A imagem que abunda

Joanna Burigo
Visuais Virais
Published in
3 min readApr 21, 2020
Imagem do Blog do Moisés Mendes

O texto compartilhado mais abaixo é uma reorganização de um diálogo que genuinamente aconteceu no grupo de WhatsApp dos organizadores do Visuais Virais, a partir da seguinte imagem:

Na foto: a atriz Ana Luiza Bergmann em Porto Alegre, 19/04/2020

J: Sempre dá pra contar com a pelada-feminino-padrão em manifestações.

D: Verdade, aparece com frequência.

L: Esse corpo, essa nudez. Não vejo como esse corpo está a serviço do discurso político que se pretende. Sempre lembro da Laura Aguilar nesses casos.

Foto de Laura Aguilar (saiba mais)

L: Essa pedra, esse objeto, essa intromissão, esse bloqueio. Essa rima formal com a pedra ao fundo. Não quero dizer que um corpo é mais político que o outro, mas saber que nudez não é um estado universal. Aliás, Laura Aguilar era mexicana, sapata, imigrante. E pensava corpo sob uma perspectiva muito inteligente e sóbria. É lindo. Eu uso ela com frequência quando as peladas aparecem. Porque ela entende a escala do corpo, além de tudo. Corpo no fundo diáfano não existe e a Laura sacou isso muito bem. Pose, forma, peso, ideia de peso na imagem, dobra, sobra, excesso rima, adição, subtração. Ela pensou em tudo. Pensei nisso quando vi a imagem da Ana [Ana Luiza Bergmann, atriz que realizou o protesto da foto acima]pelada. Ela usava uma máscara onde está escrito “Fora Bolsonaro”, que absolutamente some quando vemos os registros. A escala do #forabolsonaro se perde.

No grupo, outras conversas aconteceram, até que L envia esta reportagem; leia:

J: “Uma mulher foi lá, sem a proteção de machos, nua, protegida apenas pela bandeira, e enfrentou o fascismo que se diverte batendo em mulheres.” Se não tivesse pelada, o resgate do soldado Ryan, digo, da bandeira nacional, teria sido? Muito pouca paciência para quem só vê mulher revolucionária se estiver de alguma forma negociando feminilidades…

L: MUITO POUCA PACIÊNCIA

D: Olha, eu que tenho apego zero por símbolos nacionalistas vejo mais como um ruído. Não vejo mais porquê resgatar essa bandeira como significante. Ou a própria figura da bandeira em geral. Fora a questão do corpo que L já levantou…

L: Justamente. De mais a mais, esse símbolo está realmente em disputa?

D: E se fosse um corpo fora dos padrões?

J: Se fosse, mas não é. Nunca é. O que aparece é invariavelmente magro, cis, branco, jovem. A questão é exatamente essa.

L: E a pressa em consagrar outra vez e mais uma vez esse mesmo corpo. Nosso grande símbolo.

J: Isso.

L: Pensando na imagem que falta, essa seria talvez a imagem que sobra. A imagem que abunda.

J: Inclusive a bunda.

Google search: womens bodies and advertising

D: E puxando um pouco pro lado marxista, esse corpo que vira objeto, vira também mercadoria. Aparece também como consumível, no caso em forma de produto midiático.

J: Sim! Aparece inclusive como o que eu chamo de #goi, ou girls of Instagram. Faça qualquer pesquisa na plataforma e note como as primeiras imagens todas são recheadas com estes corpos.

L: Ontem fiquei lembrando das Cariátides, as colunas gregas em forma de estátuas que sustentavam templos. É enorme tudo isso, no seu equívoco ancestral. O problema sempre foi saber ver.

J: Patriarcado: eyeroll eterno de uma mente com lembranças…

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