A Palavra te disfarça — 17 de janeiro #3

Matheus Henrique
Vivendo Coram Deo
Published in
3 min readJan 18, 2019

Há uma pesquisa psicológica que diz que a terceira segunda-feira do mês de janeiro é o dia mais triste de um ano. Imagino a música 17 de janeiro (tema dessa série de posts) sendo escrita nesse dia. A magia do novo ano começa a ceder à realidade de quem você é e como nada mudou. Você está no mesmo lugar, igual árvores pressas ao solo. Nesse momento, você tende a cometer um pecado traiçoeiro e até mesmo admirável para alguns, mas a música em questão nos impede.

Nem herói, nem vilão

Gosto de músicas que criam uma cena, um argumento, e chegam a uma conclusão. 17 de janeiro é assim. Mas a conclusão é diferente do que poderíamos esperar da cena. Alguém numa situação melancólica e pessimista, talvez sofredora, poderia terminar a música com o prenúncio de dias melhores, onde o Salvador viria numa carruagem de fogo e mudaria as circunstâncias. Afinal, o agir de Deus deve ser lindo na vida de quem é fiel.

Mas o último ato da canção leva a outra solução. Ela confirma que as coisas continuarão ruins. Não mudarão. Entretanto, há um convite para que Cristo releve a verdadeira identidade do autor e que, de algum modo, ele sugere que as coisas serão diferentes ao aceitar esse convite. O ápice da música começa:

“O caminho será escuro, mas Cristo é a luz do mundo. Deixe Ele te mostrar quem você é”

O autor deixa de olhar apenas as circunstâncias. Ele olha pra si e reconhece que estava indo na direção oposta à sua natureza, tornando-se uma pessoa que não era. Além disso, ele reconhece que Jesus é quem pode lhe reconduzir à verdadeira identidade.

Qualquer coisa diferente disso é pecado. Não apenas um pecado, mas O pecado. Conforme Timothy Keller, “Pecado é a recusa desesperada de encontrar nossa mais profunda identidade no relacionamento com Deus e no serviço a ele. Pecado é tentar nos tornar nós mesmos, adquirir uma identidade alienada dele” [1].

Seja como vilão, vítima do meio, imputando a culpa nos outros e nas circunstâncias, ou seja como herói, vencendo sozinho com peito de aço no fluxo imparável de uma vida atarefada. A forma de fazer pode variar, mas o nome disso é o mesmo. Pecado. Depositamos o nosso sentido de viver em coisas outras que não o Senhor.

Se disfarce do seu disfarce

O irônico é que a canção lhe convida a se disfarçar com a Palavra de Deus.

“A Palavra te disfarça, te afoga em sua graça. Só a cruz esconderá quem você não é”

Esse é um dos belos paradoxos cristãos. E confesso que demorei a percebê-lo na música. Aqui, há o convite para se desamarrar de toda identidade que você construiu com tanto suor. Toda a tentativa de se determinar, todo “empoderamento”, todo esforço para se valorizar e ganhar a vida. Aqui há o convite a extinção de toda tentativa de se auto justificar.

Quem quiser ganhar a vida, irá perder. Ao contrário, quem buscar perder a vida por causa de Jesus, irá ganha-la (Mt 16.25; Mc 8.35). Se disfarce de si mesmo, de seu eu egoísta, autocentrado e ávido para viver desgovernado. Vista-se de Cristo, deixe-O controlar seus membros. Carregue a sua cruz, morra com Jesus para ressuscitar em Jesus.

Como fazer tal façanha? Através da Palavra. É através dela que seremos santificados (Jo 17.17), ou disfarçados, como a música capciosamente diz. Como está escrito: “Por sua decisão ele nos gerou pela palavra da verdade, para que sejamos como que os primeiros frutos de tudo o que ele criou” (Tg 1.18).

Pequenos cristos

Ao sair do Éden, o Senhor fez roupas com pele para Adão e Eva (Gn 3.21). A tentativa de autodefesa deles ao se cobrir com folhas não foi suficiente. No devido tempo, porém, Deus nos entregou seu Filho para nos defender. Podemos, enfim, nos vestir, disfarçar de pequenos cristos, e voltarmos a nos achegar ao Criador, a quem devemos nossa identidade e segurança.
Ore a Deus para ser livre de si mesmo. Se afogue na graça. Nasça novamente, guiado pelo Espírito (Jo 3.7). Sobre as coisas que estão por vir? Que importa?

E mesmo que o futuro seja incerto ao meu entender, o que mais eu posso querer, se Tu és meu Guia não há o que temer.

Notas

[1] KELLER, T. Fé na era do ceticismo. Editora Vida Nova, 2015.

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