Seriam as cotas uma solução para o elitismo nas universidades federais?
Todos pagam pelas instituições de Ensino Superior, mas somente alguns têm acesso ao serviço educacional que elas oferecem.
Sabe-se já que, no Brasil, a Universidade Pública, em especial a Federal, é um espaço majoritariamente ocupado pela elite do país. Isso ocorre porque, no Brasil, 29,5% dos jovens de 18 a 24 anos pararam de estudar sem completar o Ensino Médio, segundo a PNAD 2015. Além disso, através de um método de ingresso por uma prova unificada, tal qual o ENEM, entram nas universidades federais principalmente aqueles com um ambiente familiar propenso ao desenvolvimento das capacidades cognitivas e das habilidades sócioemocionais.
Todos pagam, portanto, pelas instituições de Ensino Superior, mas somente alguns têm acesso ao serviço educacional que elas oferecem. Por causa da alta concorrência das universidades públicas e da baixa qualidade das escolas públicas brasileiras, aqueles em situação econômica mais vulnerável têm pouca chance de conseguir uma vaga para estudar em uma universidade financiada pelo contribuinte.
O Gráfico abaixo, por exemplo, mostra, com os dados do suplemento de mobilidade sócio ocupacional da PNAD 2014, a porcentagem de jovens com pais com Ensino Superior ou Mestrado/Doutorado e essa mesma porcentagem para jovens que estudam em Universidades Federais. O que se vê é que, enquanto a apenas 7,6% da população jovem geral tem pais com um diploma de graduação ou pós, esse percentual chega a 36% para jovens estudando em universidades federais.
Outra forma de mostrar a sobre representação da elite nas universidades é averiguando quantas vagas das universidades são ocupadas pelos 10% mais ricos de cada região em cada região. Novamente com a PNAD de 2015, percebe-se que em todas as cinco grande regiões no Brasil, os 10% mais ricos ocupam pelo menos 20% das vagas universitárias, o dobro de sua presença na população. No Nordeste, não por acaso a região mais desigual do país, quase um terço das vagas são destinadas ao decil mais rico, com a maior sobre representação dessa parte da população no país.
Muitos argumentam, no entanto, que, apesar de ter existido até então muito maior presença dos mais ricos nas universidades públicas, essa realidade tende a ser extinta com implementação das cotas sócio raciais. Este é um argumento é o que será analisado por este artigo.
Data-se já mais de dez anos desde que as primeiras universidades públicas adotaram o sistema de cotas como ação afirmativa direcionada aos negros. Esse processo se inicia quando a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), em 2003, implementa uma reserva de quase metade das vagas para alguns segmentos desfavorecidos da sociedade, dentre os quais os pretos e pardos. A seguir, a Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira instituição de ensino superior federal a, em 2004, adotar mesmo sistema de cotas raciais para seu ingresso.
Iniciado, portanto, em meados de 2003, o trajeto da política de reserva de vagas aos negros nas universidades iniciou um profundo debate de ações afirmativas do Estado, que ganhou cada vez mais espaço ao longo da última década, enfrentando e superando parcialmente as controvérsias que esse sistema acabaria por gerar. Ao fim desse processo, o Decreto nº 7824, de Outubro de 2012, conhecido como Lei das Cotas, estabeleceu como política pública federal a reserva de vagas nas Instituições Federais de Ensino Superior com três critérios: renda, cor/raça e frequência à escola pública.
A divisão estabelecida pela Lei de Cotas toma o seguinte desenho:
- No mínimo 50% das vagas das Universidades Federais devem ser destinadas a ingressantes que tenham cursado uma escola pública durante o Ensino Médio e/ou Profissional.
- Desses 50%, deve haver uma porcentagem destinada a ingressantes que se auto declarem negros, indígenas e deficientes físicos no mínimo igual ao percentual presente no Estado da Instituição de Ensino.
- Ainda desses 50%, metade deve ser destinada a ingressantes de renda familiar per capita igual ou menor a 1,5 salários mínimos (cerca de 1400 reais referentes ao ano de 2017).
Apesar de meritória na intenção de aumentar a participação da população mais marginalizada nas universidades federais, a Lei de Cotas tem capacidade limitada de obter tal resultado, por três razões, cada uma referente a um dos critérios estabelecidos pela lei:
- Tendo em vista o baixo número de abertura de vagas nas universidades federais por ano — menos de 350 mil em 2015 -, há uma grande chance de metade destas vagas serem quase integralmente ocupadas por estudantes da elite do ensino público. Apenas em escolas Federais, conhecidas por sua excelência (e público diferenciado das estaduais e municipais), 155 mil jovens estudavam no Ensino Médio no ano de 2015 segundo a PNAD daquele ano.
- Mais uma vez, tendo em vista o baixo número de abertura de vagas nas universidades federais por ano, não haverá dificuldade de a elite da população negra obter vantagem em relação à parcela mais pobre da população de sua cor/raça. Assim, ainda que haja uma maior progressividade racial, há pouco efeito sobre a progressividade social. Essa situação é agravada ainda pelos crescentes casos de fraude relatados nas universidades, levando algumas delas a instituir “tribunais raciais”.
- Em 2015, no Brasil, quem tinha uma renda familiar per capita de 1400 reais por mês estava entre os 20% mais ricos do país segundo a PNAD daquele ano, de modo que o efeito social de tal cota é pouco progressivo.
É possível avaliar empiricamente o efeito da Lei de Cotas sobre a progressividade do acesso às Instituições de Ensino Superior. Para isso, basta observar a evolução a partir de 2012 do percentual dos jovens mais ricos com 18 anos nas universidades federais. O Decreto nº7824 dava um prazo de até Agosto de 2016 para todas as instituições se adequarem às novas regras, no entanto, já em 2014 praticamente todas elas já incluíram parcial ou integralmente todos os critérios para a reserva de cotas. Portanto, no ano de 2015, será possível ver quase todo o efeito da lei.
Como o Gráfico abaixo mostra, houve de fato uma significativa queda no percentual dos jovens entre os 10% mais ricos dessa população nas universidades federais: de um nível em torno de 40% nos anos de 2012 a 2014, para 26,2% em 2015. Essa queda, no entanto, não foi capaz de reduzir a grande sobrerepresentação da população mais rica nas universidades federais, evidenciando, portanto, a limitação da Lei de Cotas.
As cotas, portanto, tem de fato um efeito progressivo sobre o acesso à Universidade Pública, porém, esse efeito é razoavelmente limitado. Com elas, é provável que o perfil socioeconômico universitário passe por uma razoável redução dos 10% para uma maior presença da faixa dos de 30 a 20% mais ricos do país, com ainda sobre representação destas. Essa pode ser uma mudança significativa em termos comparativos, mas pouco relevante em termos da forte regressividade absoluta que é o gasto com universidades públicas no Brasil.