Pornografia em números: juventude e seus hábitos

Uma breve investigação acerca dos hábitos pornográficos dos meus seguidores no Instagram.

Matheus Leone
Vinte&Um
Published in
11 min readNov 17, 2017

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Prólogo

Não há nada mais indomável que o ímpeto sexual humano, e a história prova isso. A pornografia, em especial, foi e é considerada elemento imoral há séculos — principalmente após a hegemonia do cristianismo como padrão moral do ocidente. A pornografia sobreviveu todas as tentativas de repressão da história. Todas. Não há código moral capaz de cessar o impulso humano pela representação do sexo.

Pessoas se interessam por sexo. Até mesmo aquelas que dizem não se interessar se interessam. O sexo, o dinheiro e o poder jamais deixarão de ser as forças motoras da sociedade, na opinião deste que vos fala. E, obviamente, esses três elementos muitas vezes se misturam.

Hemos de considerar, claro, a mudança do conteúdo pornográfico ao longo da história e a forma com que a sociedade se relaciona com esse material. É indiscutível que a sociedade cristã lida com a pornografia de forma muito distinta dos povos helênicos (em especial os atenienses) e dos romanos.

No caso dos helênicos, como nos diz o texto “A (indiscreta) história da pornografia”, de Marco Antônio Lopes, a representação não apenas da nudez, mas também do sexo era elemento corriqueiro. Estátuas nuas, cenas de sexo representadas em cerâmicas e até mesmo concursos faziam parte da sociedade, sem a repressão moral que o cristianismo trouxe para o tema.

O controle social por parte da Igreja, na Idade Média, buscou a total repressão da luxúria e, consequentemente, das representações do sexo. Com a Inquisição, a mão pesada da Igreja caiu sobre vários, inclusive sobre Giovanni Boccaccio, que escreveu o Decameron entre 1349 e 1351. Nas palavras de Marco Antônio Lopes, Boccaccio foi uma espécie de “Galileu da pornografia, um digníssimo mártir da carne.”.

Essa repressão ficou mais fraca no período do Renascimento, em que foi possível que artistas retratassem a nudez, inclusive em obras de temática sacra. Essa liberdade não durou muito, e a contestação da repressão voltou a aparecer com maior força no século XVIII, somada à contestações políticas.

Como poderíamos ignorar, por exemplo, o Marques de Sâde? Provavelmente o maior ícone da pornografia ocidental, chocava não apenas pela representação literária do sexo, mas pela representação dos desejos mais inconfessáveis dos seres humanos, o que posteriormente viríamos a chamar de “fetiches”. Sâde, preso, nada mais fez do que retratar coisas que via, festas que participava e desejos que humanos tinham, mas que jamais confessariam. A imoralidade de Sâde encontrava muito mais amparo na hipocrisia dos que o acusavam do que propriamente na estranheza do que ele descrevia.

De lá pra cá a tecnologia se encarregou de transformar a pornografia de algo escondido para uma das maiores indústrias mundiais. Algo que gira bilhões e bilhões de dólares anualmente apenas nos Estados Unidos. Para isso contribuiu muito toda a onda de liberdade sexual de meados do século XX, inegavelmente.

Hoje, é difícil achar quem nunca tenha tido algum contato com material pornográfico, ainda mais se estivermos falando de millennials, pessoas jovens que já nasceram em uma época onde a internet democratizava o acesso. Se nossos pais tinham que cortar um dobrado para conseguir uma revista, escondê-la, e repassar para os amigos, nós já nascemos em um tempo em que a pornografia se encontrava a um clique de distância.

O texto que agora lhes apresento não pretende discutir questões éticas. Não vou discutir, inclusive, a sujeição da mulher na pornografia e os malefícios de uma indústria que, muitas vezes, submete mulheres a condições desumanas. Não discutirei, também, se é algo a ser incentivado ou desencorajado; se é certo ou errado; se moral ou imoral. Discutirei, sim, padrões de consumo de pornografia por parte de jovens, em especial aqueles que responderam às enquetes realizadas no meu Instagram.

Minha curiosidade me leva a buscar entender os hábitos dos jovens no que tange a pornografia. Quem acessa? O que acessa? Como acessa? Com quem compartilham e assim por diante. Este pretende ser um relato mais empírico e menos argumentativo, e apresenta-se como o segundo texto do que espero ser uma tríade sobre hábitos sexuais. No primeiro texto, publicado há poucas semanas, tratei da cultura dos nudes como fenômeno social. Para os que ainda não leram, segue o link — e vamos aos números.

Pornografia em números

Chegamos, enfim, ao tema principal deste texto: os números sobre hábitos de consumo de pornografia. Conduzi enquetes no meu Instagram para entender de que forma as pessoas se relacionam com a pornografia.

Primeiramente, cabe identificar aqueles que responderam às enquetes e colaboraram para essa investigação sobre o assunto. 123 pessoas participaram respondendo às perguntas. A maioria (64%) são homens, têm menos de 30 anos (88%), se afirmam heterossexuais (81%) e têm uma visão positiva da pornografia (62%). Isso nos dá mais ou menos um perfil da maioria dos que participaram: homens, heterossexuais e jovens.

A primeira pergunta feita foi se acessam conteúdo pornográfico com frequência, ou seja, se costumam acessar pornografia. Uma hipótese inicial minha (já bem batida, por sinal) foi confirmada nessa pergunta: homens acessam (ou dizem acessar) mais pornografia que mulheres. Enquanto 61% dos entrevistados homens responderam acessar com frequência, apenas 26% das mulheres disseram ter esse hábito.

No que tange a “frequência” desse acesso, temos que 71% dos 123 entrevistados afirmaram acessar menos de 5 vezes na semana. Eu não saberia dizer se considero isso um número baixo.

Um questionamento inicial me fez duvidar do sucesso das enquetes realizadas. Duvidei se as pessoas responderiam ou se algo como “vergonha” as impediria de participar. Tive uma grata surpresa não apenas no aumento de participantes quando comparado ao do texto anterior (91 participaram), mas também na disposição das pessoas de responderem as várias perguntas feitas.

Eis que 78% dos entrevistados afirmaram não ter vergonha de dizer que assistem pornografia, o que nos mostra que a prática é um tabu muito menor entre os jovens do que obviamente era no passado. Esse número é ainda mais expressivo quando lembramos que o realizador das enquetes vê quem respondeu e como respondeu. Ou seja, esse elevado número de pessoas que responderam não ter vergonha se manifestou na participação delas.

Um outro dado interessante de se notar é que estar ou não em um relacionamento parece não implicar no acesso ao conteúdo pornográfico. 68% dos que responderam disseram que, mesmo quando em um relacionamento, acessam conteúdo pornográfico.

Isso pode nos dizer que há um caráter pessoal nisso. Não é só que as pessoas veem pornô porque não estão conseguindo transar. Elas assistem pornô mesmo quando, em tese, podem transar. É um hábito que parece resistir ao relacionamento. Os efeitos e impactos disso no relacionamento em si não sou capaz de precisar e, tampouco, é o objetivo deste texto.

Cabe, portanto, entender um pouco mais do hábito das pessoas:

Pessoas assistem pornografia. Isso é um fato que não vale muito a pena contestar. Mas como assistem?

Bom, primeiramente temos um fato interessante: a maioria assiste via celular (65%). Isso, sem dúvida, é uma mudança da última década. O surgimento dos smartphones, com acesso a internet, não permitiu apenas que tarefas de trabalho ou estudos fossem transferidas para o celular, mas também a pornografia. A pornografia na palma da mão (sim, foi uma piada). Essa mudança é digna de nota principalmente para os que nasceram nos anos 90, como eu. Celular até meados dos anos 2000, mesmo com internet, não era uma ferramenta útil para acessar conteúdo pornográfico. Aqueles um pouco mais velhos sabem, ainda, que muitas vezes o computador era a única forma de acesso tendo que, muitas vezes, fazer o download eterno de um vídeo de 2 minutos, ou até mesmo carregar uma simples imagem que ia aparecendo linha por linha.

A facilidade é inegável, e as preferências ficaram um pouco mais claras com as respostas dadas. Primeiramente, a imensa maioria tem um site de preferência (81%) e nunca pagaram para acessar o conteúdo (92%). Temos pornografia, uma variedade ampla de sites e — mais importante — gratuitamente.

No que tange hábitos, temos que 75% dizem acessar mais durante a semana e 82% durante a noite. Isso já era uma hipótese inicial. Primeiro porque as pessoas tendem a sair durante o fim de semana, não estão em casa para isso. Em segundo lugar porque a rotina da semana pode ser pesada, e alguns podem ver a pornografia como uma espécie de válvula de escape para a rotina.

No que tange o conteúdo temos alguns dados curiosos, em especial a questão dos fetiches. Uma pequena maioria (52%) disse que quando acessa pornografia o faz procurando algo específico (um fetiche ou um gênero específico), enquanto 48% alegaram buscar conteúdo geral (sem um foco). Esse dado chama a atenção para o fato de que a maioria das pessoas tem fetiches. Obviamente, alguns mais confessáveis que outros, mas tem. Isso nos mostra que a busca por tipos específicos de pornografia é razoável. Os fetiches existem e as pessoas os buscam.

Quanto ao conteúdo, a maioria parece não se importar com a história retratada no pornô e nem com o idioma. No entanto, o que se apresenta como fato interessante é o tipo de pornografia assistida. 42% já assistiram pornografia gay, 87% já assistiram pornô lésbico e 58% já assistiram pornografia bissexual. O curioso desses dados é compará-los com o número de entrevistados que afirmaram não ser heterossexuais (19%). Ou seja, mesmo heterossexuais já acessaram conteúdo pornográfico não-heterossexual, com destaque para a pornografia lésbica, que nós sabemos ser um fetiche particular de muitos homens.

Quando perguntados, os heterossexuais que já acessaram conteúdo gay afirmaram majoritariamente (62%) que a motivação foi curiosidade.

Chegamos, por fim, ao caráter relacional da pornografia, ou seja: com quem as pessoas assistem e se a compartilham. Isso é relevante no sentido de entendermos se a pornografia se apresenta como um fenômeno meramente privado ou se há aspectos relacionais para ela, tanto na própria relação amorosa/sexual quanto em termos de amizades.

Vimos no texto sobre os nudes que amigos mandam fotos nuas de si mesmos para outros amigos (frexting) e que isso não necessariamente significa atração física. Nesse caso, temos que a maioria afirma não enviar pornografia para amigos (o que se distingue dos nudes, que não são bem pornografia). 32% afirmaram que fazem o envio para amigos, número que considero abaixo do que esperava inicialmente. Esse número aumenta, no entanto quando perguntados se recebem pornografia de amigos (57% dizem receber). Uma possível explicação para isso pode ser que as pessoas estão menos dispostas a admitir que compartilham pornografia com amigos do que estão em admitir que recebem.

O mesmo ocorre quando buscamos saber sobre o compartilhamento de cenas de sexo privadas entre amigos. Quando perguntados se já enviaram vídeos ou imagens de si mesmos em relação sexual para amigos, apenas 18% afirmaram já terem o feito, enquanto 36% afirmaram já terem recebido imagens ou vídeos de amigos em relações sexuais. O que esses dados podem nos dizer é que pessoas estão menos dispostas a compartilhar cenas de sexo privadas com amigos, apesar de o dobro afirmar que já recebeu de amigos. Ainda assim, a grande maioria tampouco afirmar ter recebido.

No que diz respeito à companhia, temos um número considerável (49%) de entrevistados que afirmam já terem assistido pornografia com o(a) namorado(a), o que pode indicar um uso da pornografia para “apimentar a relação”. No entanto, o número daqueles que afirmam já terem feito sexo enquanto assistiam conteúdo pornográfico é menor (33%).

O número daqueles que já assistiram com amigos é 10% menor do que aqueles que já assistiram com parceiro. 39% afirmaram já terem o feito, o que eu não considero um número baixo, principalmente tendo em vista a transposição de um elemento privado que é a pornografia para uma esfera semi-pública que é a presença de amigos.

Algumas considerações finais

O intuito desse texto era trazer luz aos hábitos das pessoas no que tange a pornografia. Creio que as respostas obtidas, por menor valor estatístico que tenham (dada a falta de método científico rigoroso), não perdem sua significância. Elas representam um universo limitado que são meus seguidores no Instagram.

Creio, no entanto, que pudemos ter uma certa claridade dos hábitos pornográficos dessas pessoas, o que eu considerei particularmente peculiar. Nesse sentido, faço um agradecimento a todos que colaboraram para esse modesto texto.

Um último ponto que creio ser propício discutir é que muitos dos que comigo conversaram levantaram aspectos negativos da pornografia. Não apenas do ponto de vista das más práticas da indústria pornográfica, mas também do efeito do consumo de pornografia. Muitos consideram que ela atrapalha a relação entre as pessoas. Esse número se mostra elucidativo quando perguntados se consideram que a pornografia gera expectativas irreais nas pessoas.

Como podemos ver, a grande maioria considera que a pornografia tem esse efeito. Conversei com algumas pessoas no privado para tentar entender o que elas dizem quando afirmam haver expectativas irreais oriundas da pornografia. Várias delas alegaram questões como a visão sobre o próprio corpo e o corpo alheio; a expectativa quanto a facilidade de certas “posições” e modalidades; expectativas sobre o que a mulher supostamente deve estar disposta a fazer; e até mesmo expectativas femininas quanto ao tamanho das ferramentas.

Enfim, muitos consideram que há esse efeito nocivo da pornografia na vida das pessoas, apesar de a maioria vê-la de forma positiva.

Obviamente, como tudo na vida, é preciso entender que a pornografia pode ser um problema. Muitos defendem a proibição como forma de atacar, por exemplo, o machismo. Eu tendo a me alinhar com a visão de Cecília Lopes sobre o assunto. Há alguns meses ela publicou neste espaço um texto em que abordou a questão do proibicionismo:

A grande questão é que o acesso à pornografia pode ser salutar. Muitos aprendem a “anatomia do sexo” acessando esse tipo de conteúdo e muitas vezes a própria descoberta sexual vem desse acesso. Meu papel não é julgar as pessoas por seus hábitos sexuais, principalmente porque considero a grande diversidade sexual uma das mais belas manifestações da pluralidade individual e uma das minhas maiores curiosidades pessoais.

Matheus Leone é cientista político e editor da Vinte&Um

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