O tribunal que criamos com as redes sociais

A tarde começa a cair. "Vamos no cinema?" — adentrou o convite mais inesperado desta quinta-feira nada comum. "Vamos" — disse na expectativa de ser mais um filme divertido e até mesmo um momento de folga e relaxamento.

Rafaella Salles
Vinte&Um
3 min readApr 13, 2018

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foto por Daniel Chiacos — divulgação

Hoje, dia 12 de abril, é o lançamento oficial do filme "Aos teus olhos" de Carolina Jabor, que me fez sair da sala do cinema sem entender, de fato, sua proposição principal. No entanto, me fez refletir sobre inúmeros acontecimentos que já presenciei e sobre o fato de estarmos sujeitos a viver isso, através das redes sociais, todos os dias.

Este não será um espaço crítico ao filme, muito pelo contrário: eu preciso falar sobre a vida real.

Todos os dias somos dominados pela famosa "era da informação" e estamos entregues tanto às facilidades que ela nos permite ter quanto às zonas de penumbra, por meio das incertezas de ideias, do ódio e dos desafetos. Vemos com clareza que a liquidez da modernidade que vivemos, como já dizia Bauman, está criando cada vez mais antagonismos em nossa sociedade.

Os antagonismos aos quais me refiro são capazes de destruir e corroer tudo que arquitetamos em nossas cabeça como imagens lúcidas de avanço e progresso. Vivemos no século das inovações institucionais e estamos parados esperando sempre uma luz divina nos abençoar com a fluidez dos nossos pensamentos.

Para alguns, essa divindade pode ser considerada como a justiça que o direito nos proporciona, com a prescrição de atos e categorização de feitos criminoso. Para outros, a luz advém da própria vontade de fazer a justiça acontecer, seja por meio de agressão física, psíquica ou moral. Determinados em querer a verdade, somos capazes de arriscarmos tudo que temos, até mesmo nossa lucidez.

No filme, vemos como uma simples informação em um grupo de WhatsApp ou uma postagem no Facebook, sem prévia investigação, pode comprometer em muito o desempenho social de uma pessoa.

Na Constituição Federal, temos que ninguém deverá ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sua sentença penal condenatória. Isto é, ninguém poderá ser preso ou culpado sem que tenha se defendido antes e recorrido a todas às instâncias e procedimentos judiciais para tal. Com essa lógica de exposição que as redes sociais nos permitem fazer, todos os direitos reservados e zelados não só pela CF, como também pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, são deixados de lado simplesmente pela vontade de querer expor uma situação para a rede.

Sem fazer juízo moral, não quero apontar erros; quero expor o perigo que esta prática traz consigo.

Todos vestimos togas pretas quando inserimos nosso e-mail e senha para logar e, toda vez que postamos sobre alguma situação ou pessoa, emitimos nosso parecer para o tribunal que, com likes, comentários e compartilhamentos, fazem todo o processo: declararam um culpado.

Me questiono até que ponto podemos acreditar nos relatos e nas verdades que nos são apresentados. Não só isso; até que ponto esse tipo de recurso exerce poder sobre nossos julgamentos?

Estariam nossos corpos cada vez mais dóceis, sem a última etapa do processo Foucaultiano, o aperfeiçoamento, ou simplesmente perdemos nossa capacidade crítica de discernimento?

Vidas podem ser destruídas por conta de uma notícia mal informada, presidentes podem ser eleitos pela repercussão das Fake News e você pode culpar alguém inocente, simplesmente por acreditar em qualquer coisa que você vê na rede.

Nós criamos este tribunal e diferentemente das cortes que temos no país, não cessamos o direito de liberdade de outrem. O que fazemos é muito pior: colocamos toda a sociedade contra alguém que sequer conhecemos;

Culpados ou inocentes.

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Rafaella Salles
Vinte&Um

Mestranda em Administração Pública. Cientista Política. Pesquisadora e escritora das minhas lamentações nos tempos vagos.