A literatura e o tema da negritude
Lei que tornou obrigatório o ensino de história e de cultura africana e afro-brasileira nas escolas ainda enfrenta dificuldades de implementação.
O Brasil é um país rico em diversidade cultural, consequência de uma colonização construída por diversos povos. Na escola aprendemos que o brasileiro é o resultado da mistura de três etnias: o branco europeu, o negro africano e o indígena nativo, No entanto, a divisão do conteúdo ensinado, não segue essa proporção.
A história da população negra se encontra, muitas vezes, resumidas, a descoberta do Brasil e ao período de escravidão. A cultura africana, apesar de ter uma grande influência na cultura brasileira é apagada nos bancos escolares.
Apesar da lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio de todo o país, existir a mais de dezessete anos a sua totalidade está longe de ser implementada de forma significativa. Para a historiadora e ativista, Maria de Fátima Gordon, a falta de formação específica dos docentes é um dos principais empecilhos para o alcance da lei. Grandes universidades abordam o tema apenas em um semestre de seu currículo, o que é considerado muito pouco. Também aponta que é preciso investir na formação continuada, pois muitos professores de História se formaram há mais de 15 anos, antes da lei entrar em vigor, e estão desatualizados.
Os professores de português e artes também devem inserir naturalmente o tema em suas aulas, não deixando a responsabilidade apenas para o professor de história. Levando a música, a arte e os textos de intelectuais negros para dentro da sala de aula.
“É utópico achar que vamos ter uma conversa com os alunos sobre racialidade e eles nunca mais vão reproduzir o racismo. É um trabalho cadenciado, aos poucos”. Explica a professora de história, Lílian Corrêa. O ensino da cultura africana é complexo e exige muita desenvoltura dos docentes para desenvolver um trabalho gradativo que mude a percepção dos alunos e ainda ultrapassar as barreiras do racismo de pais e alunos perante as temáticas que envolvem tal cultura.
Outro ponto muito importante a ser mudado são os livros didáticos, pois a imagem social dos negros nestes livros ainda está vinculada a papéis de menor prestígio no contexto social, o que dificulta legitimar o negro na sociedade brasileira como um cidadão com direitos e deveres iguais a todos os outros. Apesar de sua influencia ser ampla na cultura brasileira, ela sempre foi negligenciada nos materiais de educação.
Lílian ressalta que é possível perceber nas ilustrações e textos que o negro pouco aparece e, quando aparece, está sendo representado em uma situação de inferiorização comparado ao branco; que pouco ou nada ilustra a família negra, como se as crianças negras não tivessem família; os textos presentes nos livros fazem com que a criança pense que a raça branca é mais bonita e mais inteligente; além de geralmente os negros serem citados no passado, como se não existissem mais.
Essa desconsideração pela diversidade étnica-cultural nas escolas gera profundas sequelas na autoestima e na formação de identidade da criança negra. Criando um ambiente propício para o racismo. “Em um país miscigenado como o nosso, onde muitas pessoas negras e pardas não se consideram como tais. Por isso, sim, os institutos devem criar uma consciência e reforçar sempre a importância da representatividade e mostrar o quanto o preconceito deve ser intolerado.”, acrescenta a professora de história.
E é por isso a importância da escola, junto com os professores e os livros didáticos, tratarem de questões étnicas de maneira democrática, quebrando a exaltação feita à cultura europeia durante anos. Trabalhando no sentido de apresentar para seus alunos negros a sua história, sua verdadeira identidade e a necessidade de todos respeitarem os valores peculiares que cada povo e cultura possuem. “Os alunos, principalmente, de periferia necessitam resgatar sua própria história, ter consciência de si e se ver no outro ou nas ideias abordadas.”, pondera a professora que trabalha nas escolas de periferia, no interior do Rio Grande do Sul.
É importante consumir a arte negra, os intelectuais e pensadores, e assim quebrar esse paradigma de valorização do produto negro e a desvalorização do produtor. As fontes e os dados sobre a cultura afro-brasileira são muitos: a resistência nas comunidades quilombolas; a imprensa negra; a espiritualidade de matriz negra africana; as escolas de samba, as rodas de capoeira, o carnaval, as nações do hip hop, as frentes políticas e os centros de tradições gaúchas criadas por negros que renovam a identidade dos brasileiros.
E para ajudar os professores e os alunos nesta tarefa de valorização do negro como um sujeito histórico, com importantes ideias e pensamentos intelectuais, selecionamos alguns livros para trabalhar a consciência negra:
- Os cabelos de Sara, de Gisele Gama Andrade.
Nossa primeira indicação de livro para trabalhar a consciência negra, Os cabelos de Sara, discute um assunto muito importante: o respeito à diversidade. É uma excelente oportunidade de professores e estudantes das séries iniciais debaterem o tema em sala de aula.
2. Zumbi, o último herói dos Palmares, de Carla Caruso.
Este livro conta a trajetória de Zumbi, um menino negro que nasceu livre em Palmares, Alagoas, mas foi entregue a um missionário português ainda criança. Ele acaba escapando e volta para a sua terra, onde assume a liderança do quilombo dos Palmares e passa a comandar as batalhas pela liberdade do seu povo.
3. Quissama, o império dos capoeiras, de Maicon Tenfen.
Rio de Janeiro, dezembro de 1868. O moleque Vitorino Quissama foge da senzala para procurar a mãe desaparecida. Recorre ao viajante Daniel Woodruff, ex-agente da Scotland Yard que pode ajudá-lo em sua missão. Transitando entre os salões da corte e as precárias moradias dos cortiços, a dupla terá de enfrentar os perigos e as injustiças de uma sociedade sustentada pelo trabalho escravo.
4. A herança africana no Brasil, de Daniel Esteves.
A Herança africana no Brasil mostra que a presença de elementos africanos tem enriquecido a sociedade brasileira por séculos. Mas essa é também uma história de trabalho, sofrimento, perseguição e superação. Nesta HQ, conhecemos os princípios da escravidão no Brasil, suas várias etapas, as lutas pela libertação, e a maneira como a influência africana ajudou a formar a cultura, a religiosidade, o cotidiano e o próprio povo brasileiro.
5. O livro dos negros, de Lawrence Hill.
O Livro dos Negros conta a história de Aminata Diallo, uma das personagens femininas mais fortes e marcantes da ficção contemporânea. Aminata foi sequestrada, ainda criança, na África, e vendida como escrava na Carolina do Sul. Após a Revolução Americana, ela foge para o Canadá e escapa da vida de escrava para tentar uma nova história em liberdade. O livro traz uma história que nenhum ouvinte e nenhum leitor esquecerão.
6. Negritude: usos e sentidos, de Kabengele Munanga.
Este livro traz muitos questionamentos que ajudarão a falar sobre a consciência negra na sala de aula. Kabengele Munanga debruça-se sobre a construção identitária do Brasil ao longo dos tempos, partindo do princípio de que o conceito de identidade recobre uma realidade muito mais complexa do que se pensa, englobando fatores históricos, psicológicos, linguísticos, culturais, político-ideológicos e raciais.
7. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil, de Sueli Carneiro.
A ativista e feminista negra Sueli Carneiro produziu inúmeros artigos publicados na imprensa brasileira. “Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil” reúne, pela primeira vez, os melhores textos desse período. Neles, a autora nos convida a refletir criticamente a sociedade brasileira, explicitando de forma contundente como o racismo e o sexismo têm estruturado as relações sociais, políticas e de gênero. Fundamental para educadores, pesquisadores, militantes e estudantes de todos os níveis de ensino.
Outros autores negros que são deixados de lado e que para a professora Lílian Corrêa deveriam ser estudados em sala de aula:
- Milton Santos.
Foi um geógrafo brasileiro, considerado por muitos como o maior pensador da história da Geografia no Brasil e um dos maiores do mundo. Destacou-se por escrever e abordar sobre inúmeros temas, como a epistemologia da Geografia, a globalização, o espaço urbano, entre outros.
2. Carolina Maria de Jesus.
Foi uma escritora brasileira, conhecida por seu livro “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada” publicado em 1960. Carolina de Jesus foi uma das primeiras escritoras negras do Brasil e é considerada uma das mais importantes escritoras do país.
3. Abdias do Nascimento.
Foi ator, poeta, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras brasileiro. Considerado um dos maiores expoentes da cultura negra e dos direitos humanos no Brasil e no mundo.
4. Djamila Taís Ribeiro dos Santos.
Filósofa, feminista, escritora e acadêmica brasileira. É pesquisadora e mestra em Filosofia Política pela Universidade Federal de São Paulo. Tornou-se conhecida no país por seu ativismo na Internet, atualmente é colunista do jornal Folha de S. Paulo.
5. Luís Gonzaga Pinto da Gama.
Foi orador, jornalista, escritor brasileiro e o Patrono da Abolição da Escravidão do Brasil. Nascido de mãe negra livre e pai branco, contudo feito escravo aos 10 anos, e permaneceu analfabeto até os 17 anos de idade. Conquistou judicialmente a própria liberdade e passou a atuar na advocacia em prol dos cativos, sendo já aos 29 anos autor consagrado e considerado “o maior abolicionista do Brasil”.
Neste contexto, a sala de aula atuará como espaço de crescimento conjunto, se tornando um processo de cultivo do saber e da riqueza humana. Superando as práticas de exclusão, possibilitando criar reais caminhos da construção do ser negro, com os horizontes abertos e o orgulho de ser. E o diferente não será mais objeto de medo e de exclusão, será apenas diferente.