Uma ode à ignorância

Felizes são aqueles que não buscam refletir

Matheus Leone
Vinte&Um
3 min readDec 20, 2017

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Pandora — Thomas Kennington

Quisera eu ser ignorante e poder ver a vida pela ótica simples daqueles que simplesmente fogem de qualquer reflexão mais profunda que uma poça d’água. A benção da ignorância simplifica as coisas e — até certo ponto — gera muito mais felicidade que o conhecimento. Quem sabe, sofre. Quem sabe, se irrita. Quem sabe, é chato.

Numa paródia esdrúxula do bom selvagem de Rousseau, eu diria que o homem nasce feliz, e o conhecimento o corrompe. O approach pouco reflexivo perante a vida blinda as pessoas das irritações contumazes dos que se esforçam por pensar.

E não apenas de irritações vivem aqueles que se esforçam nessa empresa que é o conhecer. Refletir sobre a vida e o mundo geralmente associa-se a uma melancolia ultrajante. Analisar a vida, esmiuçar os princípios e as pessoas torna-se tarefa ingrata. A felicidade parece estar na vida que se vive por viver.

E que melancolia é essa que tanto acomete aqueles que se esforçam em conhecer? A primeira é mais latente, e tem a ver com a própria natureza humana. Vejo pouca possibilidade de se analisar a natureza do ser humano e seus desdobramentos nas relações sociais e ainda assim manter uma visão otimista perante a humanidade. Essa é uma constatação que sempre reforço quando leio A Rebelião das Massas, de Ortega Y Gasset. A ideia de que o domínio do homem-massa é fato dado do nosso tempo é demasiadamente angustiante.

Uma segunda melancolia vem da solidão. O conhecimento isola, como um ostracismo que se impõe àqueles que buscam saber. O pensar é uma atividade solitária. O refletir é individual e intransferível, impossibilitado qualquer tipo de delegação ou terceirização. Quem busca pensar, o faz sozinho.

Isso obviamente tem efeitos na vida cotidiana das pessoas. O saber tende a tornar os ambientes de não-saber bastante entediantes. Os diálogos maçantes, regados de senso-comum são como uma tortura para os que perseguem uma vida de esclarecimento e instrução.

Imaginem que glória deve ser o opinar sobre tudo sem nenhum compromisso com a fundamentação intelectual do argumento. Imaginem a tranquilidade de espírito de quem senta perante uma rede social e vomita todo tipo de frases feitas e pensamentos vulgares. Quem busca o conhecimento se irrita não apenas com o que descobre sobre o mundo através de suas reflexões, mas também com o total descompromisso dos outros com o que podemos chamar de “verdade”.

O não-ignorante não é — permitam-me este esclarecimento — alguém que tudo sabe. É, na verdade, a pessoa que pelo menos se esforça em refletir, em buscar conhecer, em não ser simples máquina de repetição de frase pronta. Isso, no nosso tempo que premia a mediocridade, é mais raro do que se pode imaginar.

E o não-ignorante na maioria das vezes é visto como um chato. Alguém que traz para uma roda temas que fogem da banalidade da vida cotidiana que é tão simples e tão leve. É visto como alguém que pesa o clima ou que gosta de corrigir os outros. E as pessoas geralmente odeiam que as corrijam.

E é nesse sentido que a ignorância é uma benção. Viver a vida tomando dela apenas o que já vem dado é de uma leveza atroz. É quase a ingenuidade da criança que ainda acredita no Papai Noel. Quão mais felizes éramos quando crianças? Que preocupações metafísicas ou filosóficas tínhamos que justificassem a melancolia dos que buscam o conhecimento? Como deve ser bom viver a vida discutindo apenas as banalidades, o superficial e o senso comum (eles têm seus momentos também para os não-ignorantes).

O pensar e o conhecer, em tempos de mediocridade, são empresas inglórias. Nosso tempo pune os que se aventuram a sair da ignorância, acusados que são de serem chatos, pedantes, prepotentes, arrogantes, elitistas etc. A cada dia que passa tenho a impressão que o melhor seria ceder aos impulsos de mediocridade da sociedade contemporânea. Cada dia mais creio que o melhor é sempre escolher viver na Matrix, onde os papéis sociais já estão bem definidos. Afinal, como bem sabemos, sair da Matrix não gerou alegria a ninguém.

Matheus Leone é cientista político e editor da Vinte&Um

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