A vida acontece quando estamos offline

Decidi limitar, principalmente nos fins de semana, o meu consumo de redes sociais.

Matheus Leone
Vinte&Um
3 min readSep 20, 2021

--

Você abre uma rede social qualquer e começa a rolar a sua timeline. Vai lendo o que as pessoas estão falando, vai acompanhando o que está sendo debatido. Algumas coisas muito interessantes, outras nem tento, mas tudo com o conhecido vigor das redes sociais. Nelas se debatem com igual ferocidade a política nacional e qual anime é melhor. De repente você involuntariamente começa a achar que aquilo ali é o mundo, que aquelas discussões são representativas das preocupações que as pessoas têm no dia a dia. Na maioria das vezes esse não é o caso. Eu fui aprendendo ao longo do tempo que as redes sociais são a caverna da alegoria platônica.

Para um ansioso como eu, as redes sociais têm se tornado um espaço cada vez mais insalubre. A situação do país não ajuda, é bem verdade, mas é maior que isso. Elas têm nos prendido em realidades alternativas das nossas próprias bolhas sociais e intelectuais, em debates que muitas vezes só podem ser descritos como surtos coletivos.

E nessas realidades alternativas cada um tem sua própria personagem, sua face pública com a qual enfrenta essa arena. Com o tempo, nada é mais importante que receber o reconhecimento dessa bolha, o que exige reforçar o próprio personagem. Isso tem levado algumas pessoas a situações absurdas, até mesmo ideologicamente falando.

Eu fui percebendo o quanto elas estavam me fazendo mal. Ok, talvez não elas, mas o tempo que eu gastava nelas, principalmente no Twitter. Decidi então limitar o quanto de rede social eu consumo, principalmente nos fins de semana. Afinal de contas, a vida não está ali. A vida está no que fazendo quando não estamos com a cara enfiada ali.

Não, isso não é um texto para incentivar as pessoas a jogarem o celular no lixo e irem morar numa cabana no meio do mato como o Unabomber. Eu mesmo não consigo abandonar redes sociais por completo. Elas são legais e muitas vezes necessárias até mesmo para nossas vidas profissionais. A questão é justamente a necessidade que eu percebi em mim de limitar esse uso. E limitar esse uso significa constatar que aquela não é a realidade da vida. É a caverna, com suas sombras e ilusões.

Acabei percebendo que, pelo menos para fins de semana, o melhor é ficar longe dessa caverna. Tento ler um livro, ver filmes e séries que estão nas listas há meses, escrever alguma coisa (mesmo que não vá publicar), jogar um videogame, fazer uma caminhada, tomar um vinho ou uma cerveja. Enfim, tento viver, ainda dentro das limitações de quem ainda não tomou a segunda dose da vacina. Aliás, foi assim que eu enfim assisti a’O Irlandês, coisa que eu vinha postergando por muito tempo. Devia ter assistido muito antes. Deveria estar assistindo a outros filmes que sempre quero ver, mas estou ocupado demais vendo gente brigar no Twitter.

O meu ponto, que talvez esteja um pouco truncado, é que há uma vida real fora das timelines. Esquecer disso talvez tenha nos trazido à situação em que estamos enquanto sociedade. E ao esquecer disso a gente acabou por dar demasiada importância ao que está acontecendo por lá. Eu passei esse fim de semana mais afastado, como tenho tentado fazer, e nada mudou na minha vida. Aliás, mudou um pouco para melhor já que evitei a ansiedade que as vezes tenho por conta dessa realidade paralela.

Esse é meu novo projeto: reduzir meu consumo de redes sociais e, nos fins de semana, limitar ele ao mínimo possível. No lugar disso, tentar preencher esse tempo com coisas que eu gosto de fazer. Tentar viver um pouco o que está fora da caverna. Não tem problema voltar de vez em quando para ela e se entreter com o show de sombras, mas ficar acorrentado ali, entendendo aquilo como a realidade da vida, é uma das piores coisas que eu consigo imaginar. E infelizmente é o que tenho visto em várias pessoas que eu conheço. A vida, pessoal, é tudo aquilo que acontece quando não estamos nas redes sociais, e eu pretendo aproveitá-la um pouco mais antes que seja tarde. Minha saúde mental agradece.

Matheus Leone é cientista político formado pela UnB e criador da Vinte&Um

--

--

Matheus Leone
Vinte&Um

Brasília | Cientista Político | 🏳️‍🌈