Cartas anarquistas #5: Câmbio, desligo

Redação Vinte&Um
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7 min readAug 16, 2017
Internet/Reprodução

Por Lucas Paes

Críticas

A primeira de minhas críticas ao movimento anarquista-individualista/pós-esquerdista é o anti-capitalismo. O mercado se prova em todas as experiências atuais como a melhor solução[1] e, ainda que ele não fosse resolver uma situação extrema como uma invasão alienígena, ele, em todos os países e comunidades onde é aplicado hoje em dia se prova a resposta correta. Outro ponto muito questionável é o xeque ao Iluminismo e ao humanismo. Ainda que sejam quintessencionalmente a modernidade, que está em crise e por isso cremos ser ela algo a superar — a superação não é a destruição absoluta do que veio antes, e sim um aprendizado com esse período. Pode ser uma decadência do poder essencial do sujeito, sim; no entanto, ainda assim foi em aspetos como o racional um desenvolvimento que superou o da idade média de longe e se comparou nisso aos melhores períodos da história humana.[2][3]

Também podemos criticar a ausência de estética na política. Uma política bonita é algo que faz falta. Não existe problema existencial em ações de Estado — ainda que se questione o valor de existência dele — serem belas, na política em si ser bela! Bela, cuidada e elegante. É assim que eu creio que ela deveria ser[4].

Outro ponto é o controle das imagens de força. Como mencionado anteriormente no texto, imagens como as piratas poderiam ser usadas na política. O partido pirata usa um pouco, mas poderia ser muito mais. Por que não se pode mais usar uniformes na política? Só porque os fascistas usavam? Nem precisa ser uniforme militar, mas algo como as roupas dos sikhs — a adaga ritual, por exemplo. A própria identidade do “me ne frego” seria algo excelente para um político, e mais ainda para toda uma população, niilista ativa — e ela, por ser isso, e não um monte de monstros violentos, não se usaria de uma estética e identidade assim para atacar crianças, por exemplo.

Uma outra coisa é que, diferentemente do que o movimento anarquista pós-esquerda prega, uma conexão profunda com a terra e comunidades mais orgânicas, tribais não precisa ser posta em oposição à democracia. Ainda que a democracia, a meu ver, não seja a melhor forma de resolver algumas questões e nem eu a considerar o mais perfeito modo de resolver as questões políticas, ela é ainda assim muito válida.

Um aspecto do passado de Novatore que muitos criticariam é que ele foi quase um criminoso comum, tendo se envolvido em situações criminais. Porém, sua filosofia supera isso e, com certeza, mesmo que esses atos devam ter influenciado seu pensamento, nem por isso é criticável o sistema de ideias dele.

O fascismo, como dizia Novatore, é força bruta; ele não tem espírito. Ele é nesse sentido prova de ser o contrário do niilismo ativo. É violência, justamente por não ter espírito. E não tem espírito porque defende o uso da irracionalidade de verdade, prova concreta pela quantidade de brutalidades que fizeram, algo que não iluminou ninguém e nem tornou a humanidade nada melhor.

E vale desenvolver a ideia de uma contrariedade ao movimento deles… um left-libertarianism. O left-lib é o oposto do neo-fascismo do duguinismo. Um partido que envolva isso pode representar bem a cabeça de uma luta contra o duguinismo. Se algum radical ganhar em 2018, os fascistas vão crescer, e daí um movimento contrário vai precisar lançar sua própria candidatura, ou iremos todos morrer sob as botas deles. Macron x Le Pen, mas razoavelmente mais além.

Cremos ser na interação da raça humana a maior capacidade do exercício das liberdades de cada um — cremos que para a melhor realização da plenitude humana devemos garantir, de um modo muito semelhante como os supremacistas brancos querem para sua raça — mas para todos: um futuro para crianças humanas[5]. Ainda assim, aceitamos grupos que se isolem, mesmo que consideremos isso uma falta de exercício do potencial. Cremos, também, que, apesar do egoísmo ser a principal motriz do ser humano, um por cento[6] de nossa dedicação — em teoria 1%, mas na prática quase sempre — deve ser dada para os outros, assim fazendo um equilíbrio próximo do que entendemos que se busca no anarquismo pós-esquerda.

Conclusão

Tentamos, nesse texto, desenvolver ao máximo as questões que se podem levantar estudando esses temas. Quisemos mostrar as origens do anarquismo pós-esquerda e, de certo modo, do fascismo; quisemos salientar pontos que geralmente são considerados como inatos de um sistema violento (como o fascismo) que na verdade não são, bem como quisemos dividir com intuito de repelir as influências verdadeiramente fascistas do meio pós-esquerda — e, ainda assim, criticá-los, mesmo que superficialmente. Tentamos colocar expressamente o ponto de vista pró-capitalista e, ainda que não tenha sido referido dessa maneira, liberal, sobre esses assuntos.

Fizemos isso com a finalidade de mostrar que, enfim, a liberdade toma muitas formas e que uma das mais inclusivas é aquela derivada do niilismo ativo nietzscheano, mesmo que tenha sido muito maculada por gente ligada ao uso indiscriminado da violência por pessoas servas dela, para, assim, mostrarmos um caminho que poderia libertar quem assim quisesse. Isso, claro, sem economizar referências simbólicas que de fato teriam tudo para funcionar para o empoderamento humano. Igualmente, mostrar situações que um ser humano pode encontrar a liberdade fática — tal qual a TAZ — para servir de índice para buscas futuras, sem se deixar cair no mundo de papel que é a modernidade, para assim, mais seres humanos libertos poderem finalmente existir. Queremos, além disso, referenciar também um texto que serviu de base para este, “The Left-Overs: How Fascists Court the Post-Left”, de Alexander Reid Ross, publicado em https://antifascistnews.net/2017/03/29/the-left-overs-how-fascists-court-the-post-left/, para quem se interessar mais no tema — inclusive, há outros textos de assuntos semelhantes mencionados lá.

Referências

Para leituras posteriores, recomendamos tanto os verbetes da Wikipédia — de preferência, em idioma inglês — quanto o site orionsarm.com e os seguintes livros, os quais influenciaram, seja mais ou seja menos, no conteúdo desse texto:

  • Ernst Jünger — Eumeswil
  • Fréderic Bastiat — A lei/ The Law
  • Friedrich Nietzsche — Assim falou Zaratustra
  • Friedrich Nietzsche — Humano, demasiado humano, v. 1 e 2
  • Hakim Bey — T.A.Z. — The Temporary Autonomous Zone, Ontological Anarchy, Poetic Terrorism
  • Hans-Georg Gadamer — Verdade e Método, v. 1 e 2
  • Isaac Asimov — A última questão
  • John Zerzan — Futuro primitivo
  • Julius Evola — Le yoga tantrique: sa métaphysique, ses pratiques
  • Julius Evola — Ride the Tiger: Survival Manual for the Aristocrats of the Soul
  • Julius Evola — Men Among Ruins
  • Martin Heidegger — Carta sobre o Humanismo
  • Martin Heidegger — El ser y el tiempo
  • Max Stirner — O único e a sua propriedade
  • Mestre DeRose — Eu me lembro…
  • Peter Lamborn Wilson — Utopias piratas
  • Pierre-Joseph Proudhon — A filosofia da miséria
  • Renzo Novatore — Toward the Creative Nothing

Notas

  1. Por um motivo simples, porque cremos que uma renda distribuída de acordo com o quanto se interage com o mundo é o mais justo, pois vemos o mercado como a melhor forma distribuição de renda. Isso ocorre pela seguinte razão: enquanto que socialistas, como Proudhon, buscam acumular toda a riqueza em alguma entidade — o Estado, como por exemplo para os marxistas, ou a Comunidade, para os mutualistas/proudhonianos — os pró-mercado creem nele, que seria a direta ação da distribuição de renda, como mais rápida e eficiente. E é o que cremos, por uma questão de lógica — mais vale distribuir direto do que acumular para distribuir. E, aqui, um ensejo: por que preferimos Capitalismo a um Socialismo de Mercado, por exemplo? Porque o Capitalismo é mais direto. O socialismo de mercado poderia até liberar a economia, porém, e todo o resto? Se há alguma diferença entre Capitalismo e um Socialismo que aceite o Mercado, só pode ser esta — que, no socialismo de mercado, se controlaria todo o resto das dimensões da sociedade, menos a economia… e o Capitalismo a abriria.
  2. Uma época em que Mme. Blavatsky compararia a Atlântida e Lemúria em seu entendimento místico mas que nós, humildemente, comparamos apenas à civilização pré-ariana da Índia.
  3. Igualmente, cremos que o melhor jeito de alcançarmos um período de pleno potencial humano não é nem de perto tentar forçar um retorno à ‘ignorância bondosa’ à moda medieval e nem tentar recuar para um passado (mesmo que bom), pois seria um caminho árduo e verdadeiramente bizarro; cremos ser o melhor e mais natural superarmos a modernidade através de darmos vida a ela. De racionalidade, de mente, ela está bem; ela precisa de padrões mais sutis, poderes que só um Übermensch de verdade poderia ter, para assim termos uma pós-modernidade adequada como ela de fato deve ser, e não algo “posmo”. Poderes esses que o nazismo buscou atingir através de violência e não raro da irracionalidade (que não é o sinônimo da superação da racionalidade, e sim a fase antes dela), visível na filosofia de Evola, porém que são muito mais facilmente alcançáveis através dessa sensibilidade.
  4. E como agiremos na política se entrarmos.
  5. E aqui, por humanas, não estamos desconsiderando eventuais alienígenas, uplifts animais, robôs ou computadores — e, sim, aquela identificação existencial com a raça humana. Na verdade, uma identificação baseada na racionalidade — e naquelas dimensões mais profundas que tratamos com o conceito de Übermensch, por exemplo.
  6. E aqui está a proporção que creio. Justamente isso — com 99% para o individualismo (egoísmo).

Lucas Paes é estudante de Direito na UFRGS.

Nota do editor: É com muita alegria e pesar que nos despedimos das Cartas anarquistas. Como se sabe, foi a nossa primeira coletânea. Estamos orgulhosos dela, mas, também, ficamos com gostinho de “quero mais”. Nos vemos na próxima, Lucas! E obrigado pela confiança!

Bruno De Blasi

Este é o quinto de cinco textos da coletânea Cartas anarquistas, escrito por Lucas Paes. As publicações ocorrerão às quarta-feiras.

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