Punk rock, gregos e masculinidade

Bruno Emídio
Vitral
Published in
8 min readNov 14, 2019

E como sexo e violência correlaciona tudo isso.

Sex Pistols perform on Jan. 7, 1978 in Memphis during the second stop of their American tour. (AP Photo)
Sex Pistols perform on Jan. 7, 1978 in Memphis during their American tour. (AP Photo)

Como sempre, fatos que aparentemente não possuem nenhuma relação me interessam e me trazem questionamentos. Tudo começou em meados de 2012, no auge dos meus 14 anos de idade. Naquela altura, muitas transformações tinham acontecido na minha vida e uma de minhas paixões florescido e conquistado seu espaço — o Rock.

Junto com outros amigos, era rotina estar sempre buscando algo novo para ouvir. Particularmente, meu desejo era compreender a história da música e evolução. Certa vez, um desses amigos me apresentou o Punk.

Ramones, Sex Pistols, The Clash e até The Cure (já não é tão punk, né?!) eram a moda do momento.

Uma das músicas me chamou muito a atenção. “Sex_Pistols-Sex and-Violence.mp3” , que só agora, ao escrever esse texto, descobri que se trata, na verdade, de uma música do The Exploited. Qual o motivo do despertar da minha curiosidade? O fato de ter mais de cinco minutos de música e só conter duas palavras: sex and violence. Na época, pensei se tratar de algo engraçado e bobo, mais uma prova da simplicidade e superficialidade do punk rock.

O que eu não imaginava era como essas duas palavrinhas permeavam a história e identidade dos homens.

Li uma vez a história de um homem que ao perder seu pai repentinamente, se mergulhou em escuridão. Ficou obcecado com certas coisas que o faziam se sentir vivo, como a raiva. Ele estava com raiva, emoção que conhecia bem. Sempre se sentia enraivecido, embora quase ninguém soubesse disso. Mas era mais do que raiva, ele se sentia violento! Se sentia violento particularmente quando alguém se movia em sua direção com bondade. Queria ferir qualquer um que se aproximasse dele, afinal, a vida lhe havia desferido um golpe trágico.

Sua raiva se manifestava numa frieza silenciosa e que o afastava de todos. Mas ele não podia suportar uma fúria tão intensa por muito tempo. Eventualmente, sua raiva nada mais fazia do que lhe relembrar sua própria vulnerabilidade — de que era impotente diante da tragédia. Ele queria algo que o ajudasse a desaparecer ou aliviar sua dor, algo que o ajudasse a esquecer.

Assim, ele se voltava para fantasias. Sonhava com outras mulheres, abandonava-se em pensamentos lascivos. Chegar perto da esposa numa hora dessas era impensável. Quando ocioso, mergulhava em suas desenfreadas fantasias. Sexo e violência — tópicos que mexem com todo homem. As indústrias dos filmes e livros geram bilhões apenas com esses dois tópicos.

Como os homens tipicamente reagem ao caos em suas vidas? Os homens conhecem o poder da raiva e compreendem a fascinação do sexo. Quando confrontado com o pior caos de sua vida, muitos encontram conforto na raiva e na fantasia sexual. Para escapar da dor ou frustração, nos perdemos em delírios sexuais. Sentimos raiva da solidão. Sentimos o caos, a escuridão confusa que permeia a vida de todos — nos voltamos para o alívio, algo que “ajuda”, algo que parece natural. Mas não é.

No jardim do Éden, Adão não sabia que o caos existia. Ele alcançava êxito em todo empreendimento; não havia espinhos, nem abrolhos. Seu trabalho, em vez de frustração, lhe dava satisfação e ainda desfrutava relacionamentos perfeitos, com Deus e sua esposa. Mas com a desobediência, o caos entrou na História. Na cultura do tempo em que Gênesis foi escrito, a serpente era símbolo de caos, de uma escuridão incontrolável. Ela tornou confusa a palavra de Deus ao questionar Eva sobre a sabedoria do Criador. E obscureceu a clareza da verdade de Deus. As trevas, mais uma vez, pairaram sobre a Terra.

A reação de Adão ao caos transformou o Paraíso num deserto. Seu silêncio introduziu uma desordem totalmente nova: a violência e a perversão sexual. O restante de gênesis nos fornece detalhes das histórias de imoralidade e brutalidade: o homicídio de Abel, o incesto de Ló e suas filhas, o estupro de Diná etc. A luta e o fracasso de Adão tem sido repetidos por todos os homens.

Nossas vidas estão cheias de caos. Pode ser o temor de um futuro incerto, uma decisão que precisa ser tomada quando todas as possibilidades parecem certas, a perda de um emprego, uma redução no salário, a perda de um companheiro, os prazos da faculdade, um prognóstico médico ruim e dezenas de outras possibilidades. Caos é aquela escuridão que paira sobre nós todas as vezes que conversamos com nossas mulheres, trabalhamos no nosso emprego, pagamos nossas contas e tentamos enxergar sentido em nossas vidas.

Adão nos ensinou “o que não fazer”. Há alguma coisa que nos ensine a reação certa ao caos de nossas vidas? Antes que se responda o que significa ser homem, é preciso decidir qual é o ponto de referência. De onde virá nossa definição? Olhamos para outros homens, pais, igrejas? Olhamos para filmes, Programas de Youtube/TV, ideologias? A maior parte dos homens é definida mais pela cultura do que pelo seu Criador.

Olhemos rapidamente para a cultura grega e como era a definição dos homens, mais propriamente, uma das versões mitológicas, construídas por Hesíodo, poeta da Antiguidade. A tentativa de se buscar exemplos no divino em busca de compreender a existência, sempre foi e sempre será, parte da humanidade.

No princípio nada havia, esse nada era chamado Caos, o Vazio. Dele, passou a existir Gaia, a terra, a fim de que os deuses pudessem ter algo em que pisar. Depois veio Tártaro, o mundo subterrâneo, e Eros, o amor.

Caos trouxe à existência Nix, a noite, e Erebos, as trevas. Que por fim, geraram o Dia e Espaço. Gaia deu à luz Urano, o céu, e Ponto e Nereu, os dois lados do mar. Os deuses descansavam no Céu, mas habitavam o Monte Olimpo. Céu e Terra deram à luz aos Titãs. O mais jovem destes foi Cronos. Ele foi um filho selvagem e odiava seu pai, Urano.

Terra e Céu tiveram três outros filhos, cada um deles era um monstro terrível, poderoso que tinha cinquenta cabeças. Isso foi demais para Urano, o pai. Ele sempre odiou seus filhos, e assim os aprisionou nas regiões escuras da terra. A mãe deles, Gaia, conspirou contra o marido. Ela ofereceu ajuda aos filhos para escaparem da prisão. Todos eles tinham pavor do pai, exceto Cronos. Sua mãe lhe deu uma foice que havia feito anteriormente com a ajuda de Nix.

Urano veio então a Terra e ternamente espalhou-se sobre ela. Cronos esperava escondido e golpeou o pai com a foice, o matando. Antes de morrer, porém, Urano amaldiçoou os filhos. Ele declarou que todos eles pagariam pelo crime cometido contra ele.

Cronos tinha seus próprios filhos. Certo dia ocorreu-lhe que suas crias poderiam agir da mesma maneira que ele e seus irmãos. Se ele podia matar seu pai, então seus filhos também podiam matá-lo. Quando sua esposa, Reia, deu à luz seus filhos, ele os comeu inteiros. E Reia orou à Terra que escondesse seu filho, Zeus, e Gaia concedeu-lhe o que pedira, escondendo-o no bosque.

Reia tomou uma grande pedra e embrulhou-a. Ela fez com que Cronos pensasse que a pedra embrulhada era seu filho. Cronos agarrou o embrulho e engoliu-o. Ele achou que havia destruído a ameaça, mas Zeus se tornou o maior dos deuses e logo destruiu seu pai.

As histórias começam com caos. No princípio, não havia nada, a divindade masculina se sente desconfortável com a feminina, que por sua vez seduz sexualmente o marido a fim de destruí-lo. Os deuses guerreiam contra seus próprios filhos, assassinam pais, irmãos, esposas. As histórias terminam em caos: morte, destruição, desvios sexuais. As pessoas não são nutridas; são destruídas. Os mitos pagãos movem-se do caos para o caos, eles podem apenas afirmar o que já é verdade a respeito dos homens.

Os homens são violentos e são sexualmente perversos!

Os pagãos moldaram seus deuses à própria imagem. O próprio homem se tomou o ponto de referência a ser seguido. Eles podiam falar apenas o que era natural para si mesmos. Raramente abordavam o que o homem poderia vir a ser, da dignidade e da beleza da masculinidade. Nos mitos pagãos, os homens trouxeram escuridão à Terra e os deuses masculinos trouxeram caos às suas famílias por serem egoístas, medrosos e insaciáveis.

Os mitos pagãos mostravam um deus masculino que vivia para si mesmo, um deus que era o único propósito de sua própria existência. Veja o que Cícero disse sobre as histórias grega e romana da criação:

Os poetas representaram os deuses inflamados pela ira e enlouquecidos pela lascívia, e expuseram ao nosso olhar suas guerras e batalhas, suas lutas e ferimentos. seus ódios, inimizades e disputas… suas queixas e lamentações, a licenciosidade plena e irrefreada de suas paixões, seus adultérios e aprisionamentos, suas uniões com os seres humanos, e o nascimento de prole mortal de um progenitor imortal.

No antigo Oriente Próximo, os homens temiam o caos acima de qualquer outra coisa. Eles viviam com medo da fome, da infertilidade e de inimigos saqueadores. E o que, então, fizeram com seu caos? deuses à sua imagem — deuses de violência e perversão sexual. E os adoravam com violência e imoralidades para apaziguá-los, para persuadi-los a banir o caos de seu mundo. É assim que muitos homens têm reagido ao caos. Mas como deveriam se comportar diante do caos em suas vidas?

Na história cristã, o homem é feito à imagem de Deus. A história começa com Deus, não com o homem. Por ser nosso ponto de referência, deveríamos entender quem Ele é . Será que Ele utiliza a violência e a perversão sexual para confrontar o Seu caos? Não!

No inicio, é mostrado o estado e identidade em perfeição. O ser humano é macho e fêmea, homem e mulher, vivendo em harmonia e respeito mútuo. O homem não sente pavor da mulher e ela não tenta destruí-lo, pelo contrário, eles nutrem um ao outro, e juntos, cultivam o jardim em que vivem.

Adão e Eva foram chamados a proteger e nutrir. Força e intimidade, o oposto de violência e lascívia , estão no homem para guardar os relacionamentos e nutrir as pessoas ao invés de destruí-los ou usá-los em seus desejos egoístas.

Porém, há uma semelhança entre Gênesis e os mitos pagãos. A Queda.

Deus se moveu do caos à Criação em gênesis 1 e 2, mas no capitulo 3, Adão, em resposta ao caos, permaneceu na escuridão num mundo de beleza. A desobediência de Adão pôs em movimento um mundo escuro — de sexo e violência. O restante de gênesis retrata o resultado do pecado do primeiro homem: ódio, homicídio, racismo, estupro, incesto e adultério. Quando o homem adentra o mistério da vida com fúria e lascívia, ele vive como os pagãos vivem. Deus está ausente, calado, não há esperança n’Ele. Não sabendo o que fazer com a confusão de sua vida, ele busca a fúria e a imoralidade, o hedonismo.

A fúria faz com que o homem se sinta poderoso. A violência faz com que tomemos a justiça com nossas próprias mãos e procuremos corrigir um Deus injusto. A lascívia ajuda o homem a esquecer. A fantasia é uma forma egoísta de viver para o presente. Ela nega a dor do passado e a esperança do futuro. Com a ira, os homens estão presentes mas são perigosos. Com a lascívia, os homens estão ausentes, mas se sentem-se vivos.

O livro de Gênesis conta uma história da Criação muito diferente. Sim, a história termina mal. Mas começa com muita beleza. Essa é a nossa esperança. A beleza existe. O significado e a ordem existem. Reagir ao mistério da vida com violência e perversão sexual arroja o mundo de volta às trevas. Gênesis, pelo contrário, nos convida a retornarmos ao nosso desígnio, e nos tornarmos homens de força e intimidade, honrarmos o nosso chamado de nos tornarmos como Deus.

O livro do Apocalipse nos diz que um dia conseguiremos. O que está contido entre esses dois livros nos conta como. Essa história precisa ser lembrada. Essa, é a história de Deus.

Texto baseado e adaptado do livro O Silêncio de Adão, de L. Crabb; D. Hudson e A. Andrews — Editora Vida Nova.

--

--

Bruno Emídio
Vitral
Editor for

Feito filho de Deus pela obra de Jesus, Mutuense,quase psicólogo e amante de metalcore e tatuagens.