Marielle Franco: nas redes sociais, o pior lado da humanidade também esteve presente

Não demorou alguns minutos para chegarem as primeiras notícias. Ao mesmo tempo, o veneno humano foi destilado rapidamente em comentários, publicações e tweets

Bruno Gall De Blasi
Vinte&Um
3 min readMar 20, 2018

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Fernando Frazão/Agência Brasil

O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) despertou diversas reações no Brasil. Uma delas foi o medo, a apreensão, e, principalmente, a tristeza; todas foram registradas nas redes sociais. A vereadora estava passando pelo Largo do Estácio, Centro do Rio, quando o seu carro foi fechado por outro. De repente, nove tiros surgiram. Ela e o motorista foram atingidos e não resistiram. A assessora escapou, mas jamais irá se recuperar de um trauma que seguirá eternamente a sua vida.

As reações na Internet explodiram em pouco tempo, ainda mais sendo este — possivelmente — o principal meio onde a informação se difundiu. Com dados escassos, tratava-se, primeiro, de um assalto. Depois, as notícias foram chegando aos poucos: nenhum pertence foi levado, a vereadora denunciou ações violentas em um bairro periférico da Zona Norte do Rio, etc. A noção de uma possível execução começou a surgir junto com a reação de quem acompanhava. De um lado, tinha a ver com a denúncia, e se lamentavam. Do outro, era acerto de contas, e comemoravam.

Desde então, muitos absurdos brotaram. Um dos principais comentários que apareceram foi o de que ela “colheu o que plantava”. Sem querer repercutir as palavras que estiveram presentes, dá para resumir em uma expressão: show de horrores. A partir disso, percebe-se que, em caixas de comentários, postagens de Facebook e tweets, o veneno da raça humana foi destilado em instantes.

Não obstante, foi um caso que gerou bastante atividade. Em uma pesquisa da FGV-DAPP, foram 567,1 mil tweets sobre o assassinato, entre às 22h do dia do crime e às 17h do dia seguinte, superando qualquer menção à intervenção federal. Com a mesma fonte, o jornal O Globo chamou a atenção para uma situação: 1.833 robôs participaram da discussão, totalizando 5% das participações.

Da mesma forma, teve bastante espaço para fake news. Por grupos de WhatsApp, informações obscuras e sem fundamentos factuais circularam — ou circulam? — livremente. Uma delas é o caso de uma suposta aliança da vereadora com o Comando Vermelho, facção criminosa que atua no país. Segundo o áudio que traz esses “fatos”, Marielle foi assassinada por ter desobedecido as ordens desse grupo. É uma mentira — além de um desrespeito enorme.

A situação foi tão marcante que, além de movimentos políticos opostos ao partido de Marielle, como o Movimento Brasil Livre, outros personagens de destaque acabaram compartilhando a notícia falsa e despertaram a atenção da população. Uma delas é a desembargadora Marília Castro Neves, conforme relata a coluna da Mônica Bergamo, do jornal Folha de São Paulo. Segundo a desembargadora, a vereadora estava ligada ao tráfico. Não demorou e as redes sociais reagiram, de novo: se trata de um comentário infame, pronto para ser denunciado a entidades como a Comissão Nacional de Justiça (CNJ).

Ainda assim, este não é o único caso. Outros tomaram forma, também, como o relacionamento anterior com Marcinho VP — hoje preso por tráfico de drogas — e defender facção rival em Acari, bairro onde ocorreu as ações denunciadas por ela na semana de sua morte, entre outras. Em pouco tempo, as notícias já estavam por todos os cantos. Enfim, elas tinham cumprido o seu principal papel: engajar algo não verídico em pouco tempo e de maneira orgânica — só com pessoas repassando por acreditar no que foi apresentado.

Não custa lembrar que compartilhar esses fatos obscuros é perigoso, além de carregar um grande fardo. Nas redes sociais, as pessoas acreditam em quase tudo que leem. Para muitos, a máxima “se está na Internet, é verdade” não passa de uma brincadeira, mas essa frase acaba sendo um selo de comprovação para alguns grupos. Até mesmo os mais engajados podem estar envolvidos na situação.

Seja lá qual for o propósito, há diversas informações falsas circulando — até mesmo citando fatos reais, mas com interpretações distorcidas –, e, no geral, tem má intenção no meio da criação. Além disso, pouco se sabe sobre o caso. Os dados são escassos, as investigações ainda estão acontecendo. Dessa maneira, reforça ainda mais o aviso de prestar atenção no que se lê, principalmente, compartilha. Pois até a notícia que pode parecer confiável tende a ser uma enorme mentira, especialmente em ano eleitoral.

Bruno De Blasi é jornalista

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