Como não morrer andando de bicicleta no trânsito do Rio de Janeiro

Daniel Duque
Vinte&Um
Published in
3 min readSep 14, 2017

No dia 17 de Março de 2012, Thor Batista, filho do ex brasileiro mais rico do país, atropelou em alta velocidade o ciclista Wanderson Pereira dos Santos, que acabou morto na mesma noite. O julgamento referente ao caso tornou-se mais um dos tantos exemplos da desigualdade institucionalizada no sistema judiciário brasileiro, com nenhuma punição maior a Thor.

Um caso de menor repercussão aconteceu ainda no final de 2016, quando a ciclista Julia Resende de Moura se desequilibrou em um bueiro na rua São Clemente e foi atropelada por um ônibus. O motorista, acostumado com os solavancos do Rio de Janeiro, nem ao menos percebeu que tinha acabado de tirar uma vida. Julia estudou no mesmo colégio que eu, era moradora do Santa Marta e estudava para fazer medicina, com o sonho de entrar para o Médicos Sem Fronteiras. Eu vi o seu corpo estirado no chão quando passava de bicicleta pela mesma rua, a caminho do meu trabalho.

O Brasil é um dos países com a maior taxa de acidentes de trânsito no mundo. Não há estatísticas precisas de atropelamento de ciclistas — e não é meu papel de economista aqui apresentar estimativas imprecisas — , mas posso ao menos dar meu depoimento pessoal do que é ser um ciclista que se desloca diariamente nas ruas do Rio de Janeiro.

Desde que comecei a morar sozinho, alguns gastos, como de transporte, começaram a pesar no bolso, de modo que decidi me locomover para o mestrado e eventuais trabalhos exclusivamente de bicicleta. Com decisão, passei a correr risco de vida todos os dias, espremido no meio fio por carros e ônibus pouco atentos à minha presença, tendo por vezes que desviar de pedestres observando apenas os carros, e tendo que me preocupar se algum táxi à minha frente frearia bruscamente para pegar ou deixar um passageiro — meus dois únicos acidentes com um carro foram não coincidentemente com táxis.

O trânsito no Rio de Janeiro e no Brasil, como todos sabem, é uma guerra, e provavelmente não há pior posição para se estar nessa guerra do que a de um ciclista. Primeiramente, quem anda de bicicleta já paga mais em impostos pelo seu meio de transporte, proporcionalmente ao seu valor de mercado. Depois, tem que encarar a grande insuficiência de qualquer infraestrutura urbana para se locomover ou estacionar sua bicicleta — o que é ainda muito pior para quem mora fora da Zona Sul, como eu. Por fim, precisa se arriscar diariamente nas ruas da cidade com carros, motos e ônibus muito mais letais que ele ou ela.

Paradoxalmente, há diversos estudos que mostram os diversos benefícios sociais associados a escolher a bicicleta como meio de transporte: menos trânsito nas ruas, menor poluição, e muito menor barulho nas vias urbanas. Apenas essas três mudanças seriam capazes de reduzir drasticamente o desperdício de tempo dos trabalhadores e estudantes presos nos engarrafamentos, além de melhorar sensivelmente os indicadores de saúde relativos a estresse e doenças respiratórias.

Não deveria haver, portanto, meio de transporte individual mais incentivado do que o ciclismo. Esse é o caminho seguido por diversos países europeus, por exemplo, que apresentaram grandes melhoras na mobilidade urbana após fortes investimentos pró ciclistas. No Brasil, no entanto, escolher a bicicleta não é apenas desincentivado, como também é um risco de vida diário. Sem uma profunda reflexão e transformação da malha urbana, continuaremos a viver em uma guerra no trânsito que nos tira tempo, dinheiro e vidas pelo resto de nossos dias.

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