entrevistando Desidério Murcho
Com a leitura do livro The Heart of Teaching Economics, de Simon W. Bowmaker, tive a ideia de entrevistar professores para trazer dicas e inspirações sobre a prática docente.
Para a estreia, convidei Desidério Murcho, professor desde 2007 no departamento de Filosofia da Universidade Federal de Ouro Preto. Desidério é um reconhecido divulgador da filosofia. Entre outras obras de divulgação, publicou “Pensar Outra Vez: Filosofia, Valor e Verdade” (Quasi, 2006), “Filosofia em Directo” (FFMS, 2011) e, em parceria com Aires Almeida, “Janelas para a Filosofia” (Gradiva, 2014). É também fundador da revista eletrônica “Crítica” e tradutor. Já verteu para o português obras de autores como Thomas Nagel e George Orwell.
O que você mais gosta na docência e o que você menos gosta?
Dar a conhecer coisas enriquecedoras é em si uma tarefa muitíssimo compensadora, plena de generosidade. Isso é o que mais gosto no ensino. O que menos gosto é ter vários alunos sem qualquer interesse nas matérias, exclusivamente interessados no dinheiro e na posição social que (pensam que) o curso lhes dará.
Como você avalia (percebe) se os alunos estão aprendendo?
Nas avaliações e nas intervenções orais dos alunos.
O que você faz quando os alunos ficam desmotivados com algum conteúdo?
Tento não cair em dois extremos: tornar os conteúdos tão atraentes que sejam meras caricaturas da realidade, e torná-los tão académicos que só os especialistas os entendem. Tento tornar os conteúdos atraentes, mas sem os desvirtuar; se mesmo assim os alunos não se sentem motivados, é porque os conteúdos em si não são do interesse do aluno, o que eu respeito profundamente: afinal, as pessoas têm o direito de não se interessarem pelo que interessa ao professor.
Como você verifica seu progresso e avalia seu próprio desempenho em sala de aula?
Pelo desempenho dos alunos nas avaliações é que vejo como estou ensinando. O fator mais importante que quero encontrar nas avaliações é a autonomia do aluno para pensar por si próprio com rigor.
Como você prepara suas aulas?
Por vezes, dou aulas com PowerPoint; nestes casos, preparar as aulas coincide com fazer os próprios slides. Noutros casos, dou aulas com um texto escrito, caso em que escrevê-lo é preparar a aula. Noutros casos ainda, limito-me a dar uma aula oral expositiva, caso em que me limito a organizar mentalmente os conteúdos que vou ensinar. Mas tudo isto é enganador; porque a preparação mais importante das aulas é o que ocorre quando não estou a preparar aulas, mas antes a estudar a bibliografia adequada da área, pois é aí que vou buscar os conteúdos e métodos que dão corpo às minhas aulas.
Quais são seus principais métodos de ensino? Há algo em particular que você faça para ajudar e encorajar os alunos a aprender?
A explicação aprofundada das ideias, numa linguagem simples, clara e articulada, é o meu método principal. Além disso, nunca faço perguntas nas provas que um aluno que decora mas não entende seja capaz de responder. A minha principal preocupação é que o aluno aprenda realmente, ao invés de fingir que aprende.
Como você lida com a heterogeneidade entre os estudantes na sala de aula?
Depende da própria heterogeneidade. Em alguns casos, já fiz avaliações diferentes para alunos com carências educativas e culturais gritantes, dando-lhes materiais didáticos mais elementares, que estejam ao nível educativo deles. Nos casos em que heterogeneidade é apenas falta de interesse e a corrupção educativa de querer ser aprovado sem qualquer estudo, não faço coisa alguma de especial: limito-me a dar as aulas normalmente.
Como você concilia ensino, pesquisa, extensão e atividades administrativas que eventualmente fazem parte da sua profissão? Como sua experiência em uma área afeta a outra?
Ensino, pesquisa e extensão complementam-se muitíssimo bem e são três aspectos centrais da vida de um académico. Várias das minhas publicações são de extensão, no sentido em que procuram divulgar a filosofia junto da sociedade em geral, para lá do círculo restrito dos professores de filosofia. Tenho também publicações especificamente para o ensino, e outras de pesquisa. As três áreas complementam-se porque é na pesquisa séria que se funda o ensino e a divulgação de qualidade; mas é também ao traduzir a pesquisa numa linguagem clara e simples que os alunos e a sociedade entendam que somos obrigados a resistir ao palavreado pretensioso mas vazio do academicismo.