Mas o que está acontecendo na Coréia do Norte? #3 — Kim Jong-un

Com o armamento nuclear sofisticado e o fracasso diplómático dos Estados Unidos, o regime Kim nunca esteve tão vivo

Lucas Mendes
Vinte&Um
4 min readAug 18, 2017

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AFP

Em nosso último texto sobre a Coréia do Norte, abordarei de forma concisa os acontecimentos da dinastia Kim desde o início da década e farei uma análise da atual conjuntura que se mostra cada vez mais preocupante. O ponto importante nessa última parte é perceber a mudança de rumos do país realizada pelos três líderes e como a transformação do regime também mudou para sempre as relações com seus vizinhos e com os Estados Unidos.

A expectativa inicial era que o filho mais novo e sucessor de Kim Jong-il poderia mudar os rumos do país, já que, ao contrário de seus antepassados, era um admirador da cultura ocidental e fã incondicional dos personagens da Disney (sim, você leu certo).

Num primeiro momento foi importantíssima a mudança feita na administração agrária e industrial do país. Se antes funcionava um sistema próximo a servidão, onde apenas parte do que foi produzido ficava para as famílias, agora o novo Sistema Socialista de Gestão de Responsabilidade Corporativa dava maior liberdade para as atividades comerciais de forma autônoma, também como forma de incentivar a produção. Alguns especialistas na política norte-coreana afirmam que foi o primeiro passo para tentar lidar com a crescente necessidade de bens de consumo.

Kim Jong-un e o ex-jogador de basquete da NBA, Dennis Rodmann, que se tornou amigo do ditador — AP Photo/VICE Media/Jason Mojica

Porém, logo que se mostrou implacável na consolidação do poder nos altos escalões do Partido dos Trabalhadores da Coréia, as chances que grandes mudanças poderiam virar realidade caíram por terra.

Isso ficou claro para mídia ocidental quando Jang Song-thaek, tio do atual ditador, foi executado e também condenou à morte todos membros da família de Jang, incluindo os filhos e netos de todos os parentes próximos. Essa amostra de poder foi amplamente difundida pela própria mídia estatal que afirmou na época que o exército “nunca perdoará todos aqueles que desobedecem à ordem do Comandante Supremo”.

Durante o regime de Kim Jong-un também foi a primeira vez que o país foi condenado pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas por crimes contra a humanidade, recomendando que se abrisse um processo na Corte Criminal Internacional. Esse episódio só mostra o aumento dos expurgos, a deterioração das condições de vida dos norte-coreanos e o crescente isolamento político que não foi capaz de impedir tal represália da comunidade internacional.

O programa nuclear norte-coreano vira cada vez mais a última cartada para a sobrevivência do regime. Já tendo tecnologia nuclear, o que se segue entre 2013 e 2016 são testes envolvendo lançamento de mísseis, para garantir a retórica de ameaça real não só aos vizinhos, mas como também aos americanos. Após inúmeros testes, a grande notícia é que finalmente esse ano foram capazes de dominar a tecnologia de mísseis balísticos intercontinentais (os ICBM) e miniaturizar bombas nucleares para carregar os mísseis.

O alcance dos mísseis balísticos norte-coreanos — crédito na imagem

Chegamos ao momento atual: o que se espera de uma Coreia do Norte equipada com tecnologia nuclear de ponta? Por mais que o Secretário de Estado americano, Rex Tillerson, comece a falar que “a política da paciência estratégica acabou”, sinalizando o fim de um dos marcos da política Obama para com o regime norte-coreano, isso não muda a realidade dos perigos que a retomada da guerra trará. Ou mesmo quando o presidente Trump faça todo o discurso belicista de que os EUA estariam dispostos agir sozinhos para restringir o programa de armas nucleares se a China não pudesse mudar a situação.

Mesmo que haja um ataque inicial norte-coreano e uma retaliação a “fogo e fúria” que destrua o regime, milhões de pessoas morrerão na Coréia do Sul e no Japão nas primeiras horas de guerra e esse não é um cálculo que vale a pena correr o risco. Chegamos em um momento que mesmo a omissão de Pequim no conflito ainda significa uma guerra de grandes proporções.

Os Estados Unidos falharam como potência quando ignoraram o perigo real que era a busca de um regime desesperado por tecnologia militar-nuclear. Concordo com outros analistas quando dizem que os anos de administração Obama certamente foram catastróficos para a política externa americana, desde o Oriente Médio à região do Pacífico-norte. Apostar que o regime estava prestes a colapsar foi uma das apostas mais infelizes de política internacional já feitas.

É um momento em que se tira da mesa de negociação o desarmamento nuclear total na península coreana. Agora Kim Jong-un tem um poder de barganha muito maior que quando ele assumiu o comando do país. Quando houver uma retomada das conversas diplomáticas, seja ela incluindo a China ou não, é certo que os EUA e aliados terão que fazer concessões muito maiores.

O que eu penso que seria uma solução adequada ao conflito é o distanciamento da Coreia do Sul dos Estados Unidos, por incrível que pareça essa solução. Todo apoio chinês para que o regime se mantenha firme é o acordo militar com Washington e a presença de uma base americana na fronteira não é uma opção razoável. Indo para uma política de neutralidade, como foi o caso clássico da Finlândia durante a Guerra fria, são boas as chances de que a China reveja sua política regional. Enquanto nenhum dos dois lados cedem a pressões e mudanças de política externa, continuamos com esse ciclo de notícias quase diárias envolvendo a Kim Jong-um e Donald Trump.

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Lucas Mendes
Vinte&Um

Analista Internacional (PUC Minas), liberal, botafoguense e focado no Leste Asiático.