Movimentos sociais buscam inserção na política do RS

Cerca de 20,5% dos gaúchos são negros, mas a falta de representatividade no poder público acaba não dando voz para as necessidades dessa população.

Henrique Knebel
Vidas negras no RS
5 min readJul 16, 2020

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Henrique Knebel, Raiane Araújo.

Palácio Farroupilha, casa da Assembleia Legislativa do RS (Leandro Osório/Especial Palácio Piratini).

A falta de representatividade negra na política é pauta dos movimentos sociais há muito tempo. Casos de racismo como o do norte-americano George Floyd, do menino Miguel, e de tantos outros, reforçam a importância da representatividade negra no poder. Para isso, cada vez mais movimentos sociais e partidos políticos buscam a inserção das pessoas negras na política. Entretanto, ao analisar os cargos políticos das Casas Legislativas, nos deparamos com um espaço ocupado majoritariamente por homens, brancos, mais velhos, de famílias tradicionais e com a carreira política consolidada. Atualmente, mesmo representando 20,5% da população do estado, não há nenhum deputado negro na Assembleia Legislativa.

Em muitas cidades, há pouco ou nenhuma representatividade, então, pautas importantes acabam não ganhando o destaque necessário. Das 34 cidades que compõem a região metropolitana de Porto Alegre, dos 448 vereadores, apenas nove são negros, o que corresponde a um pouco mais de 2%. Para prefeitos, dos 34 cargos, apenas uma cidade é comandada por uma mulher negra atualmente.

Vereadora Karen Santos (Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA).

Para a única vereadora negra da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, Karen Santos (PSOL), esses números são a expressão da sociedade. “Todas as estatísticas mostram que a comunidade negra é a que se encontra mais desempregada, que tem os rendimentos menores, que passam por mais situações de violências durante a vida […]. Então, tem condições concretas que faz com que as pessoas negras encontrem mais dificuldade de ascender socialmente e economicamente, e no formato que a democracia representativa brasileira tem, faz com que todas essas condições objetivas sirvam de barreiras para essas pessoas negras também se inserirem dentro dos espaços políticos”.

Márcio Chagas, ex — árbitro de futebol, trocou o apito pela política. Após caso de racismo em uma partida do Campeonato Gaúcho de 2014, deixou os gramados e migrou para televisão afim de trabalhar como comentarista de arbitragem. Hoje, é candidato a vice-prefeito de Porto Alegre, na chapa de Fernanda Melchionna, do PSOL. Márcio enfatiza que, embora seja candidato pela primeira vez, sempre foi um homem político.

“Eu, por ser negro, faço política desde que nasci. Eu fui educado, criado pelos meus pais sem romantização dessa máscara de democracia racial”

A aparente desigualdade social apresentada na sociedade brasileira é um fator decisivo nesse cenário político. O histórico de preconceito, racismo e discriminação em volta dos negros, contribui para que as oportunidades de inserção em várias áreas sejam baixas, como na política. Sendo o primeiro lugar que estimula o convívio social, a escola deveria ser um ambiente universal, independente de raça, crença ou afins.

Márcio Chagas da Silva (Reprodução/Facebook)

“Os desafios no período estudantil, dentro da escola pública, não foram gritantes como aconteceu na escola particular. Na escola particular, por ser um dos poucos negros da escola, assim como meus irmãos e alguns outros poucos que tinham na escola, frequentemente as manifestações racistas, piadas, brincadeiras depreciativas eram constantes”.

Márcio é um exemplo do que acaba ocorrendo com crianças e adolescentes negros que conseguem ter acesso a uma educação de qualidade, onde o preconceito é diário. Esse cenário pode desestimular o jovem na educação, dificultando sua entrada no ensino superior. A falta de uma graduação, por exemplo, gera menos oportunidades de emprego, que por fim, afeta diretamente na renda.

O pré-candidato ainda argumenta que para que esse cenário de pouca representatividade mude, é preciso que políticas públicas voltadas para cotas dentro do cenário político sejam aderidas. O senador Paulo Paim, do PT, é autor do Estatuto da Igualdade Racial, instituído em 2010 com o objetivo de diminuir a desigualdade racial no Brasil. Dentro dessa lei, existia um artigo que contemplaria as cotas para negros em cargos políticos, mas segundo o senador, o trecho foi retirado devido à incerteza de aprovação se ele permanecesse.

Possíveis causas da pouca representatividade negra na política gaúcha

O investimento financeiro em campanhas é consideravelmente mais baixo para negros do que brancos. A renda pessoal do candidato, somada à falta de apoio dos partidos, resulta em campanhas sem êxito. Além disso, não há no Brasil nenhuma cota mínima obrigatória para que partidos políticos incentivem e candidatem políticos negros, diferente das cotas por gênero. Por fim, é preciso compreender que essa problemática não é exclusiva do mundo político, mas sim, uma consequência da sociedade que vivemos. Mesmo após anos da abolição da escravatura, há muito o que fazer para termos uma sociedade igualitária.

“Eu acho que o RS não foge muito do que acontece no país. Tem uma questão racial bem importante, sim, da discriminação em virtude dessa colonização europeia que é muito forte e vivenciada como os únicos construtores dessa região sul e automaticamente do RS”. Márcio ainda comenta que as maiores estratégias para a mudança desse fator seria um reconhecimento dessa disparidade racial em nosso país. A partir disso, promover políticas públicas para que a população negra seja inserida de uma forma respeitosa nesses espaços, que não tenha tanta resistência com relação as políticas públicas de cotas onde se tenta resgatar e deixar com que as coisas fiquem mais equânimes no nosso país.

Para a vereadora Karen, os debates atuais sobre racismo estrutural e sexismo, devem refletir em candidaturas negras. “A gente não está lá só para representar. A gente está lá para construir sobre uma outra ótica, não do indivíduo, mas a ótica do coletivo, que tem tudo a ver com a nossa cosmovisão africana, indigenista. Então, eu acredito que a gente precisa tentar partir do financiamento coletivo, ter uma estrutura coletiva de elaboração, proposição, defesa do mandato e o fortalecimento de figuras públicas negras”.

Movimentos sociais buscam mudar esse cenário

Para quebrar as barreiras que impedem a inserção do negro na política, cada vez mais movimentos sociais buscam, por meio da coletividade, colocar pessoas nos cargos de poder. Esse é o caso do movimento Frente Negra Gaúcha. O grupo, que conta com aproximadamente 60 integrantes, busca apoiar candidaturas de pessoas que se identifiquem com as pautas dos movimentos de ações afirmativas. Para Maria Cristina Santos, conselheira do Frente Negra, para que haja políticas públicas, é necessário que tenha representatividade. Atualmente, a maioria dos partidos com núcleos negros tem no seu comando pessoas brancas.

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