Carta aberta a Richarlison

Vinícius Nascimento
Vinícius Nascimento
3 min readOct 17, 2022

Texto enviado originalmente e publicado pela Premier League

Richy,

Imagino o que tenha passado por sua cabeça no momento em que viu aquela banana sobrevoando até o céu. É tão injusto, não é mesmo? Criminoso.

Deixa eu me apresentar: me chamo Vinícius, sou de Salvador e torço pro Tottenham. Ser Tottenham é algo incrível e que se tornou ainda mais divertido desde sua chegada. Assim como torcer pra seleção.

Sou um rapaz negro, de 25 anos, e por toda a minha vida senti medo do que você sofreu. A possibilidade de sofrer racismo me tirava o sono e, por muitas vezes na infância, me faziam evitar sair de casa.

Quando minha avó saiu da periferia e foi morar num condomínio de classe média, me sentia deslocado. Desde muito cedo entendia algumas coisas do racismo: onde tinha gente branca, me sentia o mais feio do mundo, o mais incapaz. Me sentia inferior.

Quando passeávamos em shopping, muitas vezes ficava do lado de fora de algumas lojas porque o alvo dos seguranças sempre era eu. Meus amigos brancos podiam pegar roupas, experimentar, brincar de tirar fotos com blusões de time no provador. Comigo sempre era mais difícil. Nunca ousei fazer aquilo com medo de alguém me repreender. Tinha medo por ser negro.

Em algumas brincadeiras de criança com meus melhores amigos, tipo a Loira do Banheiro, eu era o único a não poder participar por não ter nenhum fio de cabelo loiro. Eles não faziam por maldade, mas acabei sofrendo uma série de situações racistas que acabaram me machucando muito e excluindo.

O racismo é cruel e, mais do que isso, é recorrente. Aqui no Brasil, aí na Inglaterra, ou lá na França. É algo que vai nos perseguir por muito tempo e, nós, negros, precisamos fazer igual a você dentro de campo: lutar. Resistir. Queimar línguas. De cara fechada e peito aberto igual a quando você tenta dividir uma bola, quando parte pra cima dos adversários, quando rasga a área e sobe de cabeça pra fazer o gol.

Richy, nunca estive nem perto de ser um jogador igual a você. Mas acho que no dia em que o racismo acabar, a sensação será melhor do que marcar um gol com a camisa da seleção ou fazer dois gols em casa numa estreia de Champions League com os pais olhando tudo.

É para viver essa sensação que a gente deve lutar sempre. E nos acolher sempre. Nossa dor não gera comoção em muitas autoridades e, não raras vezes, um drible despretencioso gera mais discussão do que um caso de racismo. Você e suas embaixadinhas sabem bem disso: percebeu a diferença de tratamento nos dois casos? Eu sei que sim.

Mas o que posso prometer é que há uma rede de apoio gigantesca por todo o mundo. Aqui em Salvador, em todo o Brasil, em sua família, em seu coração. E é com essa força que vamos partir pra cima, plantar sementes e vencer. Não se sinta abalado pelo que aconteceu. Como diz a música: erga a sua cabeça, bota o pé e vai na fé. Dias melhores virão!

Eu sou muito orgulhoso de ser Tottenham. Eu sou muito orgulhoso de ser brasileiro. Eu sou muito orgulhoso de ser negro. E você, tão jovem, só faz esse orgulho aumentar.

Siga forte, Richy!

COYS!

Vinícius Nascimento

Salvador, Bahia, Brasil — 11 de outubro de 2022

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