Luta diária: a face das mulheres pretas

Thayná Oliveira Gonçalves
Vidas negras no RS
Published in
4 min readJul 17, 2020

Por: Lindy Heller e Thayná Gonçalves.

Explicação para usarmos mulheres pretas e não negras: No Brasil, a palavra negro foi ressignificada, ou seja, se incentivou o uso para tornar positivo. Mas no restante do mundo é visto como algo negativo, então os movimentos dão preferência por preto. — Amanda Hamermüller.

P&P: Pretas e políticas

Dandara dos Palmares foi uma guerreira preta na época do Brasil colonial. Quando foi presa, Dandara cometeu suicídio para não voltar à vida de escravizada e até hoje é conhecida por ter sido empoderada e pelejadora contra a escravidão. Não é à toa que nos dias atuais, a guerreira tem o seu nome lembrado em diversas instituições para mulheres pretas no Rio Grande do Sul, dentre os movimentos, está o Dandaras — Construindo o Pensamento Crítico e Promovendo Formação Política com Mulheres Negras no RS, o projeto prevê instruir e inserir mulheres pretas no mundo político. Em parceria com a UFRGS, o curso já formou cerca de 70 mulheres que tiveram aulas com mulheres negras e estudaram livros de autores pretos. O curso foi idealizado pela militante de movimentos negros, Reginete Bispo. Dentre os assuntos levados para dentro da sala de aula estão: Cultura, Corpo e Identidades; Gênero e Feminismo Negro; História da África e Brasil Colônia; Marcos Legais das Políticas e Enfrentamento ao Racismo; Economia, Saúde e Educação; e Conjuntura, Boas Práticas e Apresentação do Produto.

Mulheres pretas no mercado de trabalho

Não são todas as mulheres pretas que possuem acesso a essas oportunidades. Silvia, de 47 anos, trabalha como auxiliar de serviços gerais e tem somente o ensino fundamental completo. Ela diz que nunca percebeu o racismo ou o preconceito diretamente na área em que trabalha. “Se aconteceu, realmente nunca percebi e pelo contrário, onde eu trabalhava antes (anterior da atual que estou hoje) sempre me trataram com total respeito, de igual para igual com todos, e eles diziam assim ‘tu és uma pessoa muito inteligente tu poderia, se quiser, voltar a estudar’. Eles me incentivaram, se eu quiser ter uma outra profissão”, relata Silvia.

Mulheres pretas em redação?

Amanda Hamermüller, 23 anos, é formada em jornalismo pela UFRGS, e destaca o papel da mulher preta em sua profissão no Rio Grande do Sul. “Como qualquer outro mercado, limitado e desesperançoso. Por mais competentes que sejamos, a maioria de nós só consegue fazer o que quer fazer através de projetos pessoais (normalmente sem remuneração, tendo que se ater a vagas em outras atividades). É quase como se houvesse rodízio. Uma mulher preta só pode ocupar determinado cargo quando a mulher preta que está nele hoje sair. Aqui no RS, por exemplo, apenas uma emissora concentra um número considerável de funcionários pretos e, ainda assim, é uma quantidade absurdamente baixa quando em comparação com os funcionários brancos. E nas outras? Algumas sequer têm funcionários pretos em destaque”. O trabalho de conclusão de curso da jornalista teve como tema: A cor na televisão: uma análise da representatividade racial entre os repórteres e apresentadores da Rede Globo e o papel televisivo na construção de identidade negra. Na busca por se inserir no mercado de trabalho, Amanda diz que percebeu o racismo, mesmo que não fosse intencional. “Já passei por inúmeros processos seletivo que, na última etapa, eu era a preterida. O racismo está tão enraizado que essas práticas se tornam comuns”. Mesmo com diploma, experiências e vivências, o racismo e o machismo estrutural proíbem com que mulheres pretas alcancem lugares de destaque no meio jornalístico.

Pretas em universidade federal

O coletivo Camélias nasceu em agosto de 2019, após as integrantes Natália, Pâmela, Deise, Maria Fernanda e Natasha terem feito o curso Dandaras do instituto Akanni. O curso foi essencial para a decisão de organizarem coletivo de mulheres negras e estudantes da UFRGS.

O intuito é contribuir na emancipação do povo preto. “Entendemos que o que aprendemos na academia se torna válido se for colocado em prática e compartilhado com os nossos”, ressalta Natália Fiuza, estudante de Ciências Sociais. Elas desenvolveram um projeto que consiste em ir a espaços de educação formal e não-formal para debaterem sobre o racismo estrutural, autoestima e autocuidado dos jovens e o acesso e permanência na UFRGS. Além de ações como a construção da marcha Zumbi Dandara junto a outros coletivos e militantes do movimento negro e o evento Atos negros junto a coletivos e alunos negros da Ufrgs.

Perguntada qual tem sido a face da mulher preta no Rio Grande do Sul, a estudante salienta muita luta e resistência. “Perante os processos históricos da nossa sociedade, a face da mulher negra tem sido sempre de luta e resistência em todos os espaços. No RS, somos minoria populacional, o que faz com que tenhamos mais contato com as contradições causadas por raça, classe, gênero e sexualidade”.

Apesar de ser uma universidade federal, Natália ressalta alguns problemas que enfrentam na UFRGS. “A UFRGS não é tão plural e inclusiva. Acaba se tornando um microcosmos da sociedade, onde nos aproxima ainda mais de situações de racismo, misoginia, sexismo”.

Durante o isolamento social, o Coletivo Camélias segue atuando na educação antirracista via google meet ou pela plataforma sugerida pela instituição e também organizando lives no Instagram (coletivocamelias) sobre assuntos relacionado à pauta racial.

Gradativamente, por conta do racismo estrutural, mulheres pretas estão atrasadas para conquistar seus espaços. Aos poucos, estão deixando de ser minorias em salas de aulas, universidades, mas mesmo com tanta experiência e estudo demoram para alcançarem lugares de destaque em suas profissões.

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Thayná Oliveira Gonçalves
Vidas negras no RS

Escrevo histórias sobre a vida: a minha, a sua e a nossa. Estudante de jornalismo.