Fetichismo em números: juventude e suas taras

Uma breve investigação acerca dos fetiches entre meus seguidores no Instagram.

Matheus Leone
Vinte&Um
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20 min readFeb 19, 2018

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Ao iniciar este novo texto, gostaria — primeiramente — de tecer alguns comentários acerca das motivações e sentimentos envolvidos na feitura desta série. Como a maioria de vocês deve saber, sou cientista político de formação e tenho na política o meu objeto não apenas de estudo, mas também de trabalho. Vivo a política diariamente, e faço política há pelo menos 8 anos, escrevendo majoritariamente sobre ela.

O que me levou, então, a fugir de um tema que me é tão familiar para buscar investigações em uma área tão distante da minha?

Inicialmente foi a curiosidade pessoal que tenho acerca do fenômeno dos Nudes. O envio de fotos nuas para outras pessoas sempre foi motivo de graça e discussões nos círculos sociais que frequento. As discussões, apesar de serem jocosas, continham um certo fundo de verdade teórica e psicológica que foram aos poucos se amontoando em uma verdadeira dúvida intelectual. Foi então que — investigando a questão junto aos meus seguidores no Instagram — julguei pertinente enfim colocar minhas opiniões sobre o assunto no papel.

Esse era o objetivo, em princípio. Eu não imaginava a repercussão do texto em questão (que foi modesta, mas ainda maior do que estou acostumado) e muito menos que haveria pedidos para que as investigações prosseguissem nos demais temas da sexualidade humana.

Vi-me, de maneira pessoalmente cômica, escrevendo sobre sexo — coisa que nunca foi tema das minhas elucubrações textuais. Vi-me, mais ainda, indo até a teoria psicanalítica freudiana para entender cada vez mais sobre a questão e tentar fazer discussões um pouco mais profundas. Não me recordo de sequer ter me interessado por Freud antes disso. Esse esforço desembocou em outros textos, que abordaram pornografia, masturbação, sexo e sexo oral:

Eis que chegamos aqui, em mais um texto, em mais um tema. Desta vez, fetiches. De pronto cabe lembrar que o tema fora abordado tangencialmente em vários dos outros textos, especialmente nos relativos a pornografia e sexo. Isso tem um motivo óbvio: os fetiches fazem parte da vida sexual das pessoas, em maior ou menor grau. Não é de se surpreender, por exemplo, que a busca de conteúdo pornográfico por parte das pessoas se dê na forma da satisfação dos seus fetiches.

No texto sobre pornografia, por exemplo, 52% dos que participaram da enquete afirmaram que — quando acessam pornografia — o fazem buscando algo específico (um fetiche ou um determinado gênero) enquanto os 48% restantes acessa conteúdo de forma geral.

Já no texto sobre sexo abordei uma série de fetiches que agora retornarão como objetos deste texto. Lá tratei de sexo em local público; ser assistido transando; assistir outras pessoas transando; Swing; sexo em grupo; ménage à trois; e BDSM.

Não haveria, pelo menos em princípio, uma necessidade de um texto que viesse a abordar especificamente a questão dos fetiches, mas fui levado a crer por vários leitores que tal investigação se fazia necessária.

E, afinal de contas, o que é um fetiche? Para responder essa questão temos que voltar, obrigatoriamente, a Freud. O autor aborda a questão ao falar das aberrações sexuais em seus Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (2016), mais especificamente no que chama de “desvios relativos à meta sexual”. A meta sexual normal, para Freud, é “a união dos genitais no ato denominado copulação, que leva à resolução da tensão sexual e temporário arrefecimento do instinto sexual” (p. 40). Ou seja, o normal do ponto de vista da meta sexual é o que poderíamos chamar de sexo tradicional, se é que tal termos é suficientemente relevante.

Os fetiches para Freud seriam, portanto, um substituto inapropriado do objeto sexual, com uma substituição desse objeto por um que tem certa relação com ele. Diz o autor que “O substituto do objeto sexual é uma parte do corpo geralmente pouco apropriada para fins sexuais (como o pé, o cabelo), ou um objeto inanimado que se acha em relação evidente com a pessoa sexual, ou melhor, com a sexualidade desta (peças do vestuário, roupa íntima).” (p. 46).

Há um reconhecimento por parte da psicanálise freudiana de que “certo grau de fetichismo costuma ser próprio do amor normal” (p. 46) e Freud nos diz que “O caso patológico surge apenas quando o anseio pelo fetiche vai além dessa precondição e se fixa, colocando-se no lugar da meta normal, e quando o fetiche se desprende de determinada pessoa, tornando-se o único objeto sexual. São essas as precondições gerais para que simples variações do instinto sexual passem a aberrações patológicas.” (p. 47).

Tudo isso desemboca no conceito de parafilia, nome clínico dos fetiches, vistos como perversões sexuais fora do “comum” da atividade sexual (a copulação). A concepção freudiana, que se apresenta um pouco limitada, vem então ser complementada com outros casos que não envolvam apenas objetos, mas também situações. O fato é que chamam de parafilia os comportamentos sexuais em que, em geral, a fonte primária do prazer não é a copulação.

Há um problema latente com essas definições. Primeiramente porque elas partem de suposições morais sobre o que é “normal” do ponto de vista sexual. Em que ponto, por exemplo, se cruza a linha entre uma simples alteração no instinto sexual e a parafilia, ou seja, a aberração ou perversão sexual que até hoje é classificada como patológica?

Como veremos a seguir com os resultados obtidos, se estamos falando de patologia, temos um número razoavelmente alto de pessoas “doentes”. É lógico que há a previsão de alterações normais do instinto sexual, que em si não constituem patologias. Seriam patológicos apenas os fetiches que eventualmente viessem a inibir totalmente a meta sexual normal, ou seja, que fizessem com que um indivíduo só pudesse desempenhar suas funções sexuais quando o fetiche está sendo realizado.

O fato é que ainda há uma discussão do ponto de vista da comunidade médica no que tange a retirada ou não dos distúrbios sexuais da lista de patologias da OMS. As parafilias estão, em grande caso, nessa lista, e há que se ter cuidado no debate sobre a questão. O que vamos ver a seguir, no entanto, nos mostra que há uma difusão de práticas consideradas fetichistas, o que demonstra que não são nenhum bicho de sete cabeças, e devem ser fruto de um debate maduro que entenda a normalidade das alterações dos instintos sexuais, sem que isso represente — obrigatoriamente — uma patologia. Os fetiches fazem parte da vida sexual saudável da maioria das pessoas e os números a seguir — apesar de guardarem baixo valor estatístico — parecem nos mostrar isso.

Como de costume, a primeira coisa que fazemos é entender a composição social da pesquisa, ou seja, quem foram as pessoas que responderam. Cabe aqui ressaltar que este foi o texto com o maior número de participantes (154), mas a composição pouco mudou quando comparada com os textos prévios. Temos que a maioria é constituída de homens (67%), heterossexuais (83%), solteiros (62%) e com menos de 30 anos (90%). Como sempre digo, a compreensão da composição é fundamental para que possamos ver os números à luz de quem os trouxe.

Indo direto ao ponto, homens parecem ter mais fetiches que mulheres, ou pelo menos estão mais dispostos a dizer que os têm. Independentemente disso, ambos os sexos afirmam majoritariamente ter fetiches (84% dos homens e 75% das mulheres). Ou seja, a maioria das pessoas tem fetiches, de vários tipos. Digo vários tipos porque obviamente seria inviável trazer aqui e tratar de todos os fetiches existentes, já que há um sem-número deles.

Dois números são representativos do tabu que ainda envolve os fetiches: o dos que não praticam seus fetiches com frequência (74%) e o dos que afirmam ter vergonha de algum de seus fetiches (46%). Apesar de minoritário, esse último ainda mostra que quase metade das pessoas sentem vergonha de desejar o que desejam. Já aquele nos diz que ainda há uma certa insatisfação sexual nas pessoas, já que obviamente a satisfação plena viria com a possibilidade de realização de seus fetiches.

Foi particularmente difícil conseguir que algum dos entrevistados que afirmaram ter vergonha de algum dos seus fetiches me desse um exemplo. No entanto duas pessoas o fizeram. Uma delas, um homem, afirmou ter vergonha de querer receber um beijo grego. O outro, também homem, disse que tem muita vergonha de um fetiche específico, que por não ser realizado acaba por ser o seu principal: fazer sexo em uma sala de cinema.

Os números dizem um pouco mais sobre a insatisfação dos jovens quanto à realização de seus fetiches. A imensa maioria deles disse já ter realizado algum de seus fetiches (81%), mas esse número despenca quando questionados se já realizaram todos os seus fetiches (8%). Isso obviamente dialoga com o montante de pessoas que afirmaram ter vergonha de algum dos seus fetiches. Se as pessoas têm vergonha, muito provavelmente estão menos dispostas a expô-los para outras pessoas e, consequentemente, realiza-los.

Isso se reflete também no número de pessoas em um relacionamento que disseram que o(a) parceiro(a) não topa realizar os seus fetiches (41%). A soma desses dados nos mostra uma situação de incompletude do desejo sexual de muita gente. Parte por vergonha, parte pela negativa do(a) parceiro(a).

Ao conversar com uma das entrevistadas mais à fundo entendi como esse círculo se completa. Ao ingressar em um relacionamento, a entrevistada afirmou que tinha vergonha de vários de seus fetiches. Com o tempo, e o aumento da confiança no parceiro, sentiu-se confortável para propor alguns de seus fetiches, que encontraram a recusa. Isso internalizou nela ainda mais vergonha. O aumento da vergonha faz menos pessoas proporem atividades fetichistas e — com a recusa — essa vergonha aumenta e se internaliza, colaborando e muito para a frustração sexual.

Reside nisso, por exemplo, a postura de 22% dos entrevistados que preferem realizar seus fetiches com pessoas que não conhecem. Isso pode, para elas, retirar um pouco do peso de uma eventual recusa. A recusa de um desconhecido não é a mesma coisa que a recusa de um namorado, ou de um parceiro sexual frequente. No entanto, a grande parte (78%) ainda se sente mais confortável realizando seus fetiches com um(a) parceiro(a) e isso está ligado intimamente à confiança depositada no outro. Para os que têm vergonha de seus fetiches, obviamente a abertura vem através da confiança.

E a recusa não é tão rara. 39% já tiveram um fetiche negado por outra pessoa, enquanto 37% já se recusaram a realizar o fetiche de alguém por julgarem muito estranho.

Questionei os entrevistados acerca de algumas destas situações, pedindo exemplos de coisas que as pessoas já negaram e o que elas próprias já se recusaram a fazer. Um entrevistado afirmou que já se recusou a estrangular uma parceira sexual que o pedira para fazê-lo. Outro se recusou a dar um soco na parceira. Uma entrevistada já se recusou a urinar no parceiro sexual, enquanto outra não quis queimar o rapaz com calda de chocolate quente.

Obviamente, ninguém é obrigado a se sentir confortável com o fetiche alheio, e o respeito a esses limites pessoais torna-se crucial.

Conversando com alguns que já tiveram fetiches rejeitados, a vergonha da rejeição está latente. Alguns me relataram não saber bem o que fazer diante da recusa, sentindo-se uma espécie de “aberração sexual”. Um teve recusado o pedido para que a parceira “rasgasse” suas costas com as unhas. Outro teve o pedido de sexo anal rejeitado.

Cabe agora darmos uma olhada nos principais fetiches elencados e de que forma as pessoas se relacionam com eles:

BDSDM (sadomasoquismo e bondage)

Quando fui montar o questionário a ser aplicado previ tratar especificamente de práticas de sadomasoquismo e bondage (BDSM), mas fui prontamente alertado por um amigo que — muitas vezes — o nome põe mais medo do que a prática em si e, portanto, eu deveria questionar mais acerca da prática do que propriamente sobre o título da coisa.

Isso de fato se mostrou verdadeiro. No texto sobre sexo eu questionei se as pessoas já haviam praticado BDSM. 30% responderam que já haviam feito. Esse número é, no entanto, maior quando analisamos elementos básicos da prática. Uma outra questão muito relevante se apresenta quando comparamos o número dos que já fizeram com o dos que gostariam de fazer ou estariam dispostos caso houvesse um pedido da pessoa com quem se faz sexo.

No que tange a prática de bondage (amarrar o parceiro ou imobilizá-lo de alguma forma) temos que 40% já foram amarrados(as) e 34% já amarraram um parceiro sexual. Esse número sobe bastante quando perguntamos se as pessoas gostariam de ser amarrados (61%) ou amarrar (65%). Os números se tornam ainda mais imponentes quando as pessoas são questionadas se estariam dispostas caso houvesse um pedido do parceiro sexual (87% estariam dispostos a serem amarrados[as] e 91% estariam dispostos a amarrar).

Quando falamos em sadomasoquismo as pessoas logo pensam na parafernália de couro, pregadores nos mamilos, cera quente e por aí vai. Mas essas são as práticas mais extremadas, e muitos esquecem que atos sexuais envolvendo dor são mais comuns do que se imagina. Tapas, mordidas, arranhões, chicotes etc. são razoavelmente comuns para as pessoas, tanto que 84% disseram já ter praticado alguma delas. O dado interessante aqui é que o número dos que gostariam de realizar atos sexuais que envolvem dor é menor (76%), o que nos mostra que alguns dos que já realizaram não gostaram. Mesmo não gostando, estariam dispostos fazê-lo, já que 87% disseram que caso houvesse um pedido, fariam.

Há aqui o que eu gosto de chamar de “efeito 50 Tons de Cinza”. O livro (e os filmes) colaboraram para uma certa difusão do BDSM. Romantizou-se o ato, principalmente para mulheres. É fato, no entanto, que o BDSM sempre foi a forma mais popular de fetichismo ou, pelo menos, a que mais aparece em filmes e livros.

Poucas coisas são mais velhas quando se fala de fetiches do que a imagem de uma algema. Freud nos diz que o sadomasoquismo é “a mais frequente e mais significativa de todas as perversões” (p.51).

Roleplaying

Outra prática difundida do ponto de vista sexual é o roleplaying, a interpretação de cenários ou fantasias diversas. A prática não exige, obviamente, a utilização de roupas específicas, mas há um caráter iminentemente roleplayer em sua utilização. Aqui temos basicamente de tudo. Desde coisas consideradas leves como uma simulação médico-paciente até coisas mais pesadas como a simulação de um estupro (isso me foi dito por uma das entrevistadas). O fato é que roleplaying permite a muitas pessoas a execução das mais íntimas fantasias sexuais.

Diante disso, temos que 37% afirmaram já ter praticado a modalidade e 36% já utilizaram alguma fantasia durante o sexo. No que tange a vontade, 53% disseram que gostariam de praticar algum roleplay enquanto 57% disseram que gostariam de usar ou que o(a) parceiro(a) utilizasse uma fantasia. Dentre as fantasias mais citadas estão enfermeira, médico, policial, bombeiro e professor(a).

Novamente, o número dos que estariam dispostos a praticar caso houvesse um pedido do(a) parceiro(a) sexual é alto. 78% disseram que estariam dispostos a praticar roleplay e 90% disseram que usariam uma fantasia.

Voyeurismo

O livro O Voyeur, do brilhante Gay Talese, conta a história real de Gerald Foos, voyeur que comprou um motel nos arredores de Denver (Colorado), e o adaptou para que — do sótão — pudesse assistir o que acontecia nos quartos. Foos subia quase todas as noites para o que chamava de seu “laboratório” e mantinha meticulosas análises do que via em um diário. O fez durante 15 anos sem que fosse descoberto.

O livro retrata os aspectos psicológicos e eróticos do voyeurismo de forma impressionante, principalmente através dos escritos do próprio voyeur.

Voyeur é, inicialmente, aquela pessoa que sente prazer sexual em observar outras pessoas fazendo sexo, ficando nuas ou se masturbando. Em geral, o objeto não tem ciência da presença do observador. De acordo com o voyeur Geraldo Foos, a maioria (ou todos) os homens são voyeurs por natureza, coisa que ele não acredita que as mulheres sejam. Para ele, há mulheres voyeurs, mas o fetiche é tipicamente masculino.

O conceito, no entanto, foi se expandindo com o tempo, e hoje considera-se voyeur também a pessoa que gosta de assistir à intimidade das pessoas, até mesmo sem o caráter sexual.

Isso porque, mesmo com o caráter sexual da prática, o voyeur não busca apenas ver o sexo ou a nudez. Há algo maior na questão. Não se trata apenas de observar, e sim de observar a pessoa na sua presunção de privacidade. E é nesse sentido que o voyeur sente um certo poder. No caso de Gerald Foos, havia nele mesmo uma imagem de que se tratava de um pesquisador, que através dos buracos de ventilação que fez no teto dos quartos de seu motel, não saciava apenas seus impulsos sexuais, mas realizava um acompanhamento meticuloso da própria evolução na sociedade.

Eu, particularmente, creio que o voyeurismo é um fetiche mais comum do que as pessoas ousam admitir e confesso ser uma vontade pessoal me debruçar especificamente sobre ele.

Quanto aos números obtidos na enquete, a maioria (58%) afirmou que já testemunhou pessoas se masturbando ou fazendo sexo, enquanto 62% disseram que gostariam de fazê-lo. Temos um número elevado de pessoas com tendências voyeurísticas, o que de certa forma corrobora a suposta difusão do fetiche acima apresentada.

Exibicionismo e agorafilia

Exibir-se aos outros é um fetiche e se apresenta basicamente de duas formas, de acordo com as interpretações das parafilias (que nós já alertamos para a problemática do conceito). Basicamente, considera-se exibicionismo o prazer sexual oriundo da exibição dos órgãos genitais para outras pessoas. Há ainda o conceito de agorafilia, que abarca o prazer sexual de realizar sexo em público.

Eu considero extremamente problemática a simplificação do exibicionismo como distinto da agorafilia. Pessoalmente creio que o exibicionismo abarca a agorafilia e se apresenta mais amplo, principalmente em tempos digitais.

Disso isso porque a realização de sexo em público não deixa de ser uma prática exibicionista, em que o importante — tal como mostrar os genitais aos outros — é ter seu sexo (a prática ou a nudez) visto por outrem.

Trato o exibicionismo como o inverso do voyeurismo e, portanto, não posso crer que se trate apenas de sair mostrando as partes para os outros. Tal como no voyeurismo, creio que a exibição da intimidade, mesmo que não sexual, tem caráter exibicionista e está bastante presente. Trocar de roupa com cortinas abertas na esperança de visto(a), por exemplo, é tipicamente exibicionista. Como contrário do voyeurismo, aqui saber que está sendo assistido é importante e é justamente o que garante a satisfação sexual. Saber que alguém te observa, mesmo que não em momentos de nudez ou sexualidade, pode ser tão excitante para um exibicionista quanto ser assistido se masturbar.

E aí eu volto à questão dos nudes. Não há como negarmos que se trata de uma prática exibicionista, principalmente quando não envolve necessariamente alguém com quem se está envolvido sexualmente. No texto referente ao tema, soubemos que 53% que o envio de um nude não implica necessariamente atração pela pessoa que recebe, mas 58% consideram que o nude tem caráter necessariamente sexual. Ou seja, apesar de não implicar atração, é um ato sexual e não temos como ignorar o seu caráter exibicionista. Na enquete hora em análise obtivemos que 62% gostam de enviar fotos nuas para outras pessoas.

Temos ainda que 56% disseram que já foram assistidos se masturbando ou fazendo sexo, mas 54% disseram que gostariam de ser assistidos. Isso nos diz que alguns dos que já foram assistidos não querem sê-lo e, portanto, o exibicionismo não faz parte do rol de seus fetiches. Ainda assim, a maioria afirmou que gostaria de sê-lo, o que indica tendências exibicionistas em muitas pessoas.

Cuckolding ou fetiche de traição

O termo cuckold é oriundo do pássaro cuco, que tem a mania de colocar seus ovos em ninhos que não são os seus. Dessa forma, muitos cucos criam filhos não são seus. Do ponto de vista do senso comum tende a ser usado para definir o homem traído ou no bom e velho português, o corno manso.

Do ponto de vista dos fetiches, no entanto, há uma diferença. O termo é utilizado para designar o homem que gosta de assistir sua parceira fazer sexo com outro homem; ou que gosta de saber que está sendo traído.

Obviamente isso não se resume aos homens. Há mulheres que compartilham do fetiche de assistir seus maridos fazerem sexo com outra mulher. O “fetiche da traição” é sem nenhuma dúvida um tabu, mas os números obtidos na enquete me surpreenderam.

29% dos que responderam disseram que já assistiram algum(a) parceiro(a) fazer sexo com outra pessoa. Quase a metade (42%) afirmaram que gostariam de assistir e 45% estariam dispostos caso houvesse um pedido do(a) parceiro(a). Obviamente não podemos universalizar esses dados, mas temos um número razoavelmente alto de pessoas que topariam a prática. O fato, no entanto, é que o fetiche está em obter a satisfação sexual nessa prática.

Três ou mais

Outro fetiche que não é novidade para ninguém é o que implica uma multiplicidade de objetos sexuais. Isso nos diz que tratamos de sexo com mais de duas pessoas. Nesse sentido temos três modalidades majoritariamente difundidas: o ménage à trois (sexo a 3), o Swing (troca de casais) e o sexo em grupo propriamente dito (orgia, suruba, bacanal ou como queiram chamar).

Não há dúvida de que o ménage à trois é a mais famosa dessas práticas e possivelmente a mais desejada delas. Geralmente, entende-se como duas mulheres e um homem, ou pelo menos essa é a fantasia principal dos homens heterossexuais. No entanto, há outras designações como o Devil’s Threeway (dois homens e uma mulher) e obviamente a prática de sexo à três que envolvem pessoas homossexuais ou bissexuais.

Nesse quesito obtivemos os seguintes resultados: 34% disseram já ter realizado um ménage à trois, enquanto 72% gostariam de fazê-lo e 73% estariam dispostos caso houvesse um pedido do(a) parceiro(a).

O Swing propriamente dito não foi objeto deste texto, mas quando questionados em texto prévio, 8% disseram já ter realizado troca de casais enquanto 30% disseram que o fariam.

No que tange sexo em grupo, tivemos uma elevação desde o último texto a trata do assunto. Desta vez, 26% disseram já ter participado de algum tipo de sexo em grupo. Quase metade afirmou que gostaria de participar de sexo em grupo (47%) e que estariam dispostos fazer sexo em grupo se houvesse pedido do(a) parceiro(a) (48%).

Esses números nos mostram que há um interesse razoável nas práticas sexuais que envolvem mais de duas pessoas, mas temos ainda que identificar os efeitos do ciúme na questão. Como um amigo bem me disse, todo mundo quer ménage, mas a coisa complica quando a namorada ou namorado vem e propõe.

Podolatria

A podolatria é o fetiche de culto aos pés. O podólatra é a pessoa que foca o interesse sexual nos pés alheios e — raramente — nos próprios pés. Esse fetichista em particular tem o interesse em manusear, lamber, ver ou até mesmo ser tocado pelos pés alheios. Uma das práticas mais famosas é o footjob (ser masturbado[a]) pelos pés da pessoa.

Garanto que a maioria dos leitores já ouviu falar de fetiche por pés, sendo assim muito difundido. No entanto, nos números apresentados mostraram que a maioria afirma não o ter. Apenas 22% disseram ter fetiche por pés ou atos sexuais envolvendo os pés.

Incesto

Aqui nos deparamos com o tabu maior ou, como diária Claude Lévis-Strauss, o tabu universal, proibido por todas as culturas em praticamente todas as épocas. No entanto, não deixa de ser um fetiche. Conversei com algumas pessoas que afirmaram ter fetiche por atos sexuais que envolvem parentes.

Alguns deles elencaram relações entre primos, enteado-madrasta, padrasto-enteada e nenhum sobre pais e filhos ou entre irmãos (apesar de haver). Não há muito o que dizer sobre o tema, apenas que a possível proibição universal o torne interessante diante de alguns, que têm na prática incestuosa o seu fetiche.

As quatro pessoas com quem conversei, no entanto, foram unânimes em dizer que o fetiche por elas carregado se manifesta apenas quando no acesso à pornografia, nunca tendo elas atuado no sentido de concretizar tais desejos sexuais.

Há, ainda hoje, uma visão negativa acerca dos fetiches, ou parafilias. O próprio conceito de parafilia enquanto patologia apresenta complicações e ainda impõe um estigma a desejos sexuais majoritariamente saudáveis. A visão negativa da psicanálise, por exemplo, ainda não foi totalmente abandonada. Essa visão de que os fetiches representam uma deformação do desejo sexual ainda é comum, apesar de rejeitada pela maioria dos que responderam à enquete (87%).

Na realidade, a sociedade ainda tem o desafio de buscar compreender devidamente o fetichismo e de que forma ele pode desempenhar um papel salutar na vida das pessoas. O grande fato por trás de tudo isso é que as pessoas, majoritariamente, têm fetiches que fazem parte de suas vidas sexuais. A manutenção de certos estigmas contribui para a internalização de uma vergonha que pode causar insatisfações sexuais que transbordam para outras áreas da vida das pessoas.

Tomemos como exemplo o caso da entrevistada que teve seus fetiches recusados pelo parceiro sexual. Disse-me ela que isso a levou a reprimir seus fetiches, e isso causa uma insatisfação sexual latente.

Como disse anteriormente, é lógico que ninguém é obrigado a se sentir confortável com o fetiche alheio, mas pelo que os números nos disseram, há muitas pessoas dispostas a muita coisa, mas a vergonha ainda as inibe de buscar a plena satisfação sexual.

Vacino-me ao dizer, obviamente, que há fetiches inaceitáveis do ponto de vista moral como, por exemplo, a pedofilia. Isso me leva a problematizar, por exemplo, a simples exclusão de algumas parafilias da lista de patologias. Algumas delas causam muita dor a muita gente, e devem encontrar o tratamento apropriado. Em geral, como nos dizia Freud, um certo grau de fetichismo é comum a todos, mas se esse fetiche passa a dominar todo o instinto sexual da pessoa, ao ponto dele próprio se tornar o objeto sexual, temos um problema que pode levar essa pessoa a complicações psicológicas sérias.

A visão sobre os fetiches deve ser desmistificada, mas trata-se de um dos temas de maior complexidade psicológica que existem.

Nesse texto que já se encaminha para o fim vimos alguns fetiches, que não são nem a ponta do imenso iceberg que constitui as variações dos instintos sexuais das pessoas. A lista de fetiches praticamente não tem fim, assim como a complexidade humana.

Novamente, agradeço imensamente a todos e todas que contribuíram com a feitura desse texto com suas contribuições, seja respondendo as enquetes no meu Instagram, seja se dispondo a conversar comigo sobre um tema que é eminentemente íntimo.

Para concluir, e voltando ao início do texto, este cientista político que vos fala tem se realizado ao escrever estes textos, e essa realização vem da grande aceitação que eles têm tido. Imagino que outros hão de vir, já que pedidos e temas parecem não faltar, e espero continuar contando com a contribuição frequente e ávida dos leitores e dos que me seguem no Instagram.

Matheus Leone é cientista político e editor-chefe da Vinte&Um

FREUD, Sigmund. Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, em Obras completas, volume 6: Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, Análise Fragmentária de uma Histeria (“O Caso Dora”) e outros textos (1901–1905). Companhia das Letras, São Paulo, 1ª Edição, 2016.

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Matheus Leone
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