Quando a realidade parece mais caricata do que o seriado de política

A situação é mais adversa do que esperávamos, e nem House of Cards está conseguindo competir com o que está a acontecer.

Gabriel Azevedo de Sousa
Vinte&Um
4 min readMay 31, 2017

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Ocorreu ontem o lançamento da quinta temporada de House of Cards, e o perfil oficial brasileiro da série está bem atualizado dos acontecimentos políticos no país. Mais uma vez eles destacam estar “difícil competir”.

Ator Michael Kelly (Douglas Stamper) do seriado House of Cards em vídeo promocional da 5ª temporada

Diferentemente do seriado, em que há uma trilha de sangue que leva aos Underwood, e a história se desenvolve basicamente sobre a trajetória de Francis e Claire Underwood ao topo do poder, a história no Brasil está um pouco diferente.

Não se trata da ascensão de Michel e Marcela Temer, ou dos ganhos de Eduardo Cunha e Claudia Cruz. Os desdobramentos dos acontecimentos políticos são os mais diversos e os mais adversos também, vejamos alguns:

  • A Lava Jato já ultrapassa 40 fases e desdobramentos, o ministro responsável por tratar da operação no Supremo Tribunal Federal morre em acidente de avião.
  • Inicia-se na mesma data (17 de janeiro) um inquérito acerca da questão. Hoje, pouco se fala sobre o inquérito. Tanto que até mesmo em um dos sites de notícia de maior circulação no país, o fato de o delegado responsável pela abertura da investigação do acidente ter sido morto ontem foi secundário. [edit: posteriormente Estadão lançou matéria destacando o fato de o delegado estar investigando o avião de Fachin]
  • Existem documentos que levam ao ex-presidente Lula da Silva, apontando para a compra de um imóvel no Guarujá-SP. Estes documentos por sua vez foram rasurados e o imóvel não consta em seu nome, ainda que o ex-presidente da OAS tenha supervisionado uma reforma para transformar uma unidade duplex em triplex e tenha apontado como “presente para o ex-presidente”. A delação de Léo Pinheiro aponta para Lula, contudo, não há provas materiais.
  • Ainda acerca de Lula temos que este mencionou que em seu Instituto se discutiam vários assuntos. Há indícios de que delitos criminais ali ocorreram. Certo. Seria então suficiente esta razão para suspender por tempo indeterminado as atividades do instituto? Uma semana depois a decisão foi suspensa, mas poderia esta ter, para começo de conversa, existido? Acredito que não, me parece uma atitude autocrática e sem qualquer senso de justiça.
  • Uma grande empresa, que cresceu e expandiu em grande medida em virtude do capital do BNDES admite corromper pessoas e instituições, nos mais distintos modos, desde pagamento de “auxílios” semanais de 500 milhões para a família de um ex-deputado que está em reclusão, até compra de membros do Ministério Público Federal e da Justiça. Os donos desta empresa fazem um acordo com o Ministério Público para pagar bilhões em 20 anos em troca destas informações e saem sem cumprir pena de reclusão alguma (nem semiaberto, nem aberto, nem fechado, não teve pena de reclusão).
  • Nesse meio tempo, com a delação feita por esta grande empresa um deputado que é suplente é pego com uma mala com 500 mil reais, sendo um dos titulares o ministro da Justiça. Visando garantir que o suplente continue no cargo o governo mexe com a estrutura ministerial de forma a levar o Ministro da Transparência para a pasta da Justiça e convida o ministro da justiça (deputado do mesmo estado de Rocha Loures e titular da vaga) ao ministério da Transparência. Ocorre que Serraglio é também investigado, não pega bem ir para uma pasta que busca combater a corrupção na administração pública e garantir a transparência nesse processo. Serraglio ainda não retornou à Câmara dos Deputados e o governo não sabe o que fazer quanto ao Rocha Loures.
  • O jornalista que mais critica a atuação da PF é gravado em conversa telefônica com a irmã do Senador afastado Aécio Neves, Andreia Neves, de forma que o PGR inclui a gravação nos autos, mesmo a PF admitindo não apresentar qualquer relevância material para a investigação, este jornalista se demite da veja e da jovem pan.

A situação leva a crer que se trata de um seriado (e se fosse já teríamos até uma capa para o seriado, veja abaixo) mas não. É a situação no Brasil e esta é a pior possível.

Nessa história toda, até o Tiririca que nada tem com a corrupção (que saibamos) saiu de vilão na história. Fez campanha dizendo que pior do que “tá” não fica e agora o estrago está aí.

É amigos, fica difícil para a Netflix competir.

Para os próximos capítulos podemos esperar:

  • TSE discutir em Plenário a cassação da Chapa Dilma Temer — provavelmente apenas discutir, como pontuado no último texto. (Gilmar Mendes confirmou a previsão aqui feita, veja)
  • No Congresso tudo se mantém como está, sem possibilidade de aceitar qualquer denúncia, seja ela penal (a ser julgada pelo STF) ou de responsabilidade (a ser julgada pelo Senado).

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Gabriel Azevedo de Sousa
Vinte&Um

Cientista político (UnB), Tomador de Mate e Pernambucano praticante, é torcedor do Náutico e do Boca.