Godot não veio. Abandonem o fetiche da terceira via!

Não existe terceira via, existem candidaturas, que devem apresentar seus projetos e buscar apoio da sociedade.

Matheus Leone
Vinte&Um
3 min readApr 3, 2022

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Foto: Richard Termine em DC Metro

Em maio de 2021 eu escrevi um texto com o título Godot Virá em 2022, onde eu pretendi explicar que as pessoas estavam esperando algo que, como Godot, nunca vem. Na época falaram que eu era pessimista demais e que a união da terceira via viria e com ela a viabilidade de um projeto para romper a polarização entre Lula e Bolsonaro. Quando escrevi aquele texto não tinha por intenção zombar da esperança das pessoas, e sim alertar que a expectativa de que isso aconteceria era irreal. Foi um alerta para que mudassem o rumo e a estratégia enquanto era tempo.

Quase um ano depois, e faltando meses para as eleições, Godot não veio. A candidatura viável e espontânea capaz de unificar as ditas “forças de centro” não veio. O que vemos, na verdade, é que as candidaturas isoladas seguem em busca de uma unificação forçada em torno de um só candidato ou candidata, esquecendo talvez de quem realmente importa na equação: Sua Excelência, o eleitor.

Quem decide a viabilidade ou não de um projeto político é o eleitorado, e não um grupo de políticos reunido em gabinetes e restaurantes. Devo perguntar, porque para mim é a questão chave: quanto tempo as candidaturas da dita terceira via estão gastando tentando unificar as candidaturas e quanto tempo estão gastando indo dialogar com a sociedade?

Ora, por trás disso está um fetiche narrativo chamado de terceira via. Para alguns, só há viabilidade se houver a união dessas candidaturas. Para mim, só há viabilidade se houver diálogo com a sociedade. Esse fetiche narrativo consome tempo e não rende voto. No fundo dele está a ideia de que é possível construir a competitividade política através dos meros acordos de gabinete. Basta, alguns imaginam, que os partidos e candidatos se unam em uma só chapa para que ela ganhe viabilidade. Estão esquecendo de combinar com o eleitor. Todo o tempo gasto nas intrigas políticas e na tentativa de costurar alianças é tempo perdido na busca do eleitor.

Eu não acredito que o que renderá competitividade para a “terceira via” será a unificação em uma só candidatura. É lógico que a pulverização dos votos não colabora, mas juntar poucos votos em um só lugar também não. Viabilidade se constrói com a sociedade, e para isso cada candidatura tem que apresentar sua visão de país e sua proposta de como chegar lá. Essa proposta deve ser levada a quem importa: a sociedade. Ela será a juíza dos projetos políticos. Se, ao final, for possível juntar todo mundo no mesmo barco, ok. Não foi? Que pena. A ordem da coisa está sendo invertida. Estão postergando o diálogo com a sociedade na busca de uma composição artificial acreditando que essa mera composição é a condição da viabilidade do projeto político. Não, estão errando.

A ordem natural das coisas é a inversa: cada um apresenta seu projeto e vai buscar apoio na sociedade. Vai tentar fazer com que sua mensagem encontre eco no eleitorado brasileiro. A partir daí é que veremos a aceitação ou não dessas candidaturas. E, lá no final, discute-se a possível união em um só projeto. Inverter essa ordem traz o que estamos vendo: ficam em gabinetes e restaurantes debatendo uma aliança que é irrelevante pois é a aliança de um dígito. Importa que saiam todos juntos se a soma dessas candidaturas não atinge dois dígitos? É irrelevante neste momento se vão ou não se unir.

Meu conselho é claro: larguem de lado o fetiche da terceira via. Não existe terceira via, existem candidaturas, que devem apresentar seus projetos e buscar apoio da sociedade. Estão atrasados e acredito que possa ser tarde demais para isso, mas não vai ser insistindo nessa noção boba que vão reverter um cenário que parece cada dia mais cristalizado. Godot não veio e não virá. Acordem e vão conversar com o eleitor. Quem decide eleição é ele e não as cúpulas partidárias.

Matheus Leone é cientista político formado pela UnB e criador da Vinte&Um

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Matheus Leone
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