Acabou a paciência?

De “queridinho” do mercado a estorvo. Por que o mercado financeiro perdeu a paciência com Bolsonaro?

Samuel Dourado
Vinte&Um
4 min readNov 16, 2020

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Sérgio Lima/Poder360

Milton Friedman, Nobel de Economia, costumava dizer que o segredo de ter bons políticos não é escolher as melhores pessoas, mas sim, dar os incentivos para que as pessoas erradas façam a coisa certa. Esta frase se aplica muito bem ao governo Bolsonaro. Ainda na corrida eleitoral era unânime no mercado, na sociedade e na política que Bolsonaro não era um político capacitado o suficiente. Era comum a frase de que a ausência de “brilhantismo” do Bolsonaro seria compensada pela sua ética na política, ausência de envolvimento em esquemas de corrupção. É claro que este era o pensamento de parte da sociedade, a qual se mostrou extremamente decepcionada com os casos de corrupção dos governos petistas.

No mercado financeiro o papo era um tanto diferente. Realmente alguns acreditavam que Bolsonaro simbolizava a morte da “velha política”, um político antissistema e uma penca de ilusões. No entanto, o pensamento preponderante era: mesmo que Bolsonaro não seja o mais capacitado (a pessoa certa), havia inúmeros incentivos para que ele fizesse a coisa certa. Um deles era o incentivo de “não inventar a roda”. O Brasil de 2018 (e o de hoje) carecia de ajuste fiscal, reformas estruturantes, abertura comercial, etc. O grande problema era achar alguém que estivesse disposto a fazer o que o Brasil precisava. Para o mercado, esta pessoa era o Bolsonaro.

Outro fator que induziu o mercado foi a “sinalização” constante de que o governo Bolsonaro era pró-mercado. Embora parte do mercado não quisesse admitir, Bolsonaro era semelhante ao Lula do primeiro mandato. Um político com ideologias anacrônicas que, no entanto, possuía uma equipe econômica boa. A ideia era que as “estrelinhas” do Ministério da Economia e da Justiça e Segurança Pública seriam constantemente atendidas pelo Presidente.

De fato, embora com bate-cabeças constantes, o primeiro ano de Bolsonaro foi aceitável. Foi aprovada uma Reforma da Previdência que era discutida, ao menos, por uma década. Mesmo não sendo o político certo, o governo Bolsonaro teve incentivos para fazer a coisa certa. A Reforma da Previdência resolvia apenas um dos muitos problemas brasileiros, restava cumprir o que foi dito durante toda a campanha: reforma tributária, abertura comercial, reforma administrativa, etc.

Enquanto o governo Bolsonaro entregava resultados, ou ainda, prometia que ia entregar, o mercado financeiro aturava o governo. Mesmo com instabilidade constante, guerra entre alas ideológica e militar, ataques constantes dos filhos do Presidente a membros do governo e de outros Poderes, não havia um “political noise” absorvido pelo mercado, tal como vimos em 2013 com o governo Dilma. Este efeito parecia tão incomum no Brasil que pensei por algumas semanas em escrever um artigo sobre a separação entre política e mercado. Mesmo com desvarios constantes de Bolsonaro, o mercado parecia não ter o seu humor alterado.

Este fato mudou radicalmente durante a pandemia por três motivos. O mercado financeiro entendeu, por fim, que estava sendo tapeado pela promessa de reformas e um governo pró-mercado. O discurso do governo de enviar a reforma na semana que vem, de privatizar quatro grandes empresas em 90 dias levaram o mercado a perceber, através de um jogo repetitivo, que o discurso era mera balela. O segundo fator foi a clara ideia de que Bolsonaro poderia abandonar o ajuste fiscal por alguns pontos de popularidade. As diversas declarações que o governo poderia furar o Teto de Gastos gerou estresse no mercado: elevação dos juros futuros, queda da confiança no governo, etc. E, por fim, a usina de crises do governo Bolsonaro começou a criar desconforto no mercado, que até então aturava por acreditar na premissa de que mesmo sendo o político errado, Bolsonaro tinha os incentivos para fazer a coisa certa.

A paciência acabou com o governo Bolsonaro. É perceptível que até mesmo gestores conservadores que defendiam Bolsonaro dia e noite passaram a tecer críticas pontuais ao Presidente. Henrique Bredda, gestor do Alaska, um dos gestores mais conservadores do mercado financeiro tuitou esta mensagem após as declarações do Presidente sobre pólvora, maricas e relações internacionais.

Outros gestores experientes também observaram que a pandemia tornou o mercado mais sensível. As diversas declarações de Bolsonaro criam “political noise”, impactando profundamente a economia brasileira.

Enfim, depois de dois anos o mercado percebe que Bolsonaro mesmo com os incentivos econômicos corretos não é competente para fazer a coisa certa. Sobre isso, só podemos lamentar e dizer: “Persio Arida avisou”. Ainda em 2018, era perceptível que Bolsonaro não era liberal. A “carta branca” aos ministros não passava de ilusão. Como Persio Arida observou, o que não falta no Brasil são economistas bons. Ter uma equipe econômica brilhante, o que não é o caso de Bolsonaro, não é panaceia. No final do dia, quem toma as decisões é o Presidente. E bem sabemos que Bolsonaro está longe de tomar as melhores decisões.

Samuel Dourado é graduando em Economia pela (UnB) e escreve insights sobre Economia e Política no Twitter.

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