Casamento Real de Harry & Megan — A perspectiva de uma Latina

Fernanda Fernandes Reis
Vinte&Um
Published in
3 min readDec 1, 2017

Eu nunca me percebi como uma latina até o dia em que uma inglesa se referiu à minha pele como “marrom”. Isso porque no dia anterior um Francês disse pensar que eu fosse africana. E ainda assim era quase como se eu achasse que eles tinham problema de visão (quando a cega de verdade era essa que vos fala).

As pessoas no Brasil tem diversas reações quando conto essas histórias. Algumas acham engraçado a percepção dos europeus, outras ficam indignadas. Porquê?

Eu nasci, cresci e atualmente ainda moro no Brasil. Consigo facilmente admitir que eu nunca me percebi como latina, miscigenada ou parda em toda a minha vida aqui.

Ano passado viajei pela primeira vez para a Europa: conheci a Suécia e a Alemanha. Certamente notei o quão brancas as pessoas me pareciam, foi como se a minha noção de branco tivesse sido atualizada. Mas como eu não conhecia nenhum nativo, não obtive a perspectiva do outro.

Este ano fui estudar em uma cidade no sudeste da Inglaterra, perto de Londres. Mais uma vez fui tomada pela percepção de que as pessoas eram muito mais brancas que eu. O fato, desta vez, me causou muito mais curiosidade, espanto e sentimentos desconhecidos. É como se de alguma forma eu nunca tivesse percebido que os brancos europeus não são só os descendentes anglo-saxões, mas são em geral a maioria dos europeus.

Isso se tornou uma pequena obsessão minha: eu analisava a cor de todas as pessoas que conhecia ou passavam por mim e dia após dia comecei a me perceber mais escura do que antes. Cheguei a jurar que estava bronzeada por andar para a escola todos os dias. E quanto mais eu me percebia escura, mais difícil era acreditar que a pessoa que foi grossa comigo, o foi por estar em um dia ruim, e não pela origem que meus traços insistem em dedurar.

“Sofri racismo em Londres.” Porque as pessoas se chocam tanto quando conto?

Arrisco dizer que por ser identificada como branca no Brasil, os brancos no geral me identificam como um deles e não percebem como minha pele é mais escura. Isso é algo que um europeu já perceberia mais por conviver com pessoas de fato brancas no seu dia a dia.

Eu voltei mais escura para o Brasil neste ano. Voltei e continuei reparando na cor de todos o tempo todo. Voltei, mas minha antiga percepção das reclamações do movimento negro mudou. Eu entendo que eles não me reconheçam como um deles: no Brasil, “branco” não é branco. “Branco” é branco, amarelo ou marrom claro com traços finos.

O ponto é: nunca na minha vida me senti tão impotente pela mensagem que meu corpo passa, minha cor passa. Nunca entendi de fato o que lia nas redes sociais sobre racismo no Brasil. Nunca me senti tanto na pele de nossas negras e negros, pretas e pretos, brasileiros ou não.

E então o Príncipe Harry, o ruivo mais desejado do mundo, noiva com uma de nós. Nós, seguidas por seguranças nas lojas que entramos. Nós, quase sempre sentadas sozinhas nos bancos dos metrôs porque preferem ficar em pé à sentar do nosso lado. Nós, latino americanas, negras, marrons. Nós, nós!

De alguma forma é como se tudo fosse mudar com este casamento, ainda que nada mude de fato. É como se na tentativa de me sentir mais forte, eu ainda procure pelo aval da família real mais famosa do mundo. Mas hoje eu só quero pensar que as coisas vão melhorar. E que elas melhorem o mais rápido possível, lá e aqui.

--

--