Heterossexualidade e experiências com pessoas do mesmo sexo

Uma breve investigação sobre hábitos sexuais dos meus seguidores no Instagram.

Matheus Leone
Vinte&Um
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11 min readMar 8, 2018

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Sempre que eu imagino que não há mais temas para investigar algum fiel leitor me aborda para sugerir mais um tema no âmbito da sexualidade humana. Este texto é mais um desses casos.

Investigar as experiências de indivíduos que se consideram heterossexuais com pessoas do mesmo sexo parece, em princípio, paradoxal. Como poderia alguém ser heterossexual e ter relações sexuais com alguém do mesmo sexo? No entanto, os dados que veremos neste texto, além de algumas discussões feitas nos meios acadêmicos e científicos, nos trazem uma visão peculiar sobre a questão. Ao que tudo indica — e já vimos isso em outros textos — é mais comum do que alguém imaginaria.

Precisamos reconhecer que categorias que abordam a orientação sexual das pessoas são sociais — ou seja — são elementos formados por uma moralidade coletiva que termina por determinar o que é aceito e o que não é aceito, bem como quem é o que com base nos seus comportamentos sociais.

Nesse sentido, temos uma distinção óbvia no que tange que comportamentos definem quem é heterossexual e quem não é. Mulheres podem — e as vezes são incentivadas a — fazer coisas que homens “não podem”. Dificilmente uma mulher que beije outra em um local público será imediatamente definida pelos pares como lésbica ou bissexual. No caso de homens essa categorização parece ser imediata. A masculinidade da heterossexualidade masculina é imediatamente abalada por qualquer contato minimamente sexual com outro homem, coisa que não ocorre com as mulheres.

É isso que nos diz a professora Jane Ward, da Universidade da Califórnia. Em artigo publicado na Newsweek, a acadêmica questiona se a sexualidade masculina é fixa ou fluida. Para Ward, quando “homens heterossexuais têm contato com alguém do mesmo sexo, estes contatos são vistos como incompatíveis com a codificação bio-evolutiva”. A professora relata, no entanto, que vários historiadores e sociólogos arregimentaram evidências de que encontros sexuais de homens heterossexuais com pessoas do mesmo sexo, e reforça: homens heterossexuais, e não gays no armário.

A solução encontrada por homens heterossexuais que buscam uma exploração maior das sexualidades é — para Jane Ward — uma espécie de “dessexualização” das atividades. Ela cita, por exemplo, trotes em universidades ou no exército. Neles, mascara-se a conotação sexual do ato com um verniz de humor ou até mesmo de dominação e humilhação. No entanto, há uma óbvia conotação sexual no trote por ela mencionado em que veteranos obrigam seus calouros a — em um círculo — chuparem um dedo enquanto inserem o outro no ânus do coleguinha.

As mulheres contam com uma tolerância maior nos seus comportamentos sexuais. Uma mulher pode muito bem fazer sexo eventualmente com outra mulher sem que isso retire dela o status de heterossexual. A lógica dessa tolerância (ou falta dela quantos aos homens) obviamente guarda relação com estereótipos de gêneros e padrões morais.

É aí que entram categorias que foram criadas ao longo dos anos para descreverem homens heterossexuais que eventualmente tenham ou já tenham tido contato sexual com outros homens. Temos, por exemplo, os G0ys, os Highsexuals e inclusive o bro-job. No caso dos g0ys, temos uma não-identificação com a bissexualidade ou com a homossexualidade, mas tampouco com o que podemos chamar de heterossexualidade padrão. Estes indivíduos são homens que tem envolvimento sexual com outros homens (excluído o sexo anal, que é vedado) sem se considerarem gays ou bi. Já os highsexuals são pessoas que se sentem atraídas por pessoas do mesmo sexo apenas quando fazem uso de drogas, como a maconha.

Ao fazer minha pesquisa para este texto, me deparei inclusive com o termo “bro-job”, quando um amigo faz sexo oral em outro com o único intuito de “quebrar um galho”, quando estão bêbados ou apenas “na broderagem”.

O fato é que tais categorias parecem surgir mais para explicar o comportamento sexual dos homens, e não das mulheres. Isso pode ter a ver justamente com a maior rigidez da sexualidade masculina, fazendo com que qualquer contato com alguém do mesmo sexo já exclua imediatamente o homem da categoria “heterossexual”.

Cabe compreendermos que a sexualidade humana dificilmente cabe em categorias tão bem delimitadas, sendo óbvio que a complexidade dos hábitos sexuais humanos ultrapassa os limites do estabelecido socialmente como padrão de conduta.

Vejamos, por exemplo, os números obtidos na enquete que realizei com meus seguidores no Instagram, enquete essa que contou com a maior participação até hoje.

Como de costume, a primeira coisa que vamos fazer é entender a composição social dos que responderam à enquete. Isso torna-se fundamental — como já afirmei várias vezes anteriormente — para que compreendamos os resultados à luz de quem o respondeu. Nesse sentido, como em textos anteriores, temos que a maioria dos que responderam são homens (62%), heterossexuais (79%), bissexuais (15%), solteiros (59%) e com menos de trinta anos (88%).

Os dados mais relevantes nesse ponto são a predominância de homens na pesquisa e de heterossexuais. Apenas 21% disseram não se considerar héteros, e desses, 15% são bissexuais, o que nos deixa com 6% de homens e mulheres que não são nem heterossexuais nem bissexuais.

Eis que os primeiros números já nos dão uma ideia inicial da relevância desta investigação. Questionei meus seguidores que se declaram heterossexuais se eles(as) sentem-se atraídos(as) APENAS ou MAJORITARIAMENTE por pessoas do sexo oposto. O “majoritariamente” implica que há um certo grau de atração por alguém do mesmo sexo, sendo ela permanente ou passageira. Nesse sentido tivemos que 34% dos homens 44% das mulheres disseram que se sentem atraídos majoritariamente por pessoas do sexo oposto. Inversamente, 66% dos homens e 56% das mulheres disseram ser atraídos(as) apenas por pessoas do sexo oposto.

Quando questionados(as) se já se sentiram atraídos(as) por pessoa do mesmo sexo, 38% dos homens e 49% das mulheres heterossexuais disseram que sim.

Esses dados iniciais nos mostram que há uma maior tolerância por parte das mulheres no que tange a atração por pessoa do mesmo sexo. Ou seja: mulheres consideram-se heterossexuais mesmo já tendo sentido atração por outra mulher. No caso dos homens, por motivos que já elencamos acima, essa tolerância é menor e o número dos que afirmaram já ter se sentido atraídos por pessoa do mesmo sexo é menor que o das mulheres. Isso não quer dizer, obviamente, que mulheres se sentem mais atraídas por mulheres do que homens por homens, e sim que as codificações da sexualidade enquanto normas de conduta pesam mais sobre homens. Ainda assim, o número de homens que responderam favoravelmente não foi pequeno, apesar de obviamente não podermos universalizarmos esses resultados diante do baixo valor estatístico.

Há uma outra questão relevante, a maioria dos homens homossexuais (58%) disseram que se sentem atraídos apenas por pessoa do mesmo sexo, enquanto esse número é minoritário para as mulheres (41%). O que isso nos mostra é que a codificação não é rígida apenas para homens heterossexuais. Até os homens homossexuais tendem a ser mais “preto ou branco”, enquanto as mulheres transitam melhores entre o que há nos tons intermediários.

Entramos agora na seara do que as pessoas que se dizem heterossexuais já praticaram com pessoas do mesmo sexo. Isso é relevante para que possamos compreender como agem, e onde traçam a linha de suas atitudes. Há aqui uma diferença latente entre homens e mulheres. 29% dos homens heterossexuais disseram já ter beijado outro homem, enquanto a maioria (53%) das mulheres disseram já terem o feito. Já quando perguntados se já tiveram vontade de fazê-lo, 39% dos homens disseram que sim, enquanto no caso das mulheres o número ficou em 67%. Agora, quando questionei se de fato o fariam, 32% dos homens e 63% das mulheres afirmaram positivamente.

Esse é um bom exemplo do que mencionamos logo no começo do texto: uma mulher heterossexual pode beijar outra mulher sem que isso atente contra seu status enquanto mulher hétero. No caso dos homens essa flexibilidade não existe, apesar de 29% deles já terem o feito e quase 40% terem vontade de fazê-lo.

Partimos do beijo para algo um tanto mais íntimo: a masturbação. Neste caso, encontramos números parecidos ou maiores do que os obtidos ao questionarmos sobre o beijo.

32% dos homens e 33% das mulheres afirmaram já terem masturbado alguém do mesmo sexo. Esse número é maior do que os homens que já beijaram outro homem (29%) e menor do que o de mulheres que já beijaram outra mulher (53%). Já em relação à vontade, 33% dos homens disseram já terem tido vontade de masturbar alguém do mesmo sexo, enquanto esse número ficou em 30% para as mulheres. 31% dos homens e 38% das mulheres heterossexuais disseram que masturbariam alguém do mesmo sexo.

Os números sobem um pouco quando a agente se torna agente passivo da prática sexual, ou seja, não faz, mas lhe é feito. Nesse sentido, 39% dos homens já foram masturbados por outro homem. Esse número ficou em 32% no caso das mulheres. Já nesse caso, a vontade de ambos os sexos sobe: 43% dos homens e 44% das mulheres heterossexuais afirmaram já terem tido a vontade de serem masturbados por alguém do mesmo sexo. 44% dos homens de fato masturbariam alguém do mesmo sexo, enquanto a maioria das mulheres (56%) disseram que o fariam.

É interessante notar o aumento dos números quando tratamos da posição passiva da operação sexual. Fazer, pelo visto, exige mais do que receber. No caso dos homens isso ficou mais visível, mas o fato de a maioria das mulheres heterossexuais que responderam terem dito que estariam dispostas a serem masturbadas por outra mulher mostra que não estamos lidando com algo tão irrelevante.

Escalamos mais um pouco e chegamos a algo ainda mais íntimo: o sexo oral. Aqui temos que 23% dos homens e 24% das mulheres que se declaram heterossexuais disseram já terem feito sexo oral em alguém do mesmo sexo. A vontade de ambos os sexos de fazê-lo foi a mesma (28%), mas tivemos uma diferença considerável no número de homens e mulheres que o fariam (28% dos homens e 40% das mulheres).

Já quando vamos à postura passiva da operação temos que 33% dos homens e 28% das mulheres heterossexuais disseram já terem recebido sexo oral de alguém do mesmo sexo. No que tange à vontade, 37% dos homens disseram já terem a tido, enquanto esse número fica em 44% para as mulheres. 41% dos homens disseram que deixariam outro homem lhes fazer sexo oral e 52% das mulheres afirmaram positivamente.

Há uma questão relevante nos dados sobre masturbação e sexo oral. Na posição ativa da coisa (já masturbaram alguém do mesmo sexo ou já fizeram sexo oral em alguém do mesmo sexo) as mulheres apresentam números um pouco maiores do que os homens. No entanto, quando partimos para a parte passiva da questão, os homens apresentam números maiores que as mulheres. Ou seja, homens tendem a deixar que fazem com eles, talvez não estando tão dispostos a fazerem eles mesmos o que possivelmente dilapidaria sua heterossexualidade.

Para fechar esta parte sobre o que as pessoas que se declaram heterossexuais já fizeram, temos enfim o sexo. Nesse caso, temos diferenças consideráveis entre homens e mulheres. 15% dos homens disseram já terem feito sexo com outro homem, enquanto 28% das mulheres afirmaram positivamente.

No âmbito da vontade, uma pequena maioria das mulheres (51%) afirmou já ter tido a vontade de transar com outra mulher, no caso dos homens esse número é bem menor (29%). Se de fato fariam sexo com uma pessoa do mesmo sexo também nos apresenta uma diferença: 36% dos homens e 47% das mulheres.

Isso nos mostra, talvez, que os homens estão mais dispostos (como os g0ys) a ficarem nos estágios pré-penetração quando se envolvem com outro homem. A atividade de fato sexual parece encontrar mais resistência por parte dos homens que se declararam heterossexuais.

Algumas questões são fundamentais para terminar este texto. Primeiramente o número de pessoas que já foram abordadas por alguém do mesmo sexo. Aqui estamos falando de heterossexuais ou não. Os homens aparentemente já foram abordados mais do que as mulheres (91% versus 76%).

No âmbito das percepções temos novamente diferenças consideráveis entre homens e mulheres. Quase metade dos homens (44%) afirmaram que acreditam que uma experiência sexual com alguém do mesmo sexo é suficiente para determinar que uma pessoa é gay, lésbica ou bissexual. No caso das mulheres esse número ficou em 22%.

O número também é maior para os homens quando questionamos se acreditam que a mera curiosidade de alguém por uma experiência com alguém do mesmo sexo é suficiente para dizer que a pessoa é gay, lésbica ou bi. Nesse caso, 38% dos homens disseram que sim e apenas 10% das mulheres concordaram com a afirmação.

Ou seja, homens creem mais que uma única experiência é determinante, e até mesmo a simples curiosidade (ou seja, pensamento). Temos que reconhecer, no entanto, que tanto homens quanto mulheres afirmaram majoritariamente que não consideram que seja possível determinar a orientação sexual da pessoa com base em uma única experiência ou curiosidade. Esse foi um número que me impressionou particularmente, já que esperava que ambos os sexos fossem ser mais taxativos quanto à essa determinação.

Por fim, cabe agradecer, como sempre faço, os dedicados leitores e leitoras que sempre acompanham meus textos. Agradeço principalmente aos que colaboram imensamente com a feitura deles respondendo às enquetes no meu Instagram. Sem vocês não seria possível ter chegado até aqui nesta série sobre hábitos sexuais da juventude que já conta com tantos temas:

Para finalizar, cabe a reflexão sobre a rigidez dos limites da orientação sexual das pessoas, principalmente dos homens. É possível ser heterossexual e ter contatos sexuais com pessoas do mesmo sexo? Essa determinação deixo para o leitor, ainda que os números apresentados nos mostrem que as pessoas parecem crer ser possível, não apenas do ponto de vista conceitual, mas também da prática. O que vimos é que há um número não tão pequeno de pessoas que se declaram heterossexuais e já tiveram esse tipo de contato. Não creio caber a nós determinar que não o são, mas sim fazer uma reflexão sobre as categorias sexuais ainda em vigor e os seus limites para explicar a complexa sexualidade humana.

Matheus Leone é cientista político e editor-chefe da Vinte&Um.

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