Cartas anarquistas #3: O Anarquismo Pós-Esquerda

Redação Vinte&Um
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3 min readAug 2, 2017
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Por Lucas Paes

Esta é a definição da pós-esquerda que tomo para mim: teoria que envolve a antecipação escatológica do colapso da civilização por uma transcendência, acompanhada por uma síntese de individualismo e coletivismo[1] que rejeitasse posições políticas tradicionais em favor de uma conexão profunda com a terra e comunidades mais orgânicas, tribais em oposição ao humanismo, à tradição do Iluminismo e a democracia.

Essa ideia surgirá de uma crítica à esquerda e à direita buscando favorecer verdadeiramente as liberdades subjetivas. Eles criticavam o centrismo também[2]; traçam suas origens de um meio próximo muito do movimento insurrecionista — movimento esse que questionava (e que bom que questionava) os comportamentos padrões da esquerda como o autoritarismo soviético, positivando, como fez Camotte, a ideia de ir para o mato[3]. A seguir, viria o movimento pós-situacionista, que faria uma crítica ao altruísmo, ligando a ganância egoísta com a síntese de identidade e bem-estar sociais. Um texto ligado a isso seria reimpresso por um certo Bob Black, que, junto com Hakim Bey e John Zerzan, se tornaria figura central no movimento pós-esquerdista.

John Zerzan, anarco-primitivista, baseado muito em Heidegger, buscava um retorno para as relações autênticas entre humanos e o mundo não-mediado pelo pensamento simbólico. E, assim como Zerzan, Hakim Bey, autor envolvido com o espiritualismo, defenderia o retorno a uma forma mais tribal de relacionamentos sociais e desenvolveria a ideia de Zona Autônoma Temporária (TAZ), um espaço liberado e, sim, erotizado de poiese. Bob Black seria também figura importante no movimento pós-esquerdista através de sua teoria de rejeição do trabalho, teoria essa crítica daquela de Murray Bookchin[4], anarquista tradicional, a nosso ver ainda ligado ao autoritarismo. Black traçava sua crítica a partir da crítica à civilização de Zerzan, bem como de Stirner e Nietzsche. Igualmente, no texto de 1991 sobre a TAZ, Hakim Bey reverencia ostensivamente a ocupação de Fiume feita por D’Annunzio. Essas referências podem ser e são positivas, porém ainda haveria na pós-esquerda a aproximação, em pontos, da violência fascista.

A referência a Artaud e Bataille, artistas famosos que cultivaram valores como a violência e a irracionalidade, era uma delas; Bataille inclusive dizia que o fascismo levaria a formas mais altas e elevadas [da existência]. Juntamente a isso, nos pináculos da pós-esquerda está um conceito de opor suas ideias de comunidades orgânicas e tribais ao humanismo, à tradição do Iluminismo e a democracia (que também é um ponto que será questionado mais tarde).

Essa dose de obscurantismo será associada também na pós-esquerda ao ressurgimento do fascismo após a 2ªGM. Muitos rejeitaram Hitler e buscaram voltar ao nacional-sindicalismo, se mantendo, portanto, fieis à violência, buscando deploravelmente libertação frente à OTAN e ao liberalismo multicultural. Eles, no entanto, não se contiveram somente aos seus meios tradicionais, se inserindo em meios mais liberais. Se usando tanto da antiga ecologia do “sangue e solo” quanto do movimento verde que crescia, desenvolveram a ideia de etno-pluralismo, que, apesar de, a nosso ver, ser válida, é uma ideia que também contém uma crítica desnecessária. Mais adiante nos aprofundaremos nisso, porém, antes, no próximo texto, vamos mencionar alguns conceitos que correm por fora dessas teorias.

Notas

  1. Algo que creio que poderia funcionar mas que teria de transcender as terminologias de ambas as tradições. Os individualistas teriam de aceitar uma proporção, para mim minúscula, de coletivismo, enquanto que os coletivistas teriam de aceitar (como razoavelmente já aceitam, mas bem mais) uma dose cavalar de individualismo. As proporções que creio são mencionadas em um próximo texto.
  2. Ainda assim, se aproximavam de pontos de vista centristas. Ok que, ainda assim, a crítica ao sistema esquerda-direita é válida mas considero inegável que há aproximações.
  3. Um comportamento meio Thoreau.
  4. Bookchin havia acusado os anarquistas pós-esquerdistas de serem “anarquistas de estilo de vida”, de apenas brincarem de serem anarquistas, portanto.

Lucas Paes é estudante de Direito na UFRGS.

Este é o terceiro de cinco textos da coletânea Cartas anarquistas, escrito por Lucas Paes. As publicações ocorrerão às quarta-feiras.

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