Não Tenha Medo — Peter Leithart

Asafe Gonçalves Pereira
Vitral
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6 min readMay 4, 2020

Tradução: Breno Nunes / Revisão: Asafe Gonçalves

The Three Marys at the Tomb by Hubert van Eyck
The Three Marys at the Tomb by Hubert van Eyck

Uma antiga homilia pascal mais relevante hoje do que quando a dei.

Jesus conhecia o medo. Ele não era um sábio estoico impassível, como os críticos estoicos da igreja reconheceram desde o princípio. Ao invés de tomar da cicuta como Sócrates, Ele temeu o cálice oferecido pelo Pai no Getsêmani (Mateus 26:36–39). Durante os dias de sua carne, Ele ergueu orações em alto choro e com lágrimas (Hebreus 5.70). Ele era o Filho de Davi que fez dos salmos davídicos suas próprias orações. As cordas da morte me enredaram; as torrentes da destruição me aterrorizaram. Quando o medo me atacar, confiarei em ti. Por temor de ti, minha carne estremece, e eu temo as tuas ordenanças. Existe o medo pecaminoso e Jesus nunca o experimentou. Mas, uma vez que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também Ele, igualmente, participou (Hebreus 2.14). Ele experimentou cada fraqueza comum à humanidade, incluindo o medo. Jesus sabe como é sentir medo.

Ainda assim, mesmo durante sua vida terrena, Ele foi uma fonte de calma. Ele exortava seus discípulos repetidamente para não ter medo. Quando Ele veio até eles caminhando sobre as águas, suas primeiras palavras foram “Tende bom ânimo! Sou eu. Não temais.” Quando os três discípulos se encolheram de medo no Monte da Transfiguração, Jesus os tocou e disse: “Levantem-se! Não tenham medo.” Ele disse a Jairo para não temer por sua filha estar morrendo. Thiago e João ficaram boquiabertos com a pesca tão grande que quebrou suas redes, mas Jesus disse: “Não tenham medo. A partir de agora vocês serão pescadores de homens.” Não tenham medo dos que podem matar o corpo, Jesus lhes disse; não temam a privação ou a fome ou a nudez, não tenham medo porque “é do agrado do vosso Pai dar-lhes o reino.” Não temais, pois vocês valem mais do que muitos pardais. Não temais, pois cada fio de cabelo de suas cabeças estão contados.

Apesar dos horrores que o aguardavam e apesar dos seus próprios medos, Jesus foi à cruz por causa da alegria que lhe estava proposta. O Pai recompensou sua obediência corajosa ressuscitando-o dentre os mortos. E após a ressurreição, Jesus continuou a tranquilizar seus discípulos, agora com uma ênfase renovada. “Não tenham medo”, disse o anjo às mulheres próximo à tumba vazia. E quando Jesus as vê, suas primeiras palavras são as mesmas: “Não tenham medo” (Mateus 28.5,10). Ele continua a tranquilizar após sua ascensão. Em uma visão à noite, Ele diz a Paulo para não ter medo, e em outro sonho ele diz a Paulo “Não tenha medo; você deve ser levado diante de César.” Quando João vê Jesus glorificado na ilha de Patmos, as primeiras palavras de Jesus são “Não tenha medo.”

As mulheres na tumba têm boas razões para temer. O dia começa com um terremoto, seguindo o terremoto anterior na morte de Jesus. Um anjo desce do céu para abrir o túmulo e anjos são assustadores (28.2–7). Esse anjo se parece com Jesus em sua transfiguração (17.2), resplandecente como o sol, cintilante como um raio, roupas brancas brilhando como a neve (28.3). Além disso, nós temos o fato da própria ressurreição. Nós domesticamos tanto a ressurreição que esquecemos o quão assustadora ela é. Se sua avó morta entrasse pela porta, sua alegria seria quase superada pelo medo (Apocalipse 11.11). Ressurreição se tornou uma palavra feliz para nós, mas ressurreição é sinistro, algo de um filme de terror. Os soldados romanos na tumba têm a reação normal diante de um cadáver ambulante: os poderosos guardas romanos estão com tanto medo que caem ao pó como homens mortos (v.4).

As mulheres têm boas razões para temer e de fato estão com medo. Mesmo após o anjo lhes dizer “Não tenham medo” (28.5), elas estão cheias de temor assim como de alegria (v.8). Mas a conforto de Jesus funciona. As mulheres estão com medo, alegres, chocadas e felizes ao mesmo tempo, mas não caem como se estivessem mortas. Elas não reagem como os soldados romanos. As mulheres temem, mas ao invés de se esconderem no chão elas se aproximam; elas caem, mas caem para adorar aos pés de Jesus (v.9). O medo as leva para mais perto, não para mais longe. Quando elas finalmente correm, não estão correndo com medo, mas com uma alegria transbordante e incontrolável. Elas mal podem esperar para contar as novidades aos discípulos (v.8). Quando o céu desce para abalar a terra, as mulheres fiéis são mais corajosas e ligeiras que os soldados imperiais bem armados. Jesus ordena essa coragem destemida em uma era de medo, pois o mundo antigo era um mundo de terror. Deuses pagãos eram arbitrários, vingativos, prontos para atacar a qualquer momento. Acima havia os instáveis olimpianos, abaixo o submundo (ctônico) de terror e fúria. Israel havia sido trazido para perto do Deus vivo e chamado a se alegrar diante dele em sua casa. Mas mesmo Israel estava então sob um ministério de condenação — glorioso, mas assustador.

A morte de Jesus acabou com tudo isso. “Toda aquela grande e gloriosa humanidade que chamamos de antiguidade foi reunida e encoberta, e ali [na tumba de Jesus] foi sepultada. Era o fim de algo muito grande chamado história humana, a história que era meramente humana. As mitologias e as filosofias foram ali sepultadas, os deuses e os heróis e os sábios. Na grande frase romana, eles haviam vivido. Mas como só podiam viver, eles só podiam morrer; e estavam mortos”. Até mesmo os discípulos de Jesus “mal se deram conta de que o mundo havia morrido naquela noite” (Chesterton). Jesus provou a morte para tornar impotente aquele que tinha o poder sobre a morte, isto é, o diabo, e libertar aqueles que, por medo da morte, estiveram sujeitos a escravidão por toda a vida. Em sua ressurreição, Jesus finalizou o velho mundo do medo e iniciou uma nova semana.

O medo não é uma coisa do passado. Possibilidades assustadoras nos confrontam a cada momento, e a cada momento a mensagem de Jesus é a mesma; em cada circunstância, Jesus repete o mandamento do evangelho da manhã de Páscoa. Você perdeu suas economias; Jesus diz: não tenha medo. Você pode perder seu emprego; Jesus diz: não tenha medo. Seus filhos estão se comportando mal, sua família está desmoronando; Jesus diz: não tenha medo. Tudo pelo o qual você tem trabalhado está escorregando entre seus dedos e se despedaçando no chão; Jesus diz: não tenha medo. Você perdeu sua reputação ou respeito; Jesus diz: não tenha medo. Você não tem certeza se Deus ama você ou não; Jesus diz: não tenha medo. Você está doente e não há cura; Jesus diz: não tenha medo. Seus colegas de classe desprezam você e seus amigos te traem; Jesus diz: não tenha medo.

Jesus diz essas palavras não apenas a cada um de nós em nossas circunstâncias individuais, mas ao mundo todo. Mais uma vez nós vivemos em uma era de medo. A mídia nos bombardeia com más notícias do amanhecer ao anoitecer, e não tira nenhuma folga. O Oriente Médio está em colapso, nossa crise financeira irá destruir nossa economia, os Estados Unidos atingiram seu auge e estão em implacável declínio, o desemprego está aumentando tão rapidamente quanto o mercado imobiliário está caindo, até mesmo o clima parece ter enlouquecido. A cada semana aparece uma nova ameaça à saúde, muitas vezes oposta às ameaças da semana passada. Muitas pessoas vivem com uma espécie de ansiedade crônica sob uma nuvem de preocupação, um medo interrompido apenas por momentos de puro terror.

Nós não temos nada a temer. Nada. Jesus venceu o medo e enviou seu Espírito para formar um povo destemido. Esse é o propósito da ressurreição, o objetivo da páscoa. Nunca foi tão necessário. Em nosso mundo, a capacidade de viver em meio a ansiedade sem se tornar ansioso é rara, estranha e atraente. Destemor é uma das nossas grandes armas evangelísticas, porquanto seguimos ao Jesus Ressurreto que nos diz, de novo e de novo, “Não tenham medo.”

A morte morreu quando Jesus foi para a cruz e em sua ressurreição ele triunfou de uma vez por todas sobre a sepultura. Se a morte está morta, o que resta a temer? A coisa mais temível do mundo — a sepultura, a morte, o fim — foi domesticada. A morte não pode te tocar. A morte não pode machucá-lo, nem qualquer das milhares de pequenas mortes que nos ameaçam todos os dias. Jesus venceu e agora nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem altura ou profundidade, nem nenhuma criatura pode nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus nosso Senhor Ressurreto. Portanto, mais uma vez e para sempre: Não tenha medo.

FONTE: LEITHART, Peter. Do Not Fear. Theopolis Institute, April, 2020. Disponível na data desta publicação em: https://theopolisinstitute.com/leithart_post/do-not-fear/

TRADUZIDO E PUBLICADO COM PERMISSÃO DO AUTOR

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Asafe Gonçalves Pereira
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Impostor em vários frontes. Usuário de drogas pesadas, a saber, café e transporte público. Viciado numa, dependente da outra.