De 40 a 5000. Como a nota de Promotores a favor da prisão em 2ª Instância arrebatou apoio entre promotores e juízes.

Bruno Henrique de Moura
Vinte&Um
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5 min readApr 1, 2018

“Rapaz, eu pensei que seriam só umas 30 (assinaturas)”, confidenciou ao repórter um dos organizadores da nota técnica divulgada por promotores, e ratificada por juízes, há menos de uma semana do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do Habeas Corpus preventivo do ex-presidente Lula.

O plano dos organizadores é entregar pessoalmente, e em mãos, a nota com as assinaturas aos 11 ministros do STF nesta segunda-feira (02/4) a partir das 14 horas, horário marcado entre eles. Caso algum ministro não esteja no tribunal neste horário, os promotores e juízes deixarão nos gabinetes o manifesto.

A nota é uma pressão de promotores, procuradores, magistrados, desembargadores e até ministros de tribunais contra uma nova mudança de entendimento pelo STF a respeito do momento cabível a prisão de condenados judiciais que estejam recorrendo em liberdade. O estopim para o Supremo retomar a discussão sobre o assunto se deu com a pressão política decorrente da condenação em segunda instância do ex-presidente e pré-candidato à presidência, Luís Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

O TRF-4 adota como praxe autorizar a prisão de condenados em segunda instância e que não tenham mais recurso no tribunal, como é o caso de Lula. Caso o Supremo mantenha o entendimento em voga no julgamento de quarta-feira (04/4), o juiz Sérgio Moro deve decretar a prisão de Lula no mesmo dia ou no seguinte.

A grande questão que os promotores e juízes apresentam é o impacto em outros casos com a nova mudança de entendimento. Eles afirmam, inclusive na nota, que “a mudança da jurisprudência, nesse caso, implicará a liberação de inúmeros condenados, seja por crimes de corrupção, seja por delitos violentos, tais como estupro, roubo, homicídio etc.”

SURGIMENTO DA NOTA

Concebida na noite de quarta-feira (28/3) num grupo de WhatsApp com promotores de todo o Brasil, a nota é fruto de um rascunho do Promotor do Distrito Federal, Renato Barão Varalda.

Mestre em ciências criminais pela Universidade de Lisboa, Varalda estudou no mestrado a restrição ao princípio da presunção de inocência no controle do crime organizado, exatamente um dos pilares que sustentam a argumentação da nota.

Se o texto era, no princípio, uma espécie de resposta à nota da Associação Juízes para Democracia (AJD), que defende a revisão do atual entendimento do STF que permite a prisão em segunda instância, agora se transformou num manifesto nacional de promotores, procuradores, juízes e até ministros de cortes superiores contrários à revisão de entendimento pelo Supremo.

Se os membros da AJD afirmam que “a tentativa de supressão da garantia mencionada (prisão apenas após o término da análise da última instância) encontra-se dentro de um perigoso contexto de relativização de direitos e garantias fundamentais, tendência que busca se perpetrar com o desígnio ilusório de, no caso, diminuir a impunidade”, o grupo independente diz que “se o direito constitucional e processual, ao perseguir determinados fins, admite constrições entre os princípios, se há elasticidade na própria dignidade humana,não é menos admissível a restrição do princípio da presunção de inocência, cuja aplicação absoluta inviabilizaria até mesmo o princípio da investigação e da própria segurança pública”.

Na manhã de quinta-feira (29/3) os criadores da nota começaram a recolher apoio entre promotores de todo o país. Alguns juízes, sabendo do movimento, passaram a subscrever o documento e ajudar a divulgar a proposta.

Na sexta-feira (30/3) de manhã, quando a imprensa divulgou o plano, eram em torno de 250 assinaturas. Na noite de domingo (1/4), mais ou menos 60 horas depois, 4.000 já subscreviam o mesmo documento no google docs. Às 11 horas de segunda-feira (02/4) já passavam das 5.000. As 21 páginas, incluindo assinaturas, da sexta-feira transformaram-se em 160.

De nomes conhecidos do públicos a outros nunca ouvidos, a nota apresenta assinaturas como a de Rodrigo Janot, último Procurador-Geral da República e responsável por duas denúncias criminais contra o presidente Michel Temer, Deltan Dallagnol, membro da força tarefa da Lava-Jato em Curitiba e conhecido pelo PowerPoint com acusações sob o ex-presidente Lula, das procuradoras da Lava Jato, em São Paulo, Thaméa Danelon e Anamara Osorio, dos procuradores José Augusto Vagos e Sérgio Luiz Pinel Dias, da Lava Jato, no Rio.

Outros nomes menos conhecidos, mas de peso também assinaram a nota, como dos ministros substitutos do TCU André Luís de Carvalho e Augusto Sherman Cavalcanti e do Subprocurador-Geral da República Nicolao Dino, que foi preterido por Raquel Dodge quando o presidente Michel Temer escolheu dentre a lista tríplice dos procuradores, o substituto de Janot. Dino venceu a votação entre os procuradores, responsáveis por votar em três nomes a serem apresentados ao presidente, que escolhe qual entre os mais votados apresentará para sabatina e votação do Senado.

Dino também notabilizou-se por pedir a suspeição do ministro Admar Gonzaga na votação da cassação da chapa Dilma/Temer no TSE por abuso de poder econômico e política na eleição de 2014. Representante do MPF na corte naquela ocasião, o procurador teve bate-boca com o ministro Gilmar Mendes que ficou irritado com o pedido de suspeição.

Outros nove subprocuradores assinaram a nota, além 49 desembargadores de diversos tribunais do país, do Procurador-Geral de Justiça Militar, Jaime de Cássio, e do presidente do TJDFT, Mario Machado Vieira Netto.

ARREBATAMENTO

A reportagem conversou com promotores, sub-procuradores e juízes que assinaram o manifesto. O argumento geral apresentado concentra-se na repercussão que uma decisão do STF gerará.

Um subprocurador, que pediu para não ter o nome divulgado, diz que a classe está preocupada com os efeitos na violência. “Estamos preocupados com a impunidade. Eu, pessoalmente, com a criminalidade violenta. Nós estamos fiscalizando a intervenção no Rio e vamos ficar indignados de ver condenado em segundo grau solto.”

Um juiz que trabalha na vara de entorpecentes confidenciou que “se essa decisão vier, vamos ter de soltar gente debaixo, mas também traficantes importantes ligados a facções criminosas”.

Todos foram unânimes em afirmar que a nota despertou um sentimento guardado em vários magistrados e procuradores que estão desapontados com o rumo que essa decisão do Supremo possa a vir tomar.

Se a pressão de, em torno, cinco mil membros do judiciário e ministério público vai funcionar, só se saberá na quarta-feira após o julgamento do Habeas Corpus de Lula.

Bruno Henrique de Moura é Jornalista e Estudante de Direito. Foi repórter de política e direito econômico no JOTA e coordenador de comunicação do DCE-UnB.

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Bruno Henrique de Moura
Vinte&Um

Jornalista, estudante de direito e liberal. Foi repórter de política e direito econômico no JOTA. É coordenador jurídico e de comunicação do DCE-UnB.