Airan Albino, assessor de comunicação do Fundo Brasil de Direitos Humanos. Crédito Imagem: Marlon Laurêncio

A presença de negros na mídia para além da pauta racismo

Jornalismo geralmente recorre as mesmas fontes: homens e mulheres brancos.

Michelle Silva
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5 min readJul 15, 2020

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O repórter e produtor da Rádio Gaúcha, Raphael Gomes, acredita que é necessário incluir pessoas negras como fontes do jornalismo, mas levanta duas problemáticas. A primeira delas se refere ao público consumidor das informações e coberturas jornalísticas. Segundo ele, os dados de Ibope são sempre levados em consideração e o fato do público reconhecer a voz de quem fala no rádio é um fator importante para manter a audiência. O segundo problema faz referência àdificuldade de fazer um recorte racial na seleção de fontes para tratar de assuntos como política e futebol, justamente por ser esse um ambiente hétero e branco, acrescenta. Raphael avalia que essa mudança na seleção de fontes deveria partir de uma transformação estrutural e acrescenta que faz o possível para ampliar os debates e indicar as fontes que conhece, mas que o recorte é algo que lamenta por não conseguir executar atualmente.

Na opinião do comentarista esportivo da Rádio Guaíba Carlos Guimarães (41), fazer um recorte racial na hora de selecionar as fontes é importante por uma questão de representação social. Porém, ele atenta para o piloto automático que há nas redações hoje, o qual faz com que haja uma recorrência das mesmas fontes nos canais de comunicação. Questionado sobre uma possível resistência do ouvinte ao ouvir uma voz desconhecida, Guimarães pontua que a opinião pública, na realidade, não faz pressões a respeito. Na opinião do doutorando em Comunicação que passou um semestre estudando o tema, a opinião pública só tenciona debates de assuntos relacionados a melhorias da própria vida.

Para a professora da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Sandra de Deus, o fato de um profissional e intelectual negro só ser chamado pela imprensa para debater o tema racismo é uma questão-chave para a discussão das questões raciais dentro da Comunicação. Sandra reconhece a necessidade de considerar que jornalistas em geral estão cada vez mais apertados e precarizados em suas rotinas nas redações. Entretanto, salienta que a opção por uma pessoa negra é feita quando a pauta é racismo, mas quando aquele mesmo jornalista tiver como duas possíveis fontes um branco e um negro, ambos especialistas acerca de um determinado tema, a opção será pelo branco porque isso está dado.

Além disso, Sandra argumenta que o Rio Grande do Sul é um estado essencialmente racista e visto pelo restante do país como um estado branco e de olhos azuis. Na visão da professora universitária, isso faz com que haja uma tendência em manter e preservar pessoas brancas como fontes de maior credibilidade. Trata-se de uma questão estrutural tão impregnada nas ações dentro das redações que nem é questionada, acrescenta.

No Roda Viva em que participou recentemente, o jurista, filósofo, doutor e autor do livro Racismo Estrutural, Silvio Luiz de Almeida fez referência a essa estrutura em diversos momentos do programa, inclusive ao ser questionado pela ombudsman do jornal Folha de São Paulo, Flávia Lima a respeito de uma reavaliação do jornalismo a partir dos protestos anti-racistas. Em resposta, Silvio disse que “os meios de comunicação são absolutamente coniventes com a construção do imaginário social do negro no lugar subalterno e que não haveria possibilidade de existir um racismo estrutural e sistêmico se não houvesse, diuturnamente, reprodução por parte dos meios de comunicação de estereótipos sobre pessoas negras”.

Para Airan Albino, assessor de comunicação do Fundo Brasil de Direitos Humanos, o intelectual é um exemplo no que se refere à separação do que é pessoal, vivências individuais, o profissional e o conhecimento que ele passa em suas falas, motivo pelo qual ele quer ser conhecido. Airan considera fundamental ter pessoas que vão falar de suas vivências ou exemplificar através delas, mas também outras pessoas negras que estarão presentes naquele espaço para compartilhar de conhecimento sobre outros temas. Porém, ele avalia que chamar pessoas negras para falar sobre economia, por exemplo, no Rio Grande do Sul, representa um dos grandes desafios de comunicar no estado. Por isso, representar uma quebra de uma narrativa que persiste até então, seria ir contra o que o público espera. Um embate ligado à audiência que ele não sabe se os veículos gaúchos estão dispostos a encarar.

A diversidade das fontes foi pauta de reunião com chefia e outros produtores ainda este ano, na Rádio Gaúcha, conta Bruno Teixeira. Assim como Sandra, ele reconhece que o tempo hábil para buscar fontes mais diversas nem sempre existe, mas avalia como necessária uma política editorial para que todos os jornalistas busquem isso de alguma forma e não fiquem sempre nas mesmas pessoas, em geral homens e mulheres brancos chamados com frequência para debater determinados assuntos. No que se refere à perda do reconhecimento do público, Bruno diz que há nessa discussão uma questão interessante do jornalismo: o imaginário do público, que não tem o costume de pensar um médico ou uma médica como negros, entretanto, em uma situação de crime a pessoa imaginada é negra. Para não reforçar e, sim, desconstruir esses discursos, mencionados anteriormente na fala do intelectual Silvio de Almeida, é fundamental mostrar pessoas negras em posições de destaque na mídia.

No que se refere ao debate de como pessoas negras aparecem na mídia e possibilidade de um jornalismo anti racista, Airan Albino lembra de algo muito presente nas falas das pessoas que estão em movimentos negros referente a narrativa que vem sendo contada no Brasil. Uma narrativa que naturaliza a violência sofrida por pessoas negras pela falta de cuidado ao contar essas histórias. Isso está muito presente em programas como o Balanço Geral em que a marginalização do corpo negro é recorrente e naturalizada entre a audiência, justamente por conta da forma como a cobertura é feita e pensada.

Sandra de Deus argumenta que a forma de cobrir pode estar mudando em alguns veículos e isso tem ligação direta com as ações afirmativas nas universidades. A professora da UFRGS explica que esses profissionais, que anteriormente chegaram à faculdade por meio desses programas de inclusão, ocupam espaços de trabalho de uma outra forma, com uma ideia diferente.

A professora afirma que, ao invés de criminalizar ou silenciar movimentos sociais, há justamente uma ação no sentido oposto, a avaliação do movimento social como um componente interessante do debate. Assim, através da incorporação do olhar desses profissionais que vêm de classes populares dentro das redações, o jornalismo se faz de forma mais humanizada e plural.

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