Iguais na lei? A diferença de tratamento na Justiça

Patrick Bragé
Vidas negras no RS
4 min readJul 18, 2020

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A discrepância dos casos judiciais também são visíveis em estatísticas

A justiça brasileira é um sistema de poder segregado, com ideologia formada e, em grande parte dos casos, racista. A população carcerária brasileira, em dados divulgados pelo DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), mostra que 64% de pessoas privadas de liberdade são negras.

Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias — Infopen

No Rio Grande do Sul, os 5.2% da população negra abrangem 30% dos encarcerados.

Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias — Infopen

As dimensões da seletividade penal do sistema penitenciário do Brasil são intrínsecas a quem a aplica, pressupondo estereótipos. Para Ana Luiza Flauzina, em uma análise feita em sua defesa de dissertação para o Mestrado em Direito, a ostensiva na vigilância, as prisões desproporcionais e as mortes brutais e injustificáveis são os acessos mais visíveis em relação ao que ela chama de genocídio da população negra. O estigma criado em indivíduos negros por meio de códigos sociais, acaba construindo um padrão harmônico nas condenações.

Um levantamento noticiado pela Agência Pública mostra que em 2017, no Estado de São Paulo, negros foram processados por tráfico com menos quantidade de drogas. Em casos de apreensão de somente um tipo de droga, negros foram condenados carregando, em média, até oito vezes menos do que brancos. Sendo 71% dos negros condenados portando 145,2g de maconha, enquanto 64,36% de brancos condenados com, em média, 1.15kg.

Ilustração: Agência Pública. Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

Em análise feita em processo que apreenderam até 10 gramas de drogas, seja ela cocaína, maconha ou crack, em quase 84% das ocorrências as únicas testemunhas eram policiais envolvidos no fato, e desses 84% foram condenados 59%. Por fim, no município de São Paulo, foram julgados por tráfico 63,6% de negros, sendo a população local constituída por 37% de negros. Segundo o Instituo Brasileiro de Ciências Criminais, por meio de Cristiano Avila Maronna, enquanto juízes não se compreenderem como aquele que garante a justiça, nada adiantará a tentativa de combater a gestão penal da miséria.

Para a Doutora Adriana Melonio, Coordenadora-Executiva do ENAJUN (Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros), a pandemia do novo coronavírus, evidenciou o racismo estrutural da sociedade, pois a população preta e parda capitaneia o maior número de mortos, constatando também o maior número de desempregados. Negar a existência do racismo, tratando como algo comportamental individual é impedir a consciência, perpetuando os privilégios aos brancos, provocando a repressão a população. Em relatório do perfil dos magistrados realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, apenas 2% dos magistrados se consideram pretos, um número aquém em comparação a nossa sociedade, visto que segundo IBGE de 2018, dos 203 milhões de brasileiros 19 milhões se consideram pretos.

Quando o Doutor em Direito pela Universidade de Harvard, Adilson José Moreira, cita o “humanismo racial brasileiro”, entende-se que nada mais é do que uma narrativa cultural utilizada pela elite branca que busca impedir a mobilização política em torno da raça, sendo assim algo problemático pois impede a percepção dimensional e estrutural do racismo. Adilson que cunhou essa frase buscando afirmar que esse humanismo é uma forma de tentar evidenciar a superioridade moral em relação aos outros, visto que parte do princípio que o Brasil conseguiu construir uma esfera pública baseada na cordialidade, por meio de um processo miscigenação racial, onde outrora teria sido responsável pela criação de uma cultura pública de comprometimento com a igualdade racial.

O sistema penal brasileiro tem o racismo fundamentado desde sua criação, há de se buscar a legitimidade, tirando a valorização do estado de vulnerabilidade que a população se encontra, com posicionamentos que rompam o silêncio imposto pela democracia racial. Como diz o filósofo e Mestre em Educação, Peterson Costa, quem aplica a lei é um sujeito, e como qualquer sujeito, ele carrega em si elementos da sua formação, devemos sempre desconstruir ideia impostas, fazendo reflexões mais profundas.

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