores da população negra de mercado de trabalho. O desemprego aumentou, entre 2015 e 2016, de 12,6% para 16,1% para os negros e de 8,1% para 9,9% para os brancos.

Assim como no resto do país, se constatou a necessidade de ampliação das políticas públicas capazes de reduzir as desigualdades. Os dados revelam que a taxa de desemprego é maior entre os negros do que entre os brancos.

Além de maior vulnerabilidade social, desemprego e diferença salarial, a população negra tem uma inserção mais precária no mercado de trabalho. Os homens negros estavam muito mais presentes na construção, como trabalhador braçal, enquanto os homens não negros ocupavam postos de melhor qualidade.

De acordo com o IBGE, em 2018, a taxa de desemprego na região metropolitana de Porto Alegre entre os negros foi de 12,4% e de 7,3% para os brancos.

Diversidade e inclusão

Empresas e corporações adotam de forma particular suas políticas integradas de combate a desigualdade, inserção de negros em seu quadro funcional, código de ética e conduta. A reportagem conversou com Silvia Regina, supervisora de recursos humanos da Gerdau, em Sapucaia do Sul, que explicou a criação dos grupos de diversidade e inclusão, elaborado pela empresa para a inclusão de público interno dos seguintes grupos: Gênero, PcD, Raça e Etnia e LGBTI+.

“É de conhecimento que há poucos colaboradores negros na empresa, porém a equipe de RH está buscando cada vez mais a inserção desse público”. Regina afirma que a Usina Riograndense está comprometida em garantir maior equilíbrio entre brancos e negros, em relação ao total dos colaboradores, aumentar o número absoluto e o percentual de negros em posições de liderança e ter mais representatividade negra em toda a hierarquia.

A supervisora aponta que há um trabalho de sensibilização com a liderança, para desenvolver estratégias de diversidade e inclusão. “Nós responsáveis pelo recrutamento, questionamos o baixo número e também a falta de negros nos processos seletivos”, completa. Regina finaliza citando que um dos projetos futuros são processos de seleção compostos apenas por negros.

Segundo Daniella, recrutadora da ABRH estágios, há um número baixo número de jovens negros que chegam aos processos de seleção. “Em conversas de consultoria com líderes das empresas, as organizações estão buscando a inserção dos negros no quadro funcional, porém estão buscando entender o porque esse público não está chegando nem na fase de seletivos.

“Temos que colocar pessoas negras dentro das bases de trabalho para falar nesses ambientes”.

Jeferson Luis da Silva, 28 anos, começou sua caminhada no mercado de trabalho aos 14 anos como entregador de panfletos. Aos 18 se formou em eletrônica no Senai e aos 26 em Letras- Português/Inglês. Hoje é Técnico de Desempenho de Materiais e Líder Brasileiro do programa UL Inclusion Ambassadors.

Em 2019, o programa UL Inclusion Ambassadors, foi criado pela empresa Underwriters Laboratory (UL) e consolidado no Brasil. O projeto estuda o prognóstico do trabalho no qual, questões importantes na demanda racial estão inclusas. Foi criado um comitê de diversidade e inclusão, que compreende três grupos: Mulheres, negros e LGBTI+. “O projeto acaba existindo para fomentar e reconhecer vozes dentro do ambiente de trabalho. Não adianta criar um conselho de diversidade e inclusão se não se colocar pessoas negras, gays, dentro das bases de trabalho para falar dentro desse espaço, assim promover a diversidade e inclusão dentro do ambiente de trabalho”, explica.

Líder Brasileiro do programa UL Inclusion Ambassadors, Jeferson diz que ao longo dos dez anos que passaram, a sede da empresa em Porto Alegre cresceu e hoje forma um total de 45 colaboradores, porém o número de negros é de cinco pessoas, ou seja, menos de 10%.

Pensando na temática de “Onde estão os jovens negros para as contratações?” Jeferson está desenvolvendo o projeto UL Black Futures Matter, que tem como objetivo a manutenção de jovens negros no ensino técnico:

“Mapear, quantificar os jovens, entender o processo, pensar formas de ajudar as pessoas negras que estão cursando o ensino técnico, para então dar a possibilidade de futuro e para aí sim oportunizar subsídios para a população negra fazer a manutenção dos cursos. Porque não é só estudar. Tem a mensalidade, transporte, alimentação, material de estudo, fatores excludentes”.

“Perguntei se tinha vaga e entreguei meu currículo”

Carlos Eduardo, 36 anos, colaborador de umas das maiores empresas brasileiras no ramo da Siderurgia, a qual preferiu não citar o nome, é um exemplo dessa realidade. Operador de máquina na instituição há sete anos, conta que conseguiu a vaga por indicação:

“Trabalhava prestando serviço terceirizado para a empresa. Até que um dia, conversei com o facilitador da área, perguntei se tinha vaga, mas que eu não possuía nenhuma especialização ou curso técnico. Algo que é pré-requisito na seleção de recrutamento da organização. Ele disse que gostou do meu trabalho e que poderia lhe entregar um currículo. Foi o que fiz. Me ligaram, realizei uma entrevista, fiz os exames e fui contratado. Se não fosse aquela iniciativa de chegar e conversar com ele, com certeza, eu não estaria aqui hoje.”

Carlos aponta a falta de instrução e escolarização para negros como um impedimento para chegar a cargos do alto escalão. “Eu, por exemplo, não tenho curso técnico. Não tenho porquê? Porque tive que começar a trabalhar muito cedo para ajudar em casa. Entre trabalhar ou fazer um curso técnico, temos que fazer aquilo que é mais urgente no momento. Ou seja, ajudar na remuneração em casa” completa.

O colaborador questiona dados que afirmam que o número de negros em programas de jovens aprendizes e cursos técnicos é elevado.

“Na prática não tem negros. Durante o processo de formação, muitos precisam fazer uma escolha: trabalhar ou estudar. O número de evasão escolar é muito alto. Meu enteado está fazendo curso no SENAI, mas a quantidade de negros é pouquíssima na sala de aula. Se tem é um ou dois é muito”.

Carlos afirma que os brancos sempre vão ter mais oportunidades nas empresas, tanto para ingressar como progredir internamente, porque o nível de instrução é adquirido desde cedo. Como o negro não teve essa oportunidade de escolarização, não vai atender aos pré-requisitos da vaga.

Para ele, o negro pode trabalhar com mais desempenho do que a pessoa branca, mas sem instrução e certificação não vai longe. “Isso, somado ao racismo institucional que faz com que gestores optem por uma pessoa branca quando se deparam com dois candidatos com currículos similares. O racismo estrutural da nossa sociedade patriarcal, pré-estabelecido no julgamento que acontece desde a infância”, lamenta.

DENUNCIE

O racismo é um crime previsto na legislação pela lei 7.716/89. Atitudes e comportamentos racistas, não devem ser tolerados e têm que ser confrontados com firmeza. Qualquer forma de preconceito racial, seja pela cor da pele ou hábitos culturais, deve ser enquadrado como discriminação e, logo, racismo. São posturas que frequentemente tem por objetivo diminuir, ofender, excluir e privar pessoas negras e afrodescendentes.

Disque 100

O Disque 100 é serviço do Governo Federal para receber denúncias de violações de direitos humanos.

Delegacias

A denúncia contra crime de racismo pode ser feita em delegacias comuns e naquelas especializadas em crimes raciais e delitos de intolerância.

--

--