Cartas anarquistas #1: Do anarquismo ao fascismo

Redação Vinte&Um
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5 min readJul 19, 2017
Pierre-Joseph Proudhon

Por Lucas Paes

Olá,

Buscaremos nesta série de textos versar sobre ideias de anarquistas individualistas, anarquistas pós-esquerdistas e pensadores próximos ao fascismo, bem como o seguinte — expressar nossas ideias sobre como alguns pontos no mundo moderno podem transcender suas atuais limitações — e também atacar ferozmente o fascismo, sem, no entanto, tomar um ponto de vista como o que a Antifa costuma tomar.

Porém, avisamos: esse é um texto com base em uma concepção pró-capitalismo. Exatamente por isso não nos identificamos com o anarquismo, mesmo o anarquismo que transcende o atual esquerdismo, ainda que creiamos ser um tema interessante de se tratar.

Do mesmo modo, cremos que devemos mostrar ligação com o que ocorre atualmente. Ora, o fascismo é atual. Os nazbol são atuais. O movimento Nova Resistência é atual. Por isso, vale conhecer as bases do movimento violento, bem como de ideias excelentes e muito contrárias, mas ainda assim relacionáveis, que são as desses movimentos anarquistas.

O anarquismo, que tem origem em Proudhon, um pensador político muito importante da França à época de Bastiat, sua contrapartida liberal, foi desenvolvido, por um lado, por Bakunin, que seguiria para um lado anarquista-coletivista e, por outro, por Max Stirner, assim como autores posteriores. Aqui nos focaremos em Stirner.

Stirner acreditava na supremacia do indivíduo frente à nação, classe e credo. Desse modo, focava na plena individualidade, na filosofia que ele chamaria de egoísmo, algo um quê distinto de um vício, sendo uma virtude por ser a plenitude do exercício do potencial humano. Após Stirner, um pensador que viria com essa lógica foi Nietzsche, focando na ideia de transcender um niilismo passivo, que seria característica do mundo moderno para atingir um niilismo ativo, uma era de superação do momento de falta de Moralidade e submissão que a nossa civilização chegou, para enfim o sujeito poder afirmar a sua própria compreensão de ética e basicamente conduzir o mundo de sua própria maneira[1], uma criação de algo que transcende o que Nietzsche chama de o homem (Mensch) e vai para uma nova etapa, o Übermensch (super-homem) — a etapa de niilismo ativo. Essa ideia foi ajudar, dentre outros aspectos, na concepção de Dostoiévski de Revolução Conservadora[2]. Ela se encaixava com sua teoria de que dever-se-ia buscar a bondade no ser humano, transcender através de se compreender o sofrimento do outro para, desse jeito, conseguir atingir um estado superior. É uma maneira interessante de se exercer o potencial de Übermensch, pois assim você consegue, através da compreensão do outro, transcender sua situação de ego isolado e compreender a existência.

A superação da situação de negação existencial moderna ecoaria ainda mais longe, vindo a gerar depravações muito grandes[3]; uma dessas depravações, talvez de longe a mais forte, deve ser o fascismo. No texto seguinte falaremos dela mas, aqui, ainda citaremos alguns pensadores que, contudo duvidosos, ajudaram a contribuir para o desenvolvimento disso.

Heidegger é um que pegou ideias muito nietzscheanas em sua fenomenologia, definindo a liberação existencial que haveria na arte, por exemplo, como um processo de destruição — decerto uma destruição criativa. Ernst Jünger, um autor que gosto muito, também buscava por e clamava pelo niilismo ativo, visando o colapso da civilização moderna, também uma destruição criativa, através da ideia dos anarcas, sujeitos que buscariam o poder de si próprios, o autoconhecimento, algo voluntário e autorreferente. Algo muito bom de Jünger é sua aproximação com a ficção científica, gênero que aprecio muito[4]. Porém, dentre esses autores duvidosos que ajudaram na consolidação das ideias nietzscheanas, um que não poderia jamais faltar é o ainda mais controverso Julius Evola.

Evola foi um autor muito importante no meio daqueles buscando o colapso da civilização e o desperto da nova era do Übermensch, o sujeito universal[5]. Ele foi um importante ocultista e um destacadíssimo autor ocidental na busca do autoconhecimento, tendo estudado extensivamente filosofias orientais e sido um grande estudioso ocidental do hinduísmo e do budismo, além de, para mim, também ser uma importante referência para compreender esses conhecimentos. No entanto, Evola era alguém que se usava de conceitos estranhos como a dedicação sacrificial e a supremacia masculina, características de um sistema repressor. Ele, na verdade, era um autor que defendia ideias de um caminho em que essas ideias eram adequadas[6] e, junto a elas, se adequavam ideias como o racismo, o antissemitismo e manifestações da violência, para, em seu ponto de vista, estabelecer uma hierarquia natural supostamente sagrada do sujeito supremo sobre as multidões. Esse modo, opressor e repressor de se lidar com a natureza, se encaixaria muito bem com seu modo de lidar com a política, através do fascismo.

O fascismo tem como sua principal característica a violência. Com base nela, todo e qualquer sistema político fascista, do nazista ao eurasiano, passando pelo eco-fascismo e pela alt-right, se constitui. Ainda assim, não é a violência a principal definição do fascismo. Tentar localizá-la é o que faremos no próximo texto.

Notas

  1. Algo que, em minha interpretação, seria não uma negação da tradição aristotélica, mas sim uma afirmação da moralidade anterior em um novo momento histórico no qual a comunidade não era o cérebro coletivo, tal qual em uma situação pré-afirmação individual, pré-modernidade, e sim, agora, uma situação em que se exigiria a afirmação subjetiva para não decair — ou seja, não entrar em uma situação de excessivo uso do pensamento e pouca sensibilidade. Sim, aqui tomamos uma posição contrária a pensar demais. Uma interpretação que bem pode valer para a tradição subjetivista como um todo.
  2. A revolução conservadora é, de certo modo, a ideia de superar as coisas olhando a tradição e o que de bom veio antes. Acho uma boa ideia.
  3. Bem como ser caminho para coisas gloriosas que ainda estão por vir, mesmo que já se tenham iniciado.
  4. E que traria referências posteriores nessa área, como o próprio Superman da DC e o Dr. Manhattan do Watchmen, mas também como, a meu ver, o conto “The Last Question” de Isaac Asimov e as vastas referências de alienígenas capazes de coisas que deixam os humanos muito abaixo.
    Aqui entra também a minha manifestação quanto ao transumanismo, que considero bastante positivo, mas, em verdade, nada de novo: a meu ver, técnicas milenares também ajudam a transcender a condição humana para um estado superior, como o yoga, não sendo necessária a interferências de nanorrobôs nos cérebros para conseguir isso. Ainda que coisas assim venham a ajudar.
  5. Evola chama de “Indivíduo Universal”. Mas estou adaptando o termo aqui para algo que creio fazer mais sentido mesmo.
  6. Creio que, podemos dizer, o “caminho da mão esquerda”, no esotericismo.

Lucas Paes é estudante de Direito na UFRGS.

Este é o primeiro de cinco textos da coletânea Cartas anarquistas, escrito por Lucas Paes. As publicações ocorrerão às quarta-feiras.

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