O Uber e a Microeconomia

Daniel Duque
Vinte&Um
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4 min readNov 21, 2017

Nos primeiros anos de qualquer curso de Economia, os estudantes estudam algumas falhas de mercado. Estas ocorrem quando, fora de um cenário ideal de mercados competitivos, informação perfeita, o resultado da livre interação dos agentes econômicos não produz o resultado mais eficiente possível — em geral um resultado onde há mais produção com o mesmo dispêndio de recursos.

Quando estamos tratando, por exemplo, de informação assimétrica, estamos afirmando que os agentes econômicos não têm total conhecimento um sobre o outro. Essa situação — que no mundo real está sempre presente — gera dois problemas no estabelecimento dos contratos: a Seleção Adversa (ou o problema dos limões) e o Risco Moral.

Seleção Adversa

A questão da Seleção Adversa ocorre quando o contratante de um serviço não consegue distinguir o tipo de agente antes da contratação. É o problema que o consumidor enfrenta quando, no super mercado, precisa escolher entre dois limões, e não sabe qual está bom e qual está azedo.

Não é difícil entender quando esse problema acontece no serviço de transporte individual. Imagine você está em frente à sua casa, chamando um táxi para seu trabalho. Você está chamando um agente para que este lhe preste o serviço de transporte. No entanto, você sabe como é esse agente? Sabe se é educado, se tem os documentos em dia, se seu carro está em perfeitas condições?

Essa assimetria de informações não só gera o risco de você pegar taxistas ruins, mas também, ao longo do tempo, vai tirando os bons taxistas do mercado, fazendo com que predominem os ruins. Isso porque ter seus documentos em dia, deixar o carro sempre em perfeitas condições e ser educado, independentemente do seu humor, tudo isso tem custos. Logo, se a probabilidade de pegar passageiros e o preço do serviço não dependem de ser um bom taxista, ao mesmo tempo em que ser um bom taxista aumenta os seus custos, você tenderá ou a sair do mercado, ou a ser um mau taxista.

Como o Uber pôde, então, resolver essa questão?

Com um sistema de avaliações no aplicativo, dadas tanto pelos usuários quanto pelos motoristas, a empresa de transporte implementou punições relacionadas a uma baixa nota. Passageiros com poucas estrelas vão conseguindo acessar cada vez menos motoristas, enquanto estes, quando têm menos de quatro estrelas, ficam temporariamente suspensos do aplicativo e passam por um programa de reciclagem.

O sistema de avaliações, junto a punições relacionadas a notas baixas, faz com que motoristas e passageiros sejam estimulados a serem educados uns com os outros, melhorando a qualidade do serviço prestado e consumido. Com isso, a seleção adversa ocasionada pela assimetria de informações é evitada, de modo a corrigir uma importante falha do mercado de transporte individual.

Risco Moral

O Risco Moral é outro problema causado pela assimetria de informações. Ele trata, por exemplo, de um contratante empregar um indivíduo e este último não realizar adequadamente as tarefas pelas quais recebe seu salário. O empregador fica, portanto, à mercê da “moral” do empregado.

Outra possibilidade de Risco Moral é a má utilização do meio de trabalho. Se um taxista aluga seu carro, por exemplo, ele fica à mercê do alugador de tomar cuidado com seu veículo, principalmente com relação a pequenos danos, como arranhões e pequenos amassados, que não podem ser detectados facilmente.

A maioria dos economistas afirma que uma solução para o Risco Moral são as sinalizações. Mas elas são insuficientes, e o Uber, sabendo disso, estabeleceu uma forma de contrato com os motoristas de modo a se assemelhar à prestação de um serviço. Isso significa que, se alguém quiser dirigir para a empresa, ela vêm com seu próprio carro e decide quanto quer trabalhar, utilizando a plataforma do aplicativo de forma não exclusiva, e pagando 20% do quanto ganha dos passageiros que consegue por ela.

Trabalhando com seu próprio carro e recebendo um percentual do quanto produz da receita, os motoristas se preocupam com seu meio de trabalho e, se desejarem um maior rendimento próprio, trabalham mais horas e com mais afinco. Foi assim que o Uber resolveu outra grande falha de mercado.

O transporte individual via aplicativo hoje já é uma realidade. Seja o EasyTaxi, o Cabify ou o 99 Taxi, hoje temos um vasto mercado que agregou taxistas e outros interessados nesse serviço. Não há dúvida que esse modelo de sucesso foi produzido por quem, mesmo que intuitivamente, conhecia de microeconomia. Resolvendo as falhas de mercado, o Uber reduziu o preço e melhorou a qualidade do serviço de transporte individual no Brasil e no mundo.

Daniel Duque é economista e mestrando pela UFRJ, pesquisador jr. do Instituto Mercado Popular e consultor de pesquisa jr. do Instituto Promundo.

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