Atlas da violência registra o aumento de homicídios de jovens negros

Paula Barreto
Vidas negras no RS
Published in
5 min readJul 17, 2020

No Rio Grande do Sul, o crescimento foi de quase o dobro, se comparado aos casos de pessoas brancas.

Manifestantes segurando cartazes em protesto no parque da redenção. Fonte/Brasil de Fato/ Foto/ Marcus Perez, Cut-RS.

A violência é um fator que cresce na sociedade, e principalmente contra jovens negros. Os números, segundo o Atlas da Violência, é de que 75% das mortes por homicídio no país são de pessoas negras e os altos índices estão relacionados a cor, idade e escolaridade. No Brasil, o IBGE define negros como aqueles que se classificam em pretos e pardos que é de 56,10% do total de 209,2 milhões de habitantes e não negros são os brancos, amarelos e indígenas. Em alguns estados o aumento crescente de homicídios de jovens negros chega a ser discrepante.

Nos últimos dez anos, subiu o número de casos de negros assassinados no Rio Grande do Sul, o último atlas da violência mostra um estudo realizado de 2007 onde foram contabilizadas 440 mortes contra 833 casos em 2017 crescimento de 89,3% quase o dobro se comparados a soma dos casos de brancos, indígenas e amarelos no mesmo período que foi de 41,2%.

Figura 1 mapa do número de mortes de homens negros por região. Fonte/IPEA- Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada.
Figura 2 mapa do número de mortes de homens não negros por região. Fonte/IPEA- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

O estado do Rio Grande do Sul assume a liderança nos casos de injúria racial do país, que teve um aumento de 7,3% nas denúncias em 2018, se comparado ao ano de 2017. Segundo o anuário de segurança pública, esses dados são alarmantes, mas também demonstram que as vítimas estão denunciando as agressões que possibilitam a punição dos autores e motivam outras pessoas a fazer o mesmo.

Vladimir da Silva Teixeira, homem negro,36 anos, metalúrgico, ao relembrar às vezes que foi abordado pela polícia, conta que uma delas foi às 7h da manhã, estava indo trabalhar, quando policiais em uma viatura o mandaram parar e descer do carro.

“Eu desci e já mandaram eu ir para o paredão, perguntando o que eu estava fazendo na rua àquela hora, foram revistando todo o carro, aí pegaram a minha mochila. Eu disse que estava indo trabalhar, arrebentaram o fecho da mochila e viram meu uniforme, foi aí que mandaram eu entrar no carro e ir embora. Disseram que aquilo tinha sido um procedimento padrão”.

O outro episódio ocorreu quando Vladimir esperava o ônibus em frente à empresa em que trabalha:

“ Fui abordado, mas estava de crachá com meu nome identificado como funcionário. Puxaram no rádio, e eu ouvindo eles falarem que não deu nada, mas que iam me levar mesmo assim para delegacia que ‘a minha história estava mal contada’ eu insisti em não ir, então um deles disse ‘dessa vez tu vais passar’”, lamenta Vladimir.

A Luta para ser entendido

Foto: arquivo pessoal Nina Fola.

No mundo todo, vemos as manifestações antirracistas e movimentos negros lutando para que essa situação mude. Para a socióloga negra, mestra e doutoranda em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, membra colaboradora do (GeAfro) Grupro de Estudos Afro e do (LUTA) — Laboratório Urgente de Teorias Armadas, ambos do NEABI-UFRGS, Nina Fola, diz que há muito ainda a ser feito.

“Nossa luta, a antirracista, surge quando o primeiro navio negreiro despeja corpos no Brasil e desde lá estamos fazendo o esforço cotidiano de entender o que as pessoas pensam e querem de nós, o que devemos ser, dizer e fazer, para sermos entendidos e denunciamos, mesmo que isso custe nossas vidas, como foi o caso de Marielle, vereadora e ativista assassinada no Rio de Janeiro, que denunciava todas as violências que sofremos. Nestes séculos, desenvolvemos altas capacidades, boas e ruins, para sobreviver a este inferno”.

Aspectos da violência

Sobre a diferença nos índices de mortalidade por homicídios de negros x brancos, Nina diz que em todo o Brasil há esta discrepância de números. Mas podemos considerar diferente essa questão, pois há no Brasil estados com populações negras em proporções diferenciadas, o que não muda muita coisa quando relacionamos os dados com recorte racial nestes aspectos.

Infográfico consciência negra. Fonte/IPEA- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

“No Rio Grande do Sul, somos menos de 50%, mas nos dados por homicídio, população carcerária entre outros, não somos percentualmente referentes ao número da população, somos maioria, e isso indica aspectos de racismo”.

Outra questão sobre os dados do Atlas é saber se essa mortalidade está ligada, e de que forma, à segurança pública e de Estado.

“A violência se confunde com o racismo. Ela foi instaurada quando o colonizador resolve gerar recursos para a colônia. E hoje ainda se entende que a violência das periferias abusadas pelo Estado é que imprimem mais violências na sociedade. Ledo engano”, explica a socióloga.

“Mas há sim o dado que a cada 23 minutos um jovem negro morre no país e, seguramente, mesmo não sendo pela arma de um representante do estado, que é um policial, essa morte é creditada ao racismo institucional, que não cumpre com os deveres de garantir direitos básicos para os cidadãos e cidadãs”, ressalta.

Painel pensado e elaborado sobre quem mais morre no Brasil. Fonte/FBSP — Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

As políticas sociais podem ser utilizadas para a sociedade compreender a relevância dos movimentos negros e praticar uma mudança.

“Sim, existem várias. E de altíssima qualidade: Estatuto da Igualdade Racial, Políticas de Ações Afirmativas nas Universidades e Serviços Públicos, Lei 10639 sobre o ensino da história negra no Brasil, Plano das comunidades Tradicionais Negras, Política Nacional de Saúde Integral da População negra, Além das leis que criminalizam o racismo” afirma Nina, reforçando a necessidade de vigilância para a aplicação adequada dessas leis.

Sobre a proporção dos protestos realizados após a divulgação das imagens em que George Floyd, homem negro é rendido e sufocado no chão com joelho em seu pescoço até a morte por um policial branco nos Estados Unidos, Nina lamenta que no Brasil situações semelhantes não tomam a mesma proporção:

” Dói sim sermos lembrados nestes atos, que acontecem diariamente. Dói mais ainda quando percebemos que o negro norte-americano vale mais do que nós brasileiros, gaúchos principalmente…o complexo de vira-lata de Nelson Rodrigues, do brasileiro é realmente indigesto,” finaliza Nina Fola.

--

--