AHAB (GER) — The Boats of the Glen Carrig (Napalm, 2015)

Igor Natusch
VIL METAL
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3 min readAug 26, 2015

NOTA: ****

A cada novo álbum do Ahab, a minha impressão pessoal é mais ou menos a mesma: eles estão chegando lá. Carregando com dignidade a bandeira do funeral doom metal há mais de uma década, eles têm mantido uma progressão constante a cada álbum, e esse “The Boats of the Glen Carrig” não é exceção. Inspirado em um romance de William Hope Hodgson sobre um grupo de náufragos que encontra criaturas muito estranhas pelo caminho, o quarto álbum completo dos alemães ainda não tem aquele sabor indefinível, mas contagiante do grande triunfo — dizendo de outro modo, algo me diz que esse CD não será exatamente o ponto alto da carreira dos caras. Mas eles estão claramente navegando nessa direção, como uma embarcação que vai sem medo rumo a território desconhecido, e acompanhá-los nessa viagem segue uma experiência rica e absorvente ao extremo.

Os elementos mais contemplativos e as eventuais vozes limpas do disco anterior (“The Giant”, 2012) ganham espaço no novo trabalho, não raro tendo papel decisivo nas músicas onde surgem. Não dá para dizer, por exemplo, que as partes quase post rock de “The Thing That Made Search” sejam uma simples introdução ao peso que surge depois delas, já que o espírito da faixa está tanto em um aspecto quanto no outro. Na verdade, é justamente nessa zona cinza, nesse contraste entre (relativamente) claro e (muito) escuro que o Ahab tem se movimentado musicalmente nos últimos tempos. Algo que se mostra com clareza nas vozes de Daniel Droste: ainda que siga detentor de um gutural de tremer as janelas, sua voz limpa tem surgido mais e mais, enchendo o som do Ahab de emoções e nuances que, longe de diluir o peso natural da banda, deixam suas composições ainda mais soturnas e grandiosas.

Seja como for, que os apreciadores da morbidez doom fiquem tranquilos, já que o peso segue generosamente representado, com um trabalho de cordas irrepreensível nesse sentido. De fato, vários dos riffs estão um pouco mais acelerados (talvez “menos arrastados” seja uma descrição melhor) do que de costume, com especial destaque para “Like Read Foam (The Storm)”, facilmente a música mais rápida (ok, menos lenta) escrita pela banda até hoje. “The Weedmen” é um triunfo especial para Daniel Droste e Chris Hector, com nada menos que 15 minutos de riffs que parecem não ter começo nem fim, criando uma massa sonora da qual a atenção do ouvinte é incapaz de escapar. Algo, é claro, potencializado pela excelente produção, que sempre realça os elementos certos e ajuda a criar uma atmosfera densa, por vezes incômoda e sempre impressionante.

Talvez fãs menos tolerantes sintam falta do som mais tipicamente funeral doom — e menos sofisticado — dos tempos de “The Call of the Wretched Sea” (2006), o que é compreensível até certo ponto. Mas mesmo esses admitirão que, embora fantástico, aquele Ahab era muito mais competente do que original, jogando dentro das regras de seu subgênero sem trazer novos ingredientes para o caldeirão. A partir dali, o Ahab saiu das águas já mapeadas do estilo e buscou novos horizontes — e é essa viagem que encontra em “The Boats of the Glen Carrig” seu mais bem acabado capítulo até o momento. Hoje, a banda não é apenas competente: eles são relevantes e potencialmente únicos, carregam a própria bandeira e a de ninguém mais. Ainda não chegaram lá, eu acho — mas é de se pensar o que será de nós quando eles desembarcarem em seu soturno destino.

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Igor Natusch
VIL METAL

Jornalista. Ser humano. Testemunha ocular do fim do mundo.