É arte ou não é? Breves comentários

A impressão deixada ao maior número de pessoas possíveis faz com que a arte seja superior

Redação Vinte&Um
Vinte&Um
5 min readApr 26, 2018

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“Large Blue Horse” — Franz Marc — 1911

Por Marcos Carvalho

Por muito tempo relutei em escrever sobre este tema. Relutei porque, depois de inúmeras conversas com colegas, familiares, amigos e desconhecidos nos bares, notei que este assunto é muito mais polêmico e inflama muito mais corações do que o “Golpe x Não Golpe” dos tempos atuais. Na minha experiência, falar de arte perturba muita gente.

É curioso, especialmente dado que ao longo dos séculos filósofos dedicaram todo um ramo da sua ciência para responder “o que é belo?” (este ramo da filosofia chamamos de Estética). No entanto, sempre foi polêmico discutir a questão, dentro ou fora da academia. Mas por quê? Penso que porque a arte, como vanguarda, cotidianamente desvenda fronteiras emocionais antes não percebidas ou até ignoradas e quando isso acontece o incômodo é inevitável.

Nem tudo é arte, porém. Não são todas as obras que em nome da vanguarda podem ser rotuladas como tal… afinal, existem trabalhos bons e ruins. A subjetividade na arte continua a ser elemento fundamental do próprio meio, mas existe um critério objetivo que, a meu ver, define o que não pode ser elemento constitutivo do artístico: A vontade de chocar.

No ano passado a mostra “Queermuseu” no Santander Cultural gerou um rebuliço enorme. Primeiro por conta do conteúdo e depois pela suposta “censura” que sofreu. Não pretendo entrar no mérito da censura (não neste texto, pelo menos), mas acho conveniente questionar a “pegada” de algumas telas que ali se encontravam. Não estive lá (e nem poderia, uma vez que a exposição foi fechada), mas as mesmas fotos que incomodaram grande parcela da sociedade também chegaram a mim. Vejamos uma das emblemáticas obras que ali estavam:

“Cruzando Jesus Cristo com o Deus Shiva”, obra de Fernando Baril, 1996, exposta no Queermuseu

Obras assim possuem o intuito de provocar. E este é um objetivo quase que primário para muitos artistas contemporâneos. O destinatário da provocação pode variar: desde a sociedade ocidental como um todo, provocada pela tela em questão, até o pequeno grupo de artistas franceses do começo do século XX, quando Marcel Duchamp assinou aquele urinol e o batizou de “Fonte”. A provocação pela provocação não muda. Chamar atenção e instigar tornaram-se fim principal da arte.

E a arte de fato provoca, como sempre provocou, emoções. Instigar, emocionar, desvendar, predizer e acusar (e essa parte machuca) entre outros não são objetivos que tiveram início nos tempos modernos. A diferença, a meu ver, é a relação do artista com sua obra.

A Fonte — Marcel Duchamp — 1917

A boa arte não é aquela que provoca emoções por si só (não é particularmente difícil surpreender ou gerar asco em alguém), mas sim interliga o coração do autor ao seu. Esse chamado do artista tem que ser espontâneo. Conjecturar sobre o sentimento do autor em determinada obra nunca é um bom sinal. Significa que o artista falhou em se comunicar com você. É claro que talvez você não fosse seu público alvo e por isso Duchamp tenha feito arte assinando um simples urinol aos olhos dos seus colegas. No entanto, para a posteridade, não tocando mais corações, a “Fonte” permanece, mas como objeto histórico.

A comunicação “coração do artista — coração do espectador” faz com que tudo seja subjetivo e por isso este “guia” não responde “O que é arte?”. Pretende, no entanto, te dar segurança ao responder, diante da obra, essa pergunta. E essa segurança não deve vir do intelecto, mas do coração.

Muitos argumentam que a beleza não pode ser o cerne da arte e nisso eu concordo. Grandes e belíssimas obras (vejam por exemplo os livros clássicos) não são belos, mas igualmente tocantes. No entanto, foi testado e comprovado, ao longo da história, que a beleza é um importante instrumento para comunicar corações.

“A Morte de Sardanápolo” — Eugène Delacroix — 1844

É natural que uma obra que rompa com seu tempo gere resistência. Eugène Delacroix, cujas grandes obras hoje encontram-se no Louvre, sofreu deste mal quando pintou “A Morte de Sardanápolo”. Acontece que a obra rompia com os padrões clássicos determinavam que a arte deveria retratar o bem moral. A tela, inspirada em poema trágico de Lord Byron, retrata um rei que manda destruir todos os seus prazeres (incluindo suas mulheres) antes de se matar, uma vez que seu castelo estava sendo invadido pelo inimigo. É inegável, porém, que não só a retórica, mas igualmente o movimento da tela ainda cativa muita gente.

Parafraseando a mais bela das críticas de poesia que li até agora:

“Quando essa impressão não se limitar aos leitores e aos críticos, e se estender à própria literatura nacional, terá a sua poesia atingido o grau supremo […]”. Alceu Amoroso Lima*

E é isso. A impressão deixada ao maior número de pessoas possíveis faz com que a arte seja superior. Afinal, algumas emoções são universais e tocá-las com maestria, sem pretensão prévia, com honestidade emocional (do coração para o coração), traz à tona o valor supremo do artista. Ele não é um ativista, mas sim um encantador. E é por isso que “A Morte de Sardanápolo” é arte e ficará para a história como tal, enquanto que “A Fonte” é um objeto… somente histórico.

Marcos Carvalho é internacionalista; amigo do editor; e interessado por filosofia e política internacional.

*Um poeta. In: Estudos literários. Rio de Janeiro: Aguilar, 1966 (SIM, eu li na prova do Rio Branco).

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