O império das pessoas desinteressantes

Será possível que não haja mais pessoas interessantes nesse mundo? Será que estamos fadados a conviver com pessoas tediosas?

Matheus Leone
Vinte&Um
3 min readSep 13, 2017

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José Ortega Y Gasset, filósofo espanhol (1883–1955)

Eu sou uma pessoa, digamos… chata. Tenho plena consciência disso. E o sou mais em algumas épocas e menos em outras, mas de uma maneira mais perene, sou uma pessoa chata. Todavia, nos últimos tempos tenho percebido uma situação que ainda não sou capaz de dizer se está ligada à minha implicância inerente ou se é mesmo um mal dos nossos tempos. As pessoas, de forma geral, estão desinteressantes.

Isso mesmo, desinteressantes. Quando foi a última vez que vocês conheceram uma pessoa que julgaram interessante? Cujas opiniões, visões de mundo, bagagem cultural etc. foram capazes de lhes gerar interesse intelectual. Notem que não estou falando de atração, ou de desejo, mas de interesse intelectual. Será possível que não haja mais pessoas interessantes nesse mundo?

Pode ser, e inclusive não descarto a ideia, que o meu conceito de pessoa interessante seja demasiado equivocado. Sendo uma pessoa chata isso não seria de todo impossível, mas a noção geral que tenho tido é que não há mais pessoas cujo “papo” seja intelectualmente agradável.

Não digo nem papo de intelectual, mas intelectualmente agradável. São coisas distintas. Discutir cinema, arte, música, video-game e até mesmo situações cotidianas pode ser intelectualmente agradável sem ser, necessariamente um assunto “intelectualizado”, pedante. Entendem?

Tudo hoje me parece tão tedioso, tão mecânico, tão chuchu, tão desinteressante. Só consigo lembrar de Ortega Y Gasset.

Vivemos o império do homem massa¹, isso é inegável, e o homem massa é desinteressante porque não consegue oferecer nada além de seu primitivismo intelectual. Ele (ou ela) é hermético, fechado em si mesmo. Usufrui das benesses da civilização sem ter nenhum interesse pelos princípios que a formaram e sustentam.

O homem massa gosta de se impor inclusive no que sabe que não domina. É vulgar (não no sentido de promiscuidade, mas sim do que não se destaca), banal, medíocre, ordinário etc. e tudo isso faz desse tipo de agente social uma figura de espírito extremamente tedioso. Tedioso, vulgar, mas que gosta de impor sua própria vulgaridade ao mundo. Acha-se não apenas no direito de ser vulgar, mas no direito de impor sua mediocridade ao mundo. Como disse o próprio Ortega Y Gasset em “A Rebelião das Massas”:

… se […] estuda-se a estrutura psicológica deste novo tipo de homem-massa, encontra-se o seguinte: 1º, uma impressão nativa e radical de que a vida é fácil, abastada, sem limitações trágicas; portanto, cada indivíduo médio encontra em si mesmo uma sensação de domínio e triunfo que, 2º, convida-o a afirmar-se a si mesmo tal qual é, a considerar bom e completo o seu haver moral e intelectual. Este contentamento consigo mesmo leva-o a fechar-se em si mesmo para toda a instância exterior, a não ouvir, a não pôr em tela de juízo as suas opiniões e a não contar com os demais. A sua sensação íntima de domínio incita-o constantemente a exercer predomínio. Atuará, pois, como se somente ele e os seus congêneres existissem no mundo; portanto, 3º, intervirá em tudo impondo a sua vulgar opinião, sem considerações, contemplações, trâmites nem reservas; quer dizer, segundo um regime de “ação direta”.

Esse é o cenário que considero que nos encontramos e, talvez, isso explique um pouco a minha percepção do quão desinteressantes as pessoas têm sido.

Será essa a sina da nossa geração? O tédio, as conversas chatas, maçantes e sem conteúdo? Estaremos fadados, inexoravelmente, ao império do desinteressante? Ao império do tédio? Ao império do homem massa?

Essa minha pequena e superficial reflexão reflete apenas meu desconforto com uma situação que tenho considerado recorrente nos últimos tempos. Espero, com muita sinceridade, que seja uma visão vinda única e exclusivamente da minha chatice, e não do destino implacável da nossa sociedade.

Matheus Leone é cientista político e editor da Vinte&Um

¹ O homem massa não é o homem pobre ou o proletário ou o “homem da massa”. Não se trata de um conceito de classe, mas um estado de espírito dominante na nossa sociedade. Ver “A Rebelião das Massas”, de José Ortega Y Gasset.

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Matheus Leone
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