Quais as chances de Trump terminar o mandato?

Lucas Mendes
Vinte&Um
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7 min readApr 20, 2018
Presidente Donald Trump sendo empossado em 20 de janeiro de 2017 no edifício do Capitólio dos EUA em Washington, D.C. — White House photographer

Confesso que quase desisti de escrever nesta semana, achei que os temas estavam meio mornos ou incompletos demais para se escrever algo sobre, mas ontem o Youtube me recomendou um vídeo esclarecedor. O vídeo em questão era uma entrevista para o New York Times com Ann Coulter, comentarista política e vocal apoiadora do Trump, afirmando que muitos eleitores estão decepcionados com o andar da carruagem, inclusive ela própria, já que a principal promessa de campanha, o muro na fronteira com o México, não está a caminho de ser cumprida. Em meu texto anterior citei que as mudanças feitas por Trump até agora têm mais a ver com a agenda republicana que com as promessas de campanha, o que decepciona parte fundamental do eleitorado que votou em um candidato que prometia mudanças substanciais.

Se esse eleitor médio que deu a vitória está pouco a pouco insatisfeito, aproveito a pauta e entro no mérito sobre quais são as perspectivas de Trump terminar o mandato, visto que as investigações estão chegando cada vez mais perto do presidente, a aprovação não consegue passar da casa dos 40%, temos uma eleição no Legislativo federal este ano e a política externa ainda não decolou. É importante ressaltar aqui que esta é uma análise que leva em conta os últimos acontecimentos, bem realista em relação ao funcionamento da política americana, conservadora quanto aos possíveis ganhos eleitorais dos Democratas em novembro e a conjuntura internacional.

Onde estamos em relação a investigação de conluio com a Rússia?

Procurador Especial Robert Mueller na capa da TIME Magazine de 3 de julho de 2017 — Marco Grob/TIME

No que diz respeito às investigações do Procurador Especial Robert Mueller, parece que o cerco está se fechando cada vez mais. No dia 9 de abril, o FBI foi autorizado a fazer uma busca e apreensão na casa, quarto de hotel e nos escritórios do ex-advogado pessoal de Trump, Michael Cohen. Cohen era o principal intermediário e porta-voz de Trump e seus familiares não só em relação à mídia, mas também em matéria de política e negócios, especialmente com as parcerias mundo afora. Isso inclu negociações para construir uma Trump Tower em Moscou e troca de e-mails com oficiais do governo russo quando o projeto começou a desandar.

O fato curioso é Cohen ser o mesmo advogado responsável por pagar 130 mil dólares para a ex-atriz pornô Stormy Daniels para que ela não revelasse momentos íntimos com Trump durante a campanha. Trump afirma não ter conhecimento desse acordo de não divulgação e, no momento, os advogados de Stormy buscam invalidar o acordo já que Trump não o teria assinado. Muitos comentaristas que acabam sendo papagaios para a retórica de Trump no Twitter se esquecem que além da investigação acerca de envolvimento da Rússia e de uma coordenação com a campanha, Mueller está autorizado a seguir qualquer linha de investigação que surja a partir dessas informações coletadas. Então, é normal que ele esteja procurando provas de financiamento ilegal de campanha em relação a esse suborno, colocando Mueller na mira de uma possível demissão vinda da Casa Branca, algo sem precedentes na política americana.

A demissão de um procurador especial por um presidente não encontra precedentes na história dos Estados Unidos, mas essa não seria a primeira vez que Trump demite alguém que o investiga. Foi o caso, por exemplo, da polêmica demissão de James Comey, diretor do FBI, que também investigava a interferência russa nas eleições.

Ainda que não tenhamos dimensão completa do que está sendo levantado por Robert Mueller, fato é que mais exposição negativa está por vir. Ainda que o procurador tenha um caso concreto para impeachment de Trump em breve, é necessária uma tramitação no Congresso americano, controlado pelos Republicanos. Como todo processo político, mesmo com seu viés jurídico, é exigido que os congressistas republicanos votem em massa contra um presidente do próprio partido, coisa que não acredito que se confirmará, mesmo com forte apoio popular para tal. O único jeito realista de um processo de impeachment entrar na pauta e ser acatado tem a ver com o segundo ponto em relação as eleições em novembro.

Se é necessária uma maioria Democrata para que tirem o Trump, qual a possibilidade de isso acontecer?

Líder dos Democratas Congresso, Nancy Pelosi e, líder dos democratas no Senado, Chuck Schumer em anúncio sobre DREAM Act em julho de 2017 — Aaron P. Bernstein/Getty Images

Temos bons termômetros para medir a aprovação do presidente entre a população geral via eleições especiais, que são eleições fora de época, sendo o caso do 18º Distrito da Pennsylvania em março/18, a eleição especial para o Senado no Alabama em dezembro/17 e o 6º Distrito da Geórgia em junho/17. Nos três casos estamos falando de distritos que são tradicionalmente republicanos e que Trump venceu com ampla maioria em 2016 (10–20 pontos de vantagem) mas que foram muito competitivos para os Democratas. Nos dois primeiros casos citados houve vitória democrata e no último, por pouco, uma derrota.

Mesmo que nestas eleições de meio de mandato todos 435 assentos na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos e 34 dos 100 assentos do Senado dos Estados Unidos estejam na disputa, boa parte deles são redutos de um lado ou de outro da balança. O que se espera é que mais assentos estejam mais competitivos que o normal, em virtude da baixa aprovação do presidente e das investigações.

Acredito que é imprescindível cautela ao Partido Democrata, que não pode dar como certa essa vitória em novembro e acreditar que apenas os escândalos diários da presidência podem dar tração às campanhas individuais. Cada candidato disputa em um microcosmo do seu distrito, então é importante que a mensagem não seja unificada e que os candidatos olhem para as preferências dos seus eleitores imediatos, ao contrário das eleições para Senado e Governos estaduais em 2016. Até por que, de maio a novembro muita coisa pode acontecer, em particular na arena internacional que pode dar sobrevida aos republicanos no Capitólio.

Então, como estamos na agenda internacional?

Kim Jong Un e Xi Jinping apertam as mãos durante a primeira viagem internacional do ditador norte-coreano em 28 de março de 2018 — KCNA

Acho que neste ponto estamos diante do grande forte da administração atual. Esse fator sozinho sempre foi motivo de glória ou tragédia de governos inteiros, então é importante estar atento. A política externa vigente é muito mais ativa e incisiva que a de Obama, não aceitando o uso de armas químicas na Síria e retaliando da maneira adequada para uma grande potência, coisa que a administração passada não ousou fazer quando houve a violação da “linha vermelha”.

Ainda que controversa, a mudança da embaixada dos Estados Unidos de Tel Aviv para Jerusalém é vital para o fim do impasse das negociações entre Israel e a Autoridade Palestina. Ao invés de deixar a questão para as duas partes resolverem, o que por 10 anos não vem dando certo, é plausível pensar que o lado palestino aceite maiores concessões. É uma jogada arriscada no ponto de vista americano, instigando desconfiança do mundo árabe, mas essencial para uma mudança no longo prazo.

Por outro lado, contra todas as possibilidades, o mérito de conseguir que a Coreia do Norte aceite uma reunião de alto nível é todo de Trump, ao colocar a China na parede e exigindo uma mudança de postura em relação às sanções contra o regime de Kim Jong-un. Conforme o South China Morning Post, meu jornal favorito para Ásia, há chances de que as duas Coreias assinem acordo de paz definitivo semana que vem, após mais de 60 anos de armistício. Essa sozinha seria a maior mudança na Ásia-Pacífico desde o fim da Segunda Guerra. Isso abriria caminho para um encontro sem precedentes entre Trump e Kim em maio-junho, onde a possibilidade de desarmamento nuclear é completamente real. Tudo isso posto em perspectiva poderia fazer Trump se reeleger por si só, apesar de que é necessário ter um pé atrás sempre, já que não é de hoje que essas possibilidades existem.

Portanto, as chances de Trump terminar o mandato estão intimamamente relacionadas com sua capacidade de desviar a atenção das investigações com pautas de sucesso e, assim, minar qualquer resultado possível por parte de Mueller. As melhores chances vêm da política externa, o que causa estranheza tendo em vista o controle republicano de ambas as casas do Congresso, apoio mais que suficiente para aprovação de qualquer pauta doméstica. Seria interessante ver um enfoque maior a pautas menores da campanha e que contam com apoio bipartidário, como um investimento de peso para infraestrutura e garantir 6 semanas de licença remunerada, para ganhar tração e começar a subir no índice de aprovação antes que os Democratas minem qualquer chance do mandato terminar.

Lucas Mendes é analista internacional pela PUC Minas, social-democrata, botafoguense e focado no Leste Asiático.

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Lucas Mendes
Vinte&Um

Analista Internacional (PUC Minas), liberal, botafoguense e focado no Leste Asiático.