“Os Príncipes” e o Cristianismo

Dos clássicos para vida, dando valor ao que realmente importa.

Déborah Cunha
Vitral
5 min readAug 22, 2020

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A obra “O Príncipe”, de Maquiavel¹, e “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry², são dois clássicos que apresentam uma visão bem interessante sobre a natureza humana e que, de certa forma, se completam e, além disso, possuem um interessante relação com o cristianismo.

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Em seu livro, Maquiavel dá conselhos de como um príncipe deveria agir para ter uma boa relação com o povo, a corte e manter seu principado. Entre outras coisas, explica como as pessoas são e o porquê delas serem assim, tendo como base sua própria experiência e observação. Os testemunhos não lhe serviram de incentivo para acreditar na bondade humana ou algo do tipo, pelo contrário, atribuíram uma visão pessimista, de que as pessoas são covardes, ingratas, gananciosas e mentirosas.

A obra “O Pequeno Príncipe” segue a mesma linha. Em cada planeta que o menino visita, ele encontra diferentes personagens que vivem suas vidas em função de algo e acabam se tornando gananciosas, prepotentes e egocêntricas. O homem que vivia contando, por exemplo, em que tudo eram números e valores e apenas isso que importava, ou o rei que não tinha ninguém para governar, mas mesmo assim se via como majestade.

Nesse momento, há uma intersecção muito interessante entre as duas obras, ambas falam do interesse e a forma como isso prejudica as relações. Mesmo que os tempos sejam outros, ainda sim, as pessoas têm dado mais importância às coisas materiais, destruindo as outras partes da vida em favor disso, mas só encontram infelicidade. Junto a isso, temos a relação de interesse encontrada muitas vezes na vida com Deus, quando só existe uma barganha — estar próximo nos momentos de dificuldades, mas afastado quando está tudo sob controle — Além disso, nesta relação não é possível adorar a Deus, se os bens são mais importantes que Ele para você.

Então lhes disse: “Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra todo tipo de ganância; a vida de um homem não consiste na quantidade dos seus bens. — Lucas 12:15

Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro. — Mateus 6:24

Quem ama o dinheiro jamais terá o suficiente; quem ama as riquezas jamais ficará satisfeito com os seus rendimentos. Isso também não faz sentido. Quando aumentam os bens, também aumentam os que os consomem. E que benefício trazem os bens a quem os possui, senão dar um pouco de alegria aos seus olhos? — Eclesiastes 5:10–11

Os atos de um príncipe influenciam diretamente na vida de seus súditos. Seu exemplo de vida é fundamental para que as pessoas se sintam representadas e seguras, além de fornecer uma referência a seguir, incutem uma sensação de pertencimento ao todo. Analisando de outra maneira, temos a vida de Jesus, que é, com certeza, um exemplo de como se deve agir e mais, existe o corpo de Cristo, que consiste na ideia de que, como cristãos, fazemos parte de um corpo, cada um com sua função na obra da igreja. Fazemos parte de um plano maior, que é a criação e temos um exemplo perfeito para seguir, o do Filho encarnado.

Portanto, sejam imitadores de Deus, como filhos amados. — Efésios 5:1

Ora, vocês são o corpo de Cristo, e cada um de vocês, individualmente, é membro desse corpo. — 1 Coríntios 12:27

Outra ideia que “O Príncipe” sugere é a de que “os fins justificam os meios” e, na perspectiva do autor, isso não tem um caráter muito positivo, de fato, uma vez que ele aconselha que a moral e a religião sejam ignoradas em casos que elas fossem contra os interesses. Mas é possível enxergar a ideia por outro ângulo, a necessidade de saber esperar, esperar em Deus, mesmo que o momento seja complicado, pois tudo acontece com um propósito e é de acordo com o plano dEle, mesmo que o caminho seja difícil, o resultado de algumas situações valem o sofrimento e implicam em contextos melhores que os anteriores.

Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês’, diz o Senhor, planos de fazê-los prosperar e não de causar dano, planos de dar a vocês esperança e um futuro. — Jeremias 29:11

Já em “O Pequeno Príncipe”, existem várias relações pertinentes a serem feitas com a vida cristã e comum, mas vou citar apenas três. A primeira, está presente no início do livro, a parte do chapéu, da jiboia e do elefante, e trata de como os adultos dão importância a algumas coisas, mas não entendem coisas simples, se importam mais com o ter do que com o ser. É preciso ser como uma criança às vezes, que tem inocência e doçura.

Então disse Jesus: “Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas. — Mateus 19:14

A segunda é em relação ao cuidado e amor com o próximo. O diálogo do pequeno príncipe com a raposa, um dos trechos mais famosos do livro, fala sobre cativar e deixar ser cativado, da responsabilidade de cuidar de quem se ama e sobre como essas relações são construídas. Inicialmente, o menino achava que sua rosa era única no mundo, mas percebeu que existiam outras rosas iguais à ela, no entanto, o que a fazia especial eram os momentos que tiveram juntos, dessa forma, ela continuava sendo única para ele. Ao mesmo tempo, para construirmos um relacionamento com Deus, é necessário que estejamos dispostos a nos deixar ser cativados e invistamos tempo nas coisas dEle, pois só assim Ele será único no mundo para nós.

Vocês me procurarão e me acharão quando me procurarem de todo o coração. — Jeremias 29:13

E, por último, ainda no trecho da raposa, que fala o que é essencial. Como o livro demonstra em toda sua extensão, as coisas do coração, as pessoas e o que não podemos ver são o que mais importa. É fundamental que as pessoas que amamos, os momentos que vivemos com elas e o sentimento que isso gera sejam valorizados. E, de certa forma, Deus também é assim, invisível aos olhos, mas ele se revela de diferentes formas e é tudo o que precisamos, o essencial. Na natureza, por exemplo, vemos beleza e tudo é obra dEle.

Todas as coisas foram feitas por intermédio dele; sem ele, nada do que existe teria sido feito. — João 1:3

Os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos. — Salmos 19:1

Concluímos então, que os bens materiais devem ficar em segundo plano e as relações devem ser valorizadas. Devemos também ser semelhantes às crianças, esperar e ter fé nos planos de Deus e ser sábios o suficiente para enxergar o que é essencial. Com certeza, existem outros trechos dos dois livros que podem ser levados para a vida e possuem correspondência com o cristianismo. Mas, por hora, exponho esses, com suas respectivas reflexões.

1 — MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Maria Lucia Cumo. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1996.

2 — SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O pequeno príncipe. Rio de Janeiro, Editora Agir, 2009. Aquarelas do autor. 48ª edição / 49ª reimpressão. Tradução por Dom Marcos Barbosa. 93 páginas.

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