A teoria Dragon Ball Z — Política #3

Matheus Henrique
Vivendo Coram Deo
Published in
5 min readDec 15, 2018

No texto passado discorremos sobre a natureza do Estado, de onde vem e do que se alimenta. Agora, vamos à sua função e suas limitações. Fica aí que vamos falar de aborto, consumismo, educação, casamento homoafetivo e claro, boa teologia e filosofia.

Base bíblica

Como já utilizado nos textos anteriores, os dois textos áureos neotestamentários a respeito do governo são Romanos 13.1–7 e 1Pedro 2.13–17. Nessas perícopes, Paulo e Pedro fazem uma espécie de teleologia do Estado, isto é, uma análise de seu objetivo. Para ambos, a autoridade governamental se limita a “punir os que praticam o mal e honrar os que praticam o bem”, pois “é serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal”.

O curioso é que os dois apóstolos descrevem exatamente a mesma função estatal, sem tirar nem pôr. Nada de obras faraônicas, nada de cobrança de imposto para redistribuição de renda (pois é o oposto ao recomendado em Provérbios 29.4). Trocando em miúdos para nós, seres políticos do século XXI, a função do Estado é a manutenção da justiça através da segurança pública [1].

Esferas do Dragão

A partir desses pressupostos, Abraham Kuyper [2], traz a ideia de soberania das esferas [3]. A ideia é que cada esfera da vida humana possui autoridade e responsabilidade em sua área específica, não cabendo a nenhuma esfera interferir no regimento de outra, pois seria uma violação da soberania alheia [4]. O poder público, a família, a escola, a ciência, a arte, são todas esferas que têm sua soberania definida pelo raio de sua circunferência. Nas palavras do próprio:

a família, os negócios, a ciência, a arte e assim por diante, todas são esferas sociais que não devem sua existência ao Estado, e que não derivam a lei de sua vida da superioridade do Estado, mas obedecem a uma alta autoridade dentro de seu próprio seio; uma autoridade que governa pela graça de Deus, do mesmo modo como faz a soberania do Estado. [5]

Conforme descrito por Koyzis [6], o pensamento da soberania das esferas pode ser resumido em três pontos: (1) a soberania última pertence a Deus. É ele quem delega soberania a cada esfera da vida humana, inclusive ao Estado, como descrito em post anterior; (2) toda soberania terrena emana dessa soberania divina e (3) não há esferas intermediária, mediadora entre a autoridade divina e as demais.

Certo, e daí?

Essa doutrina, baseada nas Escrituras e que implicou na filosofia política e na sociedade holandesa do século XX, tem profundas implicações na hora do seu voto. A primeira e mais basilar é esta: não cabe ao poder público definir questões que não são do seu escopo de estabelecer justiça.

É comum cobrarmos dos políticos que paguem nossas dívidas, eduquem nossos filhos, e nos proporcione bem-estar. Mas essa está longe de ser a função do governo que Deus comunicou a seus apóstolos e é uma postura complacente de viver, também abominável nas Escrituras.

Sendo específico:
— O Estado não tem qualquer poder para definir o que é vida. Os pedidos recentes, que chegaram até o poder judiciário brasileiro, tentando definir que a vida humana inicia-se a partir de certo período de tempo qualquer, é abominável. O Estado constitucional é uma invenção moderna e não pode tem qualquer autoridade para delimitar o dom da vida, muito anterior a ele;

— Do mesmo modo, as tentativas de oficializar o casamento homoafetivo também não é uma questão estatal. A família é uma esfera de soberania e esta existe como tal desde os primórdios da civilização, sendo a partir dela, como bem observou Aristóteles, a base para o surgimento da pólis e daí então chegamos até os Estados contemporâneos;

— A educação não é uma questão do Estado nem mesmo da escola. Escola ensina o conteúdo formal, seja ele técnico, científico ou filosófico. A educação, compreendida como a transmissão de valores e crenças que moldarão o caráter do indivíduo, é função da família. Além disso, legislações como a “lei da palmada”, também viola a soberania familiar;

— Tampouco, a família não deve se amoldar aos caprichos do mercado. É descrito por muitos sociólogos que o consumismo e a autorealização têm desfalecido a natural regência familiar. Os pais devem entender que estão deixando o mercado interferir na dinâmica familiar e isso tem trazido sérias patologias sociais;

— A Igreja é o baluarte da verdade divina e sua função é proclamar o Evangelho. Tal função não deve ser cerceada pelo governo ou distorcida por ações sociais pelos adeptos da TMI ou teologia da libertação.

Muitos pontos poderiam ser destacados aqui, mas creio que o princípio básico foi destacado. Não vote em qualquer candidato que diga fazer mil e uma coisas nas mais diversas áreas. A função do governo é proteger as demais esferas através da justiça. Procure aqueles que saibam o motivo de ingressar na vida pública e que respeitem cada aspecto das esferas da vida.

Notas
[1] Para um bom comentário a respeito da função estatal a partir dessas passagens bíblicas, ver o vídeo do canal Dois dedos de Teologia <https://youtu.be/TrNhFsPq5VQ>
[2] Abraham Kuyper (1837–1920) foi um político, teólogo e acadêmico calvinista. Fundou o Partido Anti-Revolucionário holandês e a Universidade Livre de Amsterdã. Chegou a ser Primeiro-Ministro da Holanda. “Nenhum departamento do conhecimento humano era estranho a ele.” Chegou a afirmar que seu desejo “Que apesar de toda oposição terrena, as santas ordenanças de Deus serão estabelecidas novamente no lar, na escola e no Estado para o bem do povo; para esculpir, por assim dizer, na consciência da nação as ordenanças do Senhor, para que a Bíblia e a Criação deem testemunho, até a nação novamente render homenagens a Deus.”
[3] O termo já havia sido cunhado pelo antecessor Groen van Prinsterer. O conceito, entretanto, foi desenvolvido por Kuyper e ganhou bases filosóficas sólidas com Dooyeweerd [4];
[4] Não cabe nesse texto a exposição exaustiva da base teórica da teoria das esferas de soberania. O domínio do autores tampouco atingiria tal feito com maestria. Todavia, é digno de nota que há um corpo teórico que dá a esse conceito elevado apreço acadêmico;
[5] KUYPER A. Calvinismo. Editora Cultura Cristã, 2008.
[6] KOYZIS, D. T. Visões e ilusões políticas. Editora Vida Nova, 2014.

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