Bretas impõe prisão arbitrária a Temer para desafiar STF

A prisão preventiva do ex-presidente descumpre a lei ao não ter fundamento claro. Intuito de Bretas é provar que STF é detalhe e a Lava Jato tudo pode. Michel Temer é apenas o troféu.

Matheus Leone
Vinte&Um
5 min readMar 21, 2019

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Amanda Perobelli/Reuters

Michel Temer está preso. Teve sua prisão preventiva decretada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro em inquérito que investiga suposto esquema de corrupção na Eletronuclear. Trata-se de uma prisão preventiva absurda, representativa do abuso de autoridade e do clima de ataque à institucionalidade democrática que está deixando uma série de direitos e garantias individuais feridos pelo caminho.

A leitura da decisão de Bretas mostra claramente que ali não havia fundamentos para uma prisão preventiva do ex-presidente, tendo o juiz preferido fazer proselitismo político barato, reforçando um enfrentamento insubordinado ao Supremo Tribunal Federal e um discurso fácil sobre a gravidade dos crimes de corrupção, coisa que ninguém nega.

Em primeiro lugar, a decisão sobre a prisão mais parece uma sentença. Nela, Sua Excelência Togada analisa “provas” do Ministério Público no âmbito do processo como se estivesse a lavrar uma condenação final de Temer quando o presidente é – na verdade - investigado em um inquérito.

Em segundo lugar, a decisão de Marcelo Bretas – em nenhum momento – aponta ação de Michel Temer que viesse a justificar a prisão preventiva. Sua Excelência deve imaginar que somos todos idiotas ao ponto de aplaudirmos essa banalização contumaz da prisão preventiva, que se tornou forma de prender pessoas sem devida condenação. Michel Temer tentou destruir provas? Tentou fugir? Tentou constranger testemunhas? Tentou embaraçar investigações? Quais foram os atos individuais de Michel Temer que justificam sua prisão preventiva? Nada disso está na decisão. Notem que Michel Temer é investigado, havendo um inquérito em curso, e não réu em uma ação penal, o que justificaria a análise por parte de Bretas das “provas” colhidas ao longo do inquérito policial.

O fato é que esse é mais um episódio em que se mitigam direitos e garantias individuais em nome de um estrelismo judicial que usa máscara de combate à corrupção. Escolhe-se a medida cautelar mais gravosa não como forma de garantir a ordem pública, mas com o objetivo explícito de constranger e ostentar troféus políticos, restando saber em busca da atenção de quem. Das redes sociais? Ou será que o objetivo é uma das duas cadeiras no Supremo Tribunal Federal que estarão disponíveis nos próximos anos?

Fato é que o que vimos hoje pouco tem a ver com o presidente Michel Temer. O que estamos assistindo é um juiz federal revidando contra decisões do STF. Não é à toa que Bretas dedica muito de sua decisão a falar que o suposto esquema nada tinha de eleitoral e que, portanto, não deveria ser encaminhado para a Justiça Eleitoral. Tudo isso uma semana depois do STF fazer cumprir a Lei e determinar a competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes conexos aos crimes eleitorais. Tudo isso após o vergonhoso fundão bilionário do MPF do Paraná ir para o saco. Ações específicas de Temer que justifiquem uma preventiva? Zero. Tudo baseado em uma delação homologada em 2017.

A decisão de Bretas beira o cinismo. Dedica muitas folhas para um discursinho sobre os efeitos nefastos da corrupção. Passa ainda mais tempo descrevendo o que chamou de “ORCRIM” e as “provas” colhidas ao longo do inquérito. E na hora de justificar a preventiva? Ah, nessa hora ele é bem sucinto e fala que com um simples telefonema é possível se transferir altos valores. Por essa lógica é possível mandar prender todo mundo. Além disso, traz o fato de uma das empresas não manter gravações de sistema de vigilância como forma de ocultar a presença de pessoas. Mas em que momento ele nos diz quais foram as ações documentadas de Michel Temer com o intuito de destruir provas, fugir do país, constranger testemunhas ou outros atos que viessem a legitimar uma preventiva? Em nenhum momento. Para isso ele usou basicamente um copia e cola do CPP como forma de dizer que estava determinando a preventiva como forma de garantir a ordem pública. Qual é o risco real à ordem pública que Michel Temer representa? O juiz não se deu o trabalho de nos dizer. Apenas disse que ele aparentemente é chefe de uma organização criminosa muito poderosa.

No nosso ordenamento jurídico a prisão é a medida mais gravosa. A prisão preventiva – que aliás não tem prazo – é a mais gravosa das medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal por se tratar da restrição da liberdade. Sim, liberdade. Lembram-se dela? Pois é. As garantias e direitos constitucionais são previstos não apenas para ficarem bonitos no papel. Há um sentido ali, que é a proteção dos indivíduos contra abusos estatais. Justiça é Estado, vale lembrar.

Não contem comigo para bater palma para esse tipo de violação nefasta e nojenta do direito de liberdade, do devido processo legal e do Estado Democrático de Direito. Eu sou liberal. Eu não apoio nem participo de linchamentos físicos ou morais. Isso eu deixo para os punitivistas que acham que a roda não gira.

Não contem comigo para bater palma para uma prisão preventiva sem embasamento legal para existir. Não achem que é normal um juiz decretar uma preventiva sem dizer em momento algum qual é a ação da pessoa que ele está prendendo que justifica a medida.

Não contem comigo para bater palma para juiz federal que quer bater de frente com decisão da corte constitucional meramente porque acha que isso interfere no seu projeto de país. O juiz decreta uma prisão sem fundamentos, logo ilegal, que posteriormente vai ter que ser reformada por um tribunal superior, muito provavelmente o STF. E aí? O que acontece? As hordas do punitivismo jacobinista de Lava Jato vão lá pedir CPI da Lava Toga (uma piada pronta) porque ministros do STF corrigem decisões absurdas tomadas nas primeiras instâncias. E nisso ataca-se – diariamente – o Supremo Tribunal Federal, que apesar de não ser perfeito é Poder fundamental da democracia.

Não vou dizer que Michel Temer é um preso político. Não é. Vou sim dizer que é vítima de uma arbitrariedade estatal e de um abuso de autoridade judicial. É urgente que instâncias superiores do Judiciário reformem a decisão absurda de Bretas, que não tem amparo na Lei. Que as investigações corram, que a denúncia seja apresentada (se assim o MP entender), que a denúncia seja recebida (se assim o juiz entender), que Temer tenha direito de apresentar sua defesa (o que não fez até aqui), que seja condenado (se houver provas para tal) e que possa recorrer no usufruto de seus legítimos e constitucionais direitos de plena de defesa e presunção de inocência. Devido processo legal se defende. Arbitrariedade se combate. Temer deve ser solto.

Matheus Leone é cientista político e editor-chefe da Vinte&Um

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Matheus Leone
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