André, somente André

Ídolo do Vitória tinha mania de redentor

Vinícius Nascimento
Vinícius Nascimento
4 min readJul 28, 2021

--

Relatos de torcedores do Vitória que viram um jogo ao lado de um ídolo não são raridade. O Barradão oferece isso: sem setorização ou cadeiras, o estádio rubro-negro é um dos cada vez mais raros casos de estádios que não se renderam à pecha de Arena. Somente as cadeiras ficam separadas, mas nem é algo tão absurdo, com um cercadinho fazendo a divisão. Acredito que esse seja um dos motivos que justifique tantos ídolos ali, misturado no meio de pessoas a quem tanto alegrou. André era um desses casos.

A alcunha de Catimba foi forjada no Rio Grande do Sul graças às peripécias que aprontava num outro grande clube onde foi ídolo, o Grêmio. Mas não dá para pensar em André Catimba sem pensar no Vitória. E nao se deve pensar no Vitória sem pensar em André Catimba. André Catimba, não. André, somente André.

Não ouvi falar pouco de André durante a vida. Meu padrinho, maior rubro-negro que conheço, é devoto do atacante. Somente isso já bastaria para que ele fosse o maior da história do Leão, mas quis André fazer mais. 90 gols em 151 partidas, segundo dados do Memórias do Leão. 172 vezes segundo a contagem própria. O fato é que um desses gols entristeceu muito meu avô, Carmindo, o maior tricolor que já conheci e a quem André, falecido nesta terça, dia 28 de julho, fará companhia no céu. Terão tempo para boas conversas junto a Mário Sérgio, outro algoz do velho Ninca nas finais do Campeonato Baiano de 1972.

André foi o primeiro brasileiro a jogar com Maradona. Em 1980, passou pelo Argentino Juniors e viu o nascimento de El Pibe para o futebol, quando D10s ainda tinha 19 anos (Foto: Acervo Pessoal)

O Bahia jogava por um único empate para levar o título estadual daquele ano e se consagrar tricampeão porque tinha feito a melhor campanha geral e havia conquistado o primeiro turno. Campeão do segundo turno, o Leão precisava vencer os dois jogos para virar em cima do tricolor e ficar com a taça.

Aquele Vitória tinha o que é considerado o seu melhor trio de ataque da sua história, com Osni, Mário Sérgio e André. No primeiro jogo, foi Mário Sérgio quem brilhou marcando os dois gols da vitória rubro-negra por 2x1. O Leão estava, na época, há seis anos sem conquistar um título, assistindo ao Bahia (3x), Leônico (1966), Galícia (1968) e Fluminense de Feira (1969) levantarem a taça desde o seu bicampeonato em 1964 e 1965.

A seca fazia apelar para a mística. Antes da partida, os jogadores passavam por rituais feitos por um pai de santo, que, ao final de tudo, dizia quem tinha condição de jogo ou não.

“Tinha que tomar um banho, passar um galo para tirar a [energia negativa]. Quando o galo chegou em mim, morreu. Disseram que eu não tinha condição de jogo, que tava com encosto e não ia jogar. Aí Paulinho de Almeida disse: ‘não, é ele e mais 10’”, disse em entrevista à TV Bahia.

Com três minutos de jogo, mostrou que nem o pai de santo e nem mesmo a mística do ritual entendiam muita coisa de bola: abriu o placar na Fonte Nova, e os caminhos para o Vitória que ainda marcou mais duas vezes com Osni e venceu por 3x1 levando o título. Era a consagração do trio mágico.

Aquele título impediu o Bahia de ser Eneacampeão do Estado. Ali, o tricolor já era bicampeão e, a partir do campeonato de 1973, emendaria uma série de sete títulos até 1979. Foi o único que o Bahia perdeu em todos os anos 1970.

Jornal A Tarde parabeniza o Vitória pelo título em 1972 (Foto: Arquivo Arena Rubro-Negra)

Naquela mesma década, o centroavante seria o responsável direto por impedir um outro eneacampeonato. Esse seria consumado de fato já que o Inter havia ganhado todos os gauchões entre 1969 e 1976. Em 1977, havia um André no caminho, para aproveitar assistência de Iúra e fuzilar o gol colorado no estádio Olímpico, dando fim à série histórica.

No tricolor gaúcho também foi ídolo, já com a alcunha-sobrenome Catimba. Marcou o gol mais bonito do antigo estádio Olímpico, uma bicicleta no meio dos zagueiros contra o Esportivo no Gauchão de 1979 e tem seus pés cravados na Calçada da Fama Gremista.

André e o salto mortal (que deu errado por sentir uma lesão no ar) rumo a mais uma redenção

Quis o destino que André falecesse, vítima de uma infecção pós-operatória, um dia após a partida entre Vitória e Grêmio, os dois times onde foi ídolo e redentor. André, que será uma presença eterna na história e corações rubro-negros. Um dos maiores centroavantes já criados pelo estado da Bahia em todos os tempos. Talvez o maior deles. Que descanse em paz.

André exibe sua imagem emoldurada. Um nome que deve ser adorado pela eternidade por tudo que fez em campo. Foto de Matheus Caldas, tirada durante gravação do documentário “Nêgo: Um nome na História”

--

--