Universitário morando só: o manual

Eduarda Formiga
Vinte&Um
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6 min readSep 14, 2017

Este tipo de artigo já é bem circulado na interwebs, geralmente leva a manchete “o que ninguém lhe conta sobre morar sozinho” e afins. Eu não irei encher linguiça sobre mais do mesmo ou assustar jovens que estão prestes a sair de casa, dirá influenciar. Evidenciarei a verdade.

Quando o assunto é morar sozinho, corre muita desinformação. A princípio, pensamos que é um paraíso no qual você pode levar quem quiser e fazer o que bem lhe entender. E, sendo sincera, é assim mesmo (em partes). As cobranças de satisfação param de vir e se substituem por boletos à vencerem. Você aprende a crescer, ou melhor, é forçado a crescer. Pois no “mundo real”, ninguém lhe espera e se você ficar para trás, ficou.

(Antes de tudo, quero explicitar que todo o relato é baseado nas minhas experiências pessoais. É dentro da perspectiva de uma mulher universitária.)

O mito do sexo livre

Será um entra e sai de sua casa, nos primeiros meses, caso você tente manter uma vida sexual ativa. É muito bom ao final de um encontro romântico, chamar o indivíduo para subir. Não ter de se preocupar com barulho então…parece o sonho de qualquer adolescente. O que era para ser esporádico, vira rotina e você banaliza o seu lar. Depois de levar muito na cara, perceberá que seu lugarzinho é sagrado e que aquela moça bonita do bar que estava lhe dando mole não vale tão a pena.

Seus amigos também passarão a ver seu apartamento como um motel e tome muito cuidado com isso. No início, emprestar as chaves para aquele amigão do trabalho parecerá uma atitude nobre. “Ele faria o mesmo por mim”, não, ele não faria, nem fará. Então não faça. Mas como eles poderiam dar valor ao seu lar se nem você dá?

Estabeleça valores éticos a serem seguidos por você e seus visitantes, pois só assim terá uma ordem clara a ser respeitada e não se surpreenderá no decorrer da jornada.

Proerd?

Jovens, em geral, são curiosos e não tem nada de errado com isto. O problema está quando você deixa de ter controle sobre o próprio corpo e depende daquilo para viver. Digo por mim, quando ainda morava com minha mãe, achava um absurdo quem fumasse ou usasse drogas ilícitas. Já no meu primeiro apartamento (de três), comecei a fumar absurdos. Passara a ser um ritual: ao final da tarde, sentar na varanda, colocar um blues, acender um Marlboro Vermelho e, para disfarçar o gosto terrível de morte, um halls de melancia. Eu até criei um valor poético a isso, mas deixaremos para outro tópico.

Por ter uma liberdade maior para consumir o que quiser e como quiser, você pode vir a gostar de acender um cigarrinho de maconha ou uma cerveja no final do expediente. Ainda justificará com um “trabalhei demais”. Drogas como válvula de escape se tornarão algo comum e quase banal. E não me refiro apenas às ilícitas, aquele Dramin que lhe ajuda a dormir ou o Dorflex que parece curar o vazio existencial também se incluem aqui. É preciso ter cuidado para que não atrapalhe no seu cotidiano. Confie em mim, é a última coisa que você precisa.

Bebês de estimação

Eu sou a louca dos gatos e até quem não me conhece sabe ao olhar minhas blusas pretas só o pelo. Tenho três crianças: Brucifer, Daisy e Édipo. Eles são a alegria da casa e, no final do dia, eu os tenho de companhia. Isto me ajudou a superar todos os perrengues possíveis e me fez uma mulher melhor.

Caso decida ter um, ele passará a cuidar de você mais do que você dele. Mas se lembre que um animalzinho traz muitas responsabilidades. É preciso alimentar, limpar e dar todo amor do mundo. Se não for capaz de prover de todas e da melhor maneira possível, não se arrisque. É egoísmo querer um amiguinho se não está disposto a cuidar, amar e respeitar como merece. A caixinha de areia não se limpa sozinha. Se quer um apenas para ter ou publicar fotos no Instagram, arrume um ursinho de pelúcia.

Gripe? Artigo de luxo!

Talvez o que mais me incomoda em morar sozinha é quando eu adoeço e tem ninguém para cuidar de mim. Ainda que eu preze pela minha liberdade e independência, é terrível não ter alguém lá por você. E tudo sozinho parece ser amplificado, o que é apenas um resfriado passa a ser motivo de internação hospitalar (na sua cabeça). Mantenha a calma e chame um amigo mais próximo, nem que seja para tomar uma sopa ou discutir o futuro da política brasileira. Só não fique desamparado com suas paranoias.

Ah, a bagunça!

Eu decidi sair de casa numa sexta-feira, uns dois anos atrás, no domingo eu já estava com a mudança na cabeça em Brasília e na segunda minha mãe foi embora para a cidade em que cresci, Palmas. Me deu dois beijinhos e disse: te cuida, moleca! Vê se não bagunça muito, viu? Na quarta-feira meu mísero apartamento de 27m² já ficara inabitável.

Orgulhosa que só eu, demorei dois meses para chamar uma diarista. Até lá, me virei com tutoriais do YouTube. Uma dica, bicarbonato cura tudo. Se acha que não tem mais solução, bicarbonate! O segredo (que eu nunca aderi) é sempre que bagunçar já arrumar. Mas a realidade de pelo menos 90% dos universitários que eu conheço deixa para quando a louça cria fungo, para daí pensar no dia propício a lavá-la.

O seu lar é o reflexo de sua vida. Não se esqueça!

Nissin, o câncer

Só de digitar este maldito nome meu estômago se revira e a mente já projeta o gosto na boca. Até a pessoa mais terrível na cozinha consegue gourmetizar um miojo e o transformar num prato à nível de MasterChef. Desde “à carbonara” até com muito requeijão e presunto. Deus, como eu sinto saudades da comida de minha mãe.

Com o tempo você pegará o jeito e aprenderá a se virar (é isto que contam por aí).

Valorizar as coisas

Dinheiro não cai do céu ou nasce em árvore e se antes parecia fácil pedir dinheiro aos pais, agora que as coisas ficam sérias. Lá pelo dia 20, do seu salário só sobrará o valor da passagem de ônibus e olhe lá. Mas isto ajuda a amadurecer, a sair da caixinha e experimentar ter responsabilidades com as suas próprias coisas. O que é fundamental na transição da adolescência para vida adulta. Então não se desespere, se organize cada vez mais para que não falte no próximo mês.

Ed, mas cadê as partes boas?

Calma, campeão! Apesar do teor altamente pessimista, existem várias vantagens em morar só. Vamos começar pelo óbvio: ficar pelado! Uau, eu só descobri o que era liberdade quando aposentei todos os meus pijamas. É uma sensação divina em apenas chegar em casa, tirar a roupa e deitar no sofá. Às vezes fico torcendo que o final do expediente chegue logo só para que eu possa fazer isso.

Sabe aquelas loucuras que sempre quis fazer mas deixava de lado com medo da opinião alheia? Pois bem! Você terá oportunidade de sobra para realizar os desejos mais macabros. Privacidade é tudo!

Por passar mais tempo sozinho, é possível criar uma nova relação consigo mesmo. Ao mesmo tempo que irá conhecer o pior lado, encontrará o mais belo também. Pouco a pouco você se tornará a melhor versão de si e isto é, de longe, a melhor parte de morar sozinho.

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A solidão bate e você pode vir a tentar preencher de todas as maneiras. Sexo, drogas, animais, comida, labuta… O que escolher, tenha temperança. Os gregos tinham razão, é preciso ser o senhor de si para ser um Homem livre.

Eduarda Formiga é Jornalista em formação e esboço de pesquisadora em comunicação.

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Eduarda Formiga
Vinte&Um

Jornalista diplomada, escritora registrada e curiosa.